quinta-feira, 4 de abril de 2024

ONU: A DIFÍCIL TAREFA DE DE MISTURA

(Boletim nº 131 - Abril 2024)

Num quadro internacional em que os conflitos se multiplicam e agudizam, com o recurso crescente à força militar, o problema do Sahara Ocidental, a última colónia de África, parece inexistente. E, de facto, ele encontra-se quase ausente na comunicação social. Contudo, como diria Galileu, ele move-se.

De Mistura com Ahmad Tariq

Um dos sinais deste "movimento" é o empenhamento da diplomacia de Rabat em afastar Staffan De Mistura, o Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU para a questão, do mapa negocial. Para o regime marroquino todo o Enviado é um empecilho para a sua tentativa de impor a "solução autonomia".
Aquando da sua indigitação, em Outubro de 2021 por António Guterres, Marrocos ofereceu uma enorme resistência à sua nomeação, sendo opinião generalizada que foi a administração norte-americana que forçou as autoridades marroquinas à