quarta-feira, 3 de julho de 2024

SAHARAUIS NA AUSTRÁLIA: «O CAMINHO DA VONTADE»

(Boletim nº 134 - Julho 2024)

A SBS News divulgou no passado dia 22 de Junho de 2024 uma reportagem sobre a questão do Sahara Ocidental dando a palavra aos poucos saharauis a viver na Austrália, em que uma das interpeladas era uma mulher saharaui-australiana. É desse testemunho que aqui publicamos excertos.

Refugiados: «uma vida muito difícil» (foto WSRW)

«"Sempre que digo que sou do Sahara Ocidental ou que nasci num campo de refugiados, as pessoas perguntam 'oh, onde é isso?'. Muitas pessoas aqui não sabiam da existência do Sahara Ocidental. E eu aproveito essa oportunidade para lhes explicar a luta do meu povo e a nossa luta pela autodeterminação".
Gaby Alamin é uma mulher saharaui-australiana que vive em Melbourne.
Enquanto faz malabarismos diários para conciliar o ser mãe, estudante universitária e educadora, também arranja tempo para defender a sua família e o seu povo, que luta pela independência há gerações no noroeste de África.
No entanto, a sua presença na Austrália é única, pois diz não ter conhecimento de nenhuma outra mulher saharaui no país.
"O que eu sei é que sou a única mulher saharaui na Austrália. Provavelmente devido à localização geográfica, à distância entre a Austrália e o Norte de África. Por isso, é muito difícil para nós e para o meu povo emigrar para a Austrália."
O seu povo, originário da disputada região do Sahara Ocidental, vive sob uma ocupação militar ilegal por parte de Marrocos desde 1975.
Apesar de as Nações Unidas terem reconhecido o seu direito à autodeterminação e prometido em 1991 um referendo para descolonizar finalmente o território, o povo saharaui continua a aguardar a oportunidade de votar pela independência ou pela integração em Marrocos.
Os pais de Alamin fugiram em 1975 no meio da violência e ela nasceu num campo de refugiados na vizinha Argélia, onde residem cerca de 165.000 saharauis na esperança de um dia regressarem à sua pátria.
"Nos campos de refugiados onde nasci e cresci, a vida é muito difícil e as condições são muito duras. É o deserto. Por vezes, a temperatura atinge os 50 graus. Uma das coisas que é espantosa nos campos: temos um grande sentido de comunidade. As pessoas estão sempre animadas e têm sempre a esperança de regressar ao seu país de origem, ao Sahara Ocidental, e de ter um futuro melhor". (…).
O Sahara Ocidental ocupado, que tem aproximadamente a dimensão do Reino Unido, é o último território africano que ainda não alcançou a independência, sendo frequentemente designado como 'a última colónia de África'. (…).
Tracey Cameron, professora de língua Gamilaraay na Universidade de Sydney, diz ver paralelos directos entre as lutas do seu povo e a do Sahara Ocidental.
"Como aborígene, penso que é importante estar consciente do que se passa no mundo. A política de assimilação e as políticas de segregação, bem como a negação do acesso à educação às populações indígenas da região e a pobreza que as pessoas, que são os habitantes originais do país, enfrentam como resultado de serem colocadas nessa situação e de terem todo um sistema colocado em cima deles. É muito semelhante ao que aconteceu e continua a acontecer aqui na Austrália, pelo que vejo grandes paralelismos. Portanto, sim, é muito semelhante". (…).
Marrocos também transferiu centenas de milhares de colonos para a região ocupada, o que é considerado uma violação directa do artigo 49º da Quarta Convenção de Genebra.
No entanto, o Reino de Marrocos reconhece toda a região como as suas 'Províncias do Sul' ou o 'Sahara marroquino' e os seus representantes têm frequentemente classificado a POLISARIO como uma organização terrorista, apesar do seu reconhecimento pela ONU.
Alex Radojev, cônsul honorário do Reino de Marrocos na Nova Gales do Sul, afirma que a Frente POLISARIO é culpada de violações dos direitos humanos.
"Penso que a POLISARIO é considerada pela maioria das pessoas na região do Sahara Ocidental como próxima dos terroristas. A POLISARIO está armada e tem sido agressiva para com Marrocos e o povo marroquino durante muitos e muitos anos. Mas quando a POLISARIO apoia o armamento de crianças, há que questionar a intenção por detrás destes campos e a verdadeira intenção da POLISARIO."
Diz que Marrocos está disposto a conceder uma certa autonomia à região, mas não a independência.
A Frente POLISARIO afirma que nunca atacou civis e que a sua guerra contra as forças militares marroquinas é legítima e assenta no direito dos povos ocupados a resistir aos seus ocupantes. Também responderam às alegações de que estavam a treinar crianças-soldados nos campos de refugiados, chamando-lhes 'alegações infundadas' que não foram apoiadas por agências internacionais, como as Nações Unidas e a União Europeia, que operam nos campos.
Entretanto, as alegações de violações dos direitos humanos e de uma alegada repressão extrema dos meios de comunicação social dissidentes por parte das forças marroquinas no Sahara Ocidental foram amplamente documentadas pela Amnistia Internacional, Human Rights Watch e Reporters Without Borders, entre outros.
As provas destes alegados abusos foram disponibilizadas por meios de comunicação social locais independentes, como a Equipe Media. O grupo actua apesar daquilo a que Reporters Without Borders chamou "a repressão constante do regime marroquino sobre o jornalismo local" e uma "política sistemática de recusa de entrada a jornalistas estrangeiros e de deportação dos que conseguem entrar no território". O cofundador da Equipe Media, Mohamed Mayara, afirma ter sido espancado, detido e torturado pelo seu trabalho. Segundo ele, trata-se de uma estratégia para dissuadir as pessoas de falarem e denunciarem estes alegados crimes. (…).
Mesmo assim, considera-se um homem de sorte.
"E eu tenho sorte, sim, porque fui realmente despedido do meu trabalho e fui intimidado, mas o meu colega ainda está atrás das grades. Imaginem só, sete dos meus colegas estão atrás das grades há 14 anos, seis anos numa solitária, só porque eram jornalistas, carregavam as câmaras, tentavam relatar a situação no local".
Os grupos de defesa dos direitos humanos apelam a um alargamento do mandato da missão de manutenção da paz da ONU no Sahara Ocidental [MINURSO], que continua a não ter componentes de monitorização e informação sobre direitos humanos, ao contrário de quase todas as outras missões da ONU no mundo.
Entretanto, depois de estudar arduamente nos campos de refugiados na Argélia, Gaby Alamin conseguiu, aos 15 anos, uma bolsa para estudar na Costa Rica e de lá mudou-se para a Austrália há oito anos, com 20 e poucos anos. Obteve a cidadania australiana e trabalha actualmente numa escola pré-primária enquanto prepara uma licenciatura em educação na esperança de se tornar professora. Embora continue a tentar visitar a família nos campos de refugiados de dois em dois anos, diz-se muito grata por ter encontrado uma vida melhor para ela e para o filho na Austrália.
"Tenho a oportunidade de aceder à educação, aos cuidados de saúde e a coisas simples como o meu filho poder ter um parque infantil, porque nos campos de refugiados não havia um único parque infantil. Por isso, quando eu era criança, costumava brincar na rua. Costumava fazer brinquedos a partir de objectos reciclados, como garrafas de plástico, ou fazia castelos de areia. E outra coisa pela qual estou muito grata por estar aqui na Austrália é ter água corrente e electricidade. É algo que não temos nos campos de refugiados".
Embora a realização do referendo da ONU para a autodeterminação do povo saharaui, há muito prometido, continue por realizar, Alamin e o seu povo continuam a acreditar que poderão escolher o seu próprio destino nos próximos anos.
"Acredito que, enquanto houver vontade, há um caminho. O meu povo está a lutar há 50 anos. E o que é espantoso neles é que não estão a desistir. Tenho esperança, tenho muita esperança de que as próximas gerações, o meu filho, os meus netos, não tenham de passar pelo mesmo que eu passei – serem refugiados. Em vez disso, espero que tenham a oportunidade de viver como pessoas normais num lugar a que chamem casa e pátria e que nunca mais voltem a ser refugiados".»

Sem comentários:

Enviar um comentário