segunda-feira, 4 de março de 2019

Boletim nº 71 - Março 2019


PROCESSO NEGOCIAL EM MARCHA

Em finais de Fevereiro foi anunciado que Horst Köhler, o Enviado pessoal do Secretário-geral das Nações Unidas para a questão do Sahara Ocidental, tinha iniciado diligências para se reunir de novo em Genebra com Marrocos e a Frente POLISARIO.

Horst Köhler

Segundo o anunciado, o emissário da ONU convocou, separadamente, as duas partes no conflito para um encontro em Berlim, a fim de preparar a próxima ronda de negociações que ocorrerá no final deste mês de Março. Esta reunião em Berlim foi abordada na última reunião do Conselho de Segurança (CS) da ONU dedicada ao Sahara Ocidental.
Segundo o comunicado de imprensa divulgado após esta reunião do CS, ocorrida em 29 de Janeiro passado, os seus membros «expressaram o seu apoio sem reservas ao Enviado pessoal», «congratularam-se» com o seu relatório e afirmaram-se «prontos a continuar a apoiá-lo na execução do seu mandato». Neste comunicado é igualmente referida a vontade dos participantes no encontro de 5 e 6 de Dezembro em voltarem «a participar numa segunda mesa redonda no primeiro trimestre de 2019».
Segundo também foi divulgado, o representante da África do Sul pediu aos 15 membros do Conselho de Segurança a libertação dos presos políticos saharauís nas prisões marroquinas, como medida - entre outras - de confiança entre as partes. O diplomata sul-africano referiu também a necessidade de reforçar a ajuda humanitária aos refugiados saharauís e a urgência da "desminagem" do território.
Sobre este mesmo assunto a agência EFE difundia dias depois uma entrevista com Agnes Marcaillou, directora do Serviço das Nações Unidas de Actividades relativas a Minas (UNMAS), na sequência de uma reunião internacional em Genebra na qual representantes da agência e várias ONG analisaram as suas prioridades na luta contra as minas, armas que continuam a matar depois do fim de um qualquer conflito. A situação no Sahara Ocidental foi um dos seus principais temas. Aqui existe um muro de terra que separa o território ocupado por Marrocos do controlado pela Frente POLISARIO e que é um dos maiores campos minados do mundo.
Na reunião com os jornalistas, Marcaillou disse que «com mais 3,5 milhões de euros, algo que em termos de ajuda internacional não é muito, essa parte [a leste] do muro ficaria livre de minas, e poderíamos alcançar esse objectivo já no ano de 2020».
Juntamente com o UNMAS estão organizações não-governamentais — como a Geneva Call, que supervisiona acordos de desarmamento em zonas de conflito — que trabalham no Sahara Ocidental em operações de desminagem e ajudaram a destruir já mais de 20.000 minas antipessoal.
No início deste ano, a responsável desta ONG para África, Catherine Hiltzer, testemunhou a destruição de um carregamento de 2.485 destas minas por parte da Frente POLISARIO, como parte dos compromissos assumidos por esta organização em 2005. «Os civis são frequentemente vítimas de minas antipessoal, uma vez que estas armas não discriminam entre um objectivo militar e um civil inocente, pelo que a destruição de 2.000 minas pela Frente POLISARIO é uma vitória para a humanidade», comentou Hiltzer.
Segundo a directora do UNMAS «o principal obstáculo na desminagem do Muro reside no facto de o conflito saharauí continuar latente, pese embora o fim teórico do confronto armado há mais de 25 anos, o que se traduz na recusa marroquina em colaborar com o UNMAS».
Segundo a Campanha Internacional para a Proibição das Minas Antipessoal, mais de 2.500 pessoas morreram desde 1975 no Sahara Ocidental devido a este tipo de armamento, sendo que as vítimas não se limitam ao período de conflito aberto entre 1975 e 1991, já que em 2018 houve 22 mortos. Daqui a pertinência da intervenção do representante da República da África do Sul no Conselho de Segurança.
Entretanto o Secretário-geral das Nações Unidas aproveitou a sua deslocação à capital da Etiópia, Adis Abeba, para se encontrar com o Secretário-geral da Frente POLISARIO e presidente da RASD, Brahim Gali. António Guterres foi acompanhado por John Pierre Lacroix, Secretário-geral Adjunto para as Operações de Paz, e Bienz Gawans, assessora do Secretário-geral para Assuntos Africanos e adjunta de Guterres. Já Gali era acompanhado por Mohamed Salem Ould Salek, Ministro dos Negócios Estrangeiros, pela Secretária-geral da União das Mulheres Saharauis, Fatma Mahdi, e pelo representante da Frente POLISARIO junto da ONU, Sidi Mohamed Omar.
As conversações centraram-se no processo de paz e em particular nos esforços de Horst Köhler para encontrar uma solução justa e duradoura para o conflito na base da legitimidade internacional, de acordo com a agência de notícias saharauí SPS. O Secretário-geral da ONU aproveitou a ocasião para destacar o seu total apoio ao seu enviado pessoal para avançar no processo político actual dirigido pela ONU. Quanto a Gali, sublinhou a plena cooperação das autoridades saharauís com as Nações Unidas para alcançar uma solução justa e duradoura para a questão de descolonização do Sahara Ocidental na base da aplicação da legitimidade internacional e no respeito pelo direito inalienável do povo saharauí à livre determinação e à independência, em conformidade com as resoluções da ONU e da União Africana.
António Guterres nomeou, entretanto, o major-general Ur Rehman do Paquistão como Comandante da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), em substituição do major-general Xiaojun Wang da China, cujo mandato terminou em 17 de Fevereiro.

