quinta-feira, 4 de julho de 2024

COLONIALISMO: OS QUE GANHAM E OS QUE PERDEM

(Boletim nº 134 - Julho 2024)

Uma das componentes motoras das práticas coloniais é a pilhagem dos recursos — humanos e naturais – dos territórios colonizados. E nessa prática constroem “cumplicidades” que se traduzem em alianças políticas as quais contribuem para a produção e reprodução dessa pilhagem. É o que faz Marrocos, apadrinhado, entre muitos, pela União Europeia.

Contra a pilhagem de recursos
Não que a Frente POLISARIO, representante reconhecido pelas Nações Unidas do povo saharaui, não alerte as empresas parceiras nessa espoliação dos riscos que correm por não respeitarem o direito internacional. Foi o caso da empresa australiana Fortescue, «propriedade do famoso empresário e multi-milionário» John Forrest, a quem foi pedido que cesse «os seus investimentos porque estes perpetuam uma ocupação brutal que viola os direitos do povo saharaui e permitem armar o exército marroquino, reforçando assim um facto consumado que Marrocos quer impor pela força», explicando que «os investimentos que violam os procedimentos internacionais, encorajam o regime de ocupação marroquino a prosseguir a sua não cooperação com as Nações Unidas e a desafiar a comunidade internacional, indicando, com números precisos, a dimensão da pilhagem dos fosfatos, dos recursos marinhos e das energias alternativas do Sahara Ocidental.»
Este pedido foi reforçado, uns dias mais tarde, pela Instância Saharaui das Minas e do Petróleo que «convidou as empresas e entidades estrangeiras com investimentos nas zonas ocupadas do Sahara Ocidental ou envolvidas com o Estado ocupante de Marrocos na pilhagem das riquezas do povo saharaui a "retirarem-se do território, que já foi declarado zona de guerra desde a violação marroquina do cessar-fogo de 13 de Novembro de 2022".»
«Em comunicado público, a organização alerta para "o número crescente de empresas estrangeiras que a ocupação marroquina envolveu em projectos de investimento ilegais no domínio das energias renováveis no Sahara Ocidental, nomeadamente a energia solar, a energia eólica e a produção de hidrogénio verde".»
Este "convite" aconteceu depois da apresentação em 22 de Maio da investigação realizada pela Western Sahara Resource Watch (WSRW), um trabalho que esta organização faz e disponibiliza há onze anos.
O jornalista Juanjo Chica fez uma leitura deste documento: «O relatório centra-se na mina de Bou Craa, que é actualmente gerida e propriedade do Office Chérifien des Phospates S.A. (OCP), que é a empresa nacional de fosfatos de Marrocos, enquanto a Phospates de Boucraa S.A. (Phosboucraa) é uma empresa totalmente controlada pelo OCP, que efectua a extracção, o transporte e o marketing da mina. (…). Estima-se que, tanto a quantidade de fosfatos exportados como o valor pelo qual foram vendidos, tenham aumentado de 1.231.400 toneladas em 2022 para 1.591.800 toneladas em 2023 e de um valor de 341 milhões de dólares em 2022 para 406 milhões de dólares em 2023. O número de navios de carga que deixaram o território ocupado também terá aumentado de 23 para 29 navios.
«Os principais importadores são o México, a Índia, a Nova Zelândia e o Japão, açambarcando o primeiro quase 50% das exportações. No caso do México, tratar-se-á de um consórcio pertencente a uma empresa norte-americana.
«Embora o OCP afirme que a sua empresa é o maior empregador privado na área, com mais de 2.000 funcionários em 2019, garantindo que 75% são locais, não especifica se são saharauis ou colonos. Também afirma que proporciona viabilidade económica e bem-estar à região, mas isso não a torna menos ilegal, nem a torna legítima.»
O relatório da WSRW cita também o caso de outros envolvimentos na espoliação dos recursos, aproveitando a exploração mineira. Juanjo Chica refere o caso da Siemens Energy, «uma empresa alemã que instalou 22 aerogeradores para gerar até 50 megawatts de energia eólica em 2013. Esta instalação, localizada perto da mina, estaria a alimentar as suas necessidades energéticas, tornando a sua exploração ainda mais lucrativa para Marrocos. (…). Os autores do relatório perguntaram repetidamente à empresa se tinham o consentimento da população saharaui, uma exigência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), mas a empresa nunca respondeu.»
Quem também não respondeu foi a Worley, «uma empresa austríaca, que adquiriu a divisão de Energia, Produtos Químicos e Recursos da norte-americana Jacobs Engineering Inc., herdando assim metade do projecto conjunto com o OCP, denominado Jacobs Engineering S.A.. Assegura a concepção, a construção e a engenharia civil de um projecto relacionado com uma mina perto de El Aaiún, que visa criar um pólo tecnológico para promover o desenvolvimento das 'regiões do Sul', especialmente centrado no desenvolvimento industrial da mina.»
