terça-feira, 4 de junho de 2024

UM PRÉMIO DE ”FACHADA”

(Boletim nº 133 - Junho 2024)

Recentemente o Centro Norte-Sul do Conselho da Europa atribuiu um Prémio de Direitos Humanos 2023 à Presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos de Marrocos (CNDH). Contudo, a voz deste Conselho prima pelo submisso silêncio, contrariamente ao que outras organizações fazem.

AMDH, ignorada pelo Centro Norte-Sul
Duas organizações internacionais que acompanham a situação dos direitos humanos (AI - Amnistia Internacional) e da liberdade de imprensa (RSF - Repórteres Sem Fronteiras), publicaram os seus relatórios anuais, nos quais se referem especificamente à situação em Marrocos e no território que ocupa, o Sahara Ocidental.
A AI apresenta uma bem detalhada lista de violações dos DH cometidas pelo regime de Rabat, quer em Marrocos quer no Sahara Ocidental. Lembra o caso de Rida Benotmane - «escritor e membro da Associação Marroquina dos Direitos Humanos» - que, em 20 de Fevereiro de 2023, foi condenado «a 18 meses de prisão por acusações relacionadas com publicações nas redes sociais e vídeos no YouTube em 2021 nos quais criticava os abusos das forças de segurança, apelava à libertação de presos políticos e acusava o governo de reprimir a liberdade de expressão». Em Maio de 2023 foi «privado do direito de ler e escrever na prisão» tendo sido, finalmente, libertado em 29 de Março. É significativo que o Centro Norte-Sul tenha ignorado a AMDH, com provas dadas no combate pelos DH, e premiado a CNDH, patrocinada pelo autor das violações que deveria denunciar.
As violações dos direitos humanos cometidas pelo aparelho repressivo marroquino no território que ocupa no Sahara Ocidental também estão bem documentadas no relatório. A Amnistia Internacional refere ainda os casos de que teve conhecimento de «tortura e outros maus-tratos», assim como de perseguições a que são submetidas as «mulheres e pessoas LGBTI».
Comentando o relatório de RSF, divulgado no dia 3 de Maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o jornalista Alfonso Lafarga alerta para que «No Índice Mundial da Liberdade de Imprensa 2024, Marrocos passa do 144.º para o 129.º lugar, mas a RSF observa que tal se deve "à ausência de novas detenções, mas não reduz a extensão da repressão, nomeadamente judicial, que continua contra os profissionais da comunicação social".» Lafarga conta que «nos últimos anos, "questões morais completamente forjadas, como acusações de violação, tráfico de seres humanos, adultério ou prática ilegal do aborto, têm sido utilizadas contra jornalistas independentes" e que "os processos judiciais que se seguem a estas acusações são acompanhados de campanhas de difamação orquestradas contra eles pelos meios de comunicação social pró-governamentais".» E salienta que «o pluralismo da imprensa marroquina é apenas uma fachada uma vez que os meios de comunicação social não reflectem a diversidade das opiniões políticas no país. "Os meios de comunicação social e os jornalistas independentes enfrentam sérias pressões e o direito à informação está a ser esmagado por uma máquina de propaganda e desinformação que serve a agenda política do governo e do seu séquito".»
Enquanto isto, segundo a comunicação social de Espanha, o juiz José Luis Calama da Audiência Nacional decidiu reabrir o processo relativo à intrusão informática dos telemóveis do presidente do governo de Madrid, Pedro Sánchez, e dos seus ministros da Defesa (Margarita Robles), do Interior (Fernando Grande-Marlaska) e da Agricultura (Luis Planas). «O magistrado toma esta decisão depois de ter recebido novas informações de França (...).»
Ao comparar os dados fornecidos pelas autoridades francesas com os recolhidos em Espanha, o juiz decidiu reiniciar «o procedimento que tinha sido provisoriamente encerrado em Julho de 2023.» «"Estas autoridades afirmam que foram infectados com o software 'Pegasus' numerosos telefones de jornalistas, advogados, personalidades públicas e associações governamentais e não-governamentais de defesa dos direitos humanos, bem como de membros do governo francês, ministros e deputados".»
Na altura, o jornal El Independiente informou que também os telemóveis de Claude Mangin (esposa, de nacionalidade francesa, do preso político saharaui Naâma Asfari), Philippe Bouyssou (autarca de Ivry-sur-Seine, nos arredores de Paris), Oubi Bachir (diplomata da Frente POLISARIO) e Hicham Mansouri (jornalista marroquino exilado em França), tinham sido infectados. «(…) a investigação de Forbidden Stories, publicada há dois anos pela Amnistia Internacional e por jornalistas de 17 meios de comunicação social, revelou a existência de espionagem em massa com malware israelita. Afectou pelo menos 180 jornalistas, 600 políticos, 85 defensores dos direitos humanos e 65 homens de negócios.» Diz Mansouri: «Continuo convencido de que Marrocos utilizou o programa Pegasus e que este caso encobre uma externalização repressiva entre Marrocos e outros países aliados no Médio Oriente, na Europa e provavelmente noutros locais.»
Estas informações levam algumas fontes a suspeitar de uma iniciativa dos serviços de segurança marroquinos «embora a justiça ainda não tenha conseguido provar a sua autoria. (…). "Tudo isto permitirá uma acção conjunta e coordenada das autoridades judiciais francesas e espanholas para determinar a autoria da infestação levada a cabo através do programa de espionagem Pegasus em França e em Espanha", sublinha o juiz Calama.»
A mesma preocupação com a segurança está a observar-se na Bélgica, não pelas mesmas razões mas com o mesmo “suspeito”, o do costume. De acordo com Le Soir e a RTBF-Radio Télévision Belge Francophone, «O Ministério Público de Bruxelas abriu um inquérito judicial sobre uma eventual ingerência marroquina na Bélgica.»
Segundo estes órgãos, são retomadas as revelações do "magazine #Investigation" da RTBF «referindo influências, interferências ou mesmo potencial corrupção pública do Reino de Marrocos na Bélgica.» Recorde-se que no passado mês de Abril a legislação belga foi alterada, passando o Código Penal a criminalizar «as ingerências estrangeiras num processo democrático».

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