PARLAMENTO EUROPEU APROVA ACORDO ILEGAL

No passado dia 12 de Fevereiro o Parlamento Europeu (PE) aprovou um novo acordo no domínio das pescas com Marrocos. E fê-lo com uma folgada maioria: 415 votos a favor – entre os quais a maioria dos eurodeputados portugueses - 189 contra – entre os quais se incluem os eurodeputados do BE e do PCP e Ana Gomes do PS – e 49 abstenções.

Ignorar o TJUE

Quando nos aproximamos de novas eleições para o PE (marcadas em Portugal para o dia 26 de Maio) é importante reflectirmos nesta aprovação. Nas cumplicidades que forças políticas representadas no PE estabelecem com o regime marroquino que as levam a empenhar-se em fazer aprovar esta proposta de acordo, recorrendo às artimanhas julgadas necessárias para o fazer aprovar.
Tanto mais que as e os eurodeputados/as foram bastamente alertados para a situação com que estavam confrontados, como aqui temos vindo a fazer eco. Desde organizações da sociedade civil saharauí, nos territórios ocupados, libertados e na diáspora, até organizações de defesa dos direitos humanos – casos da Freedom House, do International Crises Group e do Human Rights Watch – muitos alertaram o PE para o caminho ilegal que estava a seguir. Esta última organização solicitou mesmo que o parlamento submetesse, antes da votação, a proposta de acordo à apreciação do TJUE. O que, aliás, tinha sido também proposto por um conjunto de 110 eurodeputadas/os numa sessão antes da votação, o que foi rejeitado por 410 votos contra 189, com 36 abstenções.
A Frente POLISARIO tem sido o grande motor deste combate pelo respeito do Direito Internacional. Vários dos seus responsáveis na Europa denunciaram este procedimento. O ministro saharauí para a Europa, Mohamed Sidati, afirmou que era «inadmissível incluir as zonas de pesca que pertencem ao Sahara Ocidental no âmbito de qualquer acordo entre a UE e o Governo marroquino». Tal «constituiria um passo para a degradação das posições de defesa dos Direitos Humanos e de Justiça, expressas em mais de uma ocasião, pela chefe dos Negócios Estrangeiros da União Europeia, Federica Mogherini».
No dia a seguir à votação, a delegada da Frente POLISARIO em Espanha, Jira Bulahi Bad, considerou que «os eurodeputados e eurodeputadas que votaram a favor do acordo são responsáveis pela pilhagem contínua dos recursos naturais do Sahara Ocidental e tornam-se colaboradores da opressão e perseguição que o regime marroquino exerce sobre o povo saharauí (...)». Jira Bulahi reafirmou que «a Frente POLISARIO continuará a lutar com todos os meios ao seu dispor contra a nova agressão de que é alvo o povo saharauí com o novo acordo de pesca, sabendo que lhe assiste a legalidade internacional, que infelizmente não foi respeitada por todos aqueles deputados do PE que votaram a favor de que Marrocos continue a oprimir o povo saharauí».
Logo após ser conhecido o resultado da votação o gabinete de imprensa do PCP em Estrasburgo divulgou um comunicado onde afirma que «este Acordo revela a verdadeira face da União Europeia e dos interesses que serve: das grandes empresas pesqueiras, que irão continuar a lucrar com recursos que pertencem ao Sahara Ocidental. Ao mesmo tempo que legitima o colonialismo marroquino, financia crimes de guerra e viola diversas resoluções das Nações Unidas e o Direito Internacional». E a concluir: «O PCP exige que a União Europeia respeite a decisão do povo Saharauí e da Frente POLISARIO, que já rejeitaram este acordo. (…). O PCP continuará a denunciar a ilegalidade deste Acordo, entendendo que esta questão não é separável do processo de autodeterminação e reconhecimento do Sahara Ocidental como pátria independente e soberana (...)».

Sem comentários:

Enviar um comentário