sexta-feira, 3 de maio de 2024

A ONU E AS NEGOCIAÇÕES: HÁ UM ANTES E UM DEPOIS?

(Boletim nº 132, Maio 2024)

No passado dia 16 de Abril o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSONU) reuniu à porta fechada para debater o processo de descolonização do Sahara Ocidental, a última colónia de África. Sem ecos mediáticos.

Política colonial francesa: um grande obstáculo
Segundo o Sahara Press Service (SPS), o Conselho de Segurança iria reunir «no âmbito da aplicação da Resolução 2703 (2023), pela qual o mandato da missão da ONU foi prorrogado até 31 de Outubro de 2024. Durante esta reunião, espera-se que o Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU para o Sahara Ocidental, Staffan de Mistura, informe sobre os seus esforços para relançar o processo de paz, enquanto o Representante Especial do Secretário-geral e Presidente da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), Alexander Ivanko, fará uma apresentação sobre a evolução da situação na área de operações da missão (...).»
Recordemos que nesta Resolução, adoptada em 30 de Outubro de 2023 por 13 votos a favor e a abstenção da Rússia e de Moçambique, o Conselho de Segurança apelou a Marrocos e à Frente POLISARIO para que «retomem as negociações sob os auspícios do Secretário-geral, sem condições prévias e de boa fé», com o objectivo de alcançar «uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável que permita a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental».
Na altura a Frente POLISARIO declarou que não havia «alternativa ao exercício livre e democrático pelo povo do Sahara Ocidental do seu direito à autodeterminação e à independência», considerando que o Conselho tinha perdido, uma vez mais, a oportunidade de adoptar medidas concretas que permitissem à MINURSO assumir plenamente a sua missão em conformidade com a resolução 690 de 1991. E lamentou o silêncio do CSONU e de alguns dos seus membros influentes sobre a violação do cessar-fogo em vigor desde 1991 por parte do ocupante marroquino, afirmando que esta violação põe em perigo o processo de paz e ameaça a segurança na região.

O antes ...

Agora, no quadro desta sessão do Conselho, há duas dinâmicas que importa salientar:
  • a crescente deterioração da situação dos direitos humanos no território ocupado do Sahara Ocidental — como, aliás, na própria sociedade marroquina! – e a que António Guterres fez referência no seu relatório de 3 de Outubro de 2023, ao lembrar que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) «não pôde visitar o Sahara Ocidental pelo oitavo ano consecutivo, apesar dos repetidos pedidos e do forte encorajamento do Conselho de Segurança para uma cooperação, reforçada na Resolução 2654 de 27 de Outubro de 2022» e apesar de o ACNUDH continuar a receber informações sobre «a redução do espaço cívico, incluindo a obstrução, a intimidação e as restrições impostas aos activistas saharauis, aos defensores dos direitos humanos e aos movimentos estudantis», a que podemos acrescentar a informação contida na carta de 19 de Fevereiro último que a FPOLISARIO escreveu ao CSONU, acusando as autoridades marroquinas de «confiscar vastas extensões de terras pertencentes a saharauis e de as entregar a colonos marroquinos e a investidores estrangeiros», factos que são facilmente comprováveis e nada têm de original, sendo parte integrante das práticas de todos os regimes coloniais;
  • os esforços desenvolvidos por Staffan de Mistura, particularmente neste início de ano, para relançar o processo negocial: em 31 de Janeiro deslocou-se a Pretória, a convite do governo sul-africano, para se encontrar com a Ministra das Relações Internacionais e da Cooperação, Naledi Pandor; em 11 de Março esteve em Moscovo, onde se encontrou com o MNE russo, Sergei Lavrov; em 22 de Março manteve conversações em Londres com o Ministro de Estado britânico para a Ásia do Sul e a Commonwealth, Lord Tariq Ahmad; em 3 de Abril encontrou-se em Nouakchott com o MNE da Mauritânia, Mohamed Merzoug; e concluiu este périplo no dia 6 em Rabat onde reuniu com o MNE marroquino, Nasser Bourita.
De acordo com a jornalista Isabel Jiménez de El Faro de Ceuta, este encontro decorreu, segundo fontes não explicitadas, num «ambiente marcado pela abertura e por um espírito positivo e construtivo». Bourita terá transmitido a De Mistura que «não é possível levar a cabo um "processo sério" para resolver o conflito enquanto a Frente POLISARIO violar todos os dias o acordo de cessar-fogo. (…) e que não haverá "nenhum processo" sem a participação da Argélia como parte no conflito.» E «reiterou que não será considerada outra solução "que não seja a iniciativa marroquina de autonomia", referindo-se à proposta apresentada por Marrocos à ONU em 2007 de que o Sahara Ocidental seja um território autónomo sob soberania marroquina.»
Questionado nas vésperas da reunião de 16 de Abril sobre as expectativas da Frente POLISARIO, o seu representante para as Nações Unidas e coordenador junto da MINURSO Sidi Omar, afirmou que «o Conselho de Segurança deve tomar medidas concretas para permitir que a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental conclua a execução do mandato que lhe foi confiado pelo próprio Conselho ao abrigo da sua resolução 690 (1991).»
«O diplomata saharaui insistiu na necessidade de "a Assembleia Geral e os seus órgãos competentes assumirem as suas responsabilidades para com o povo do Sahara Ocidental, apelando à criação de um mecanismo internacional independente de protecção dos direitos humanos na região, onde a sua missão, a MINURSO, continua a funcionar sem qualquer capacidade de controlo dos direitos humanos face à escalada do terrorismo de Estado e à política de terra queimada praticada pelo Estado ocupante de Marrocos nas zonas ocupadas do Sahara Ocidental".»