Ainda no âmbito de empresas alemãs, «A Thyssenkrupp (...), informou em 2021 que tinha efectuado trabalhos de engenharia para prolongar a vida útil de algumas das máquinas envolvidas no funcionamento da mina. Quando questionados sobre a legalidade das suas actividades, garantiram que não existiam embargos ou restrições às entregas da UE na região do Sahara Ocidental no momento das suas actividades e que continuam a não existir.»
«Por outro lado, quanto às empresas envolvidas no comércio, existe uma participação irlandesa indirecta através da Bolsa de Valores da Irlanda desde 2014, que procura investidores na principal empresa que explora estes fosfatos, o OCP. Esta entidade irlandesa, por sua vez, é gerida pela Barclays, Morgan Stanley e JP Morgan, todas elas prestadoras de serviços financeiros no Reino Unido e nos EUA.
«Ao mesmo tempo, o OCP contratou firmas como SenateSHJ, DLA Piper, Convington & Burling, Palacio y Asociados ou Edelman and Dechert LLP para defender a alegada legalidade das operações do OCP no Sahara [Ocidental] ocupado, o que resultou em relatórios que defendem a exploração da mina como supostamente beneficiando o povo saharaui.
«Por último, o EuroChem Group, uma empresa russa, mas com sede na Suíça e fábricas em vários países, além de uma filial na Lituânia (Lifosa), foi o primeiro a importar fosfatos para a Europa (…).
«Vale a pena mencionar que empresas de muitos outros países estão envolvidas na exploração, transporte e compra de fosfatos saqueados do Sahara ocupado, entre elas: Caterpillar, Mosaic Co., Innophos Holdings (E.U.A.), Paradeep Phosphates Ltd., Coromandel International Ltd. (Índia), Ballance Agri-nutrients Ltd., Ravensdown Ltd. (Nova Zelândia), China Molybdenum e outras (Brasil), Philphos (Filipinas), Nutrien/Sinofert (China e Canadá), Incitec Pivot Ltd. (Austrália), importadores japoneses desconhecidos e foi mesmo noticiado que o governo venezuelano, através da Monómeros, uma empresa colombiana pertencente à Petroquímica de Venezuela S.A., os teria importado até 2017 e que a Tripoliven, um importador venezuelano, teria negado tal importação em 2013 do Sahara ocupado, o que, no entanto, se provou incorrecto.
«A importância dos fosfatos reside no facto de serem um componente essencial dos fertilizantes utilizados na produção alimentar mundial, da qual depende a segurança alimentar de uma grande parte da população mundial e daí o seu valor. Marrocos, com ou sem o Sahara ocupado, controla uma das maiores reservas mundiais de fosfatos e é o seu segundo maior produtor mundial. Este recurso é limitado e não existe substituto para ele, pelo que a dependência da produção agrícola faz dele um bem de mercado altamente apreciado e em constante valorização.»
Outro recurso saharaui sofregamente explorado é a pesca. A APS-Algérie Presse Service conversou com Lahcen Dalil sobre este problema. Dalil foi membro do ISACOM e que, face às perseguições de que era alvo, está agora refugiado em Espanha. «A pesca, a transformação e a exportação de polvo rotulado 'de Marrocos' têm, na realidade, uma origem totalmente saharauí. A sua captura é efectuada em total ilegalidade, em violação da legislação internacional que rege os territórios não autónomos», como o Sahara Ocidental, que foi incluído na lista da ONU em 1963. «Em 1962, a Assembleia Geral da ONU consagrou o direito dos povos a "utilizar e dispor dos recursos naturais dos seus territórios para o seu desenvolvimento e bem-estar". Posteriormente, a jurisprudência confirmou os "direitos inalienáveis" dos povos dos territórios não autónomos sobre os seus recursos naturais, bem como o seu direito a "serem e continuarem a ser donos do desenvolvimento futuro desses recursos".»
«Nos termos do direito internacional, "todos os Estados têm a obrigação de não reconhecer uma situação ilegal resultante de uma anexação. Têm igualmente a obrigação de não prestar auxílio ou assistência para manter essa situação ilegal". No entanto, Marrocos continua a ocupar, colonizar e explorar os recursos naturais do território saharauí com o apoio da União Europeia (UE). O relatório publicado há alguns meses pela Direcção-Geral das Pescas da Comissão Europeia revelou que o acordo celebrado em 2019 entre a UE e Marrocos dependia quase exclusivamente das capturas ao largo da costa do Sahara Ocidental ocupado.»

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