… e o depois

Depois da reunião do CSONU, o SPS informou que «Nas suas declarações, alguns Estados-membros sublinharam a necessidade de se alcançar uma solução pacífica, justa e duradoura que garanta a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental com base nas resoluções pertinentes da ONU e a necessidade de a MINURSO implementar plenamente o seu mandato, que reafirma a inevitabilidade do exercício pelo povo saharaui do seu direito inalienável à autodeterminação e à independência como única forma de alcançar uma solução justa e duradoura, estabelecendo a paz e a segurança na região», não sendo indicado que Estados foram estes. Uma outra fonte saharaui acrescentou que «Staffan pouco disse sobre as suas visitas à região e os seus encontros com os principais actores e revelou que não tem nada a propor enquanto Marrocos lhe impuser a sua agenda colonial.»
Numa entrevista concedida ao periódico argelino Al-Shorouk Online, Sidi Omar «disse que o que se pode constatar "é a ênfase de alguns Estados membros durante a sessão, sobre a necessidade de alcançar uma solução pacífica, justa e duradoura que garanta ao povo do Sahara Ocidental a autodeterminação com base nas resoluções pertinentes da ONU e sobre a necessidade de a MINURSO implementar plenamente o seu mandato"» sublinhando que «a Frente POLISARIO limita-se a pedir ao Conselho de Segurança que crie as condições necessárias para que a MINURSO possa cumprir integralmente o seu mandato, organizando um referendo no qual o povo saharaui possa exercer livre e democraticamente o seu direito à autodeterminação e à independência.»
Dias mais tarde, «o Secretariado Nacional da Frente POLISARIO reiterou a firmeza e a disponibilidade da Frente POLISARIO para defender o direito inalienável do povo saharaui à autodeterminação e à independência por todos os meios de resistência legítima» denunciando «veementemente as tentativas do Reino de Marrocos de contornar as suas obrigações assinadas com a parte saharaui, com o apoio e o consentimento de algumas partes dentro e fora do Conselho de Segurança, que dificultam os esforços da comunidade internacional para descolonizar o Sahara Ocidental.»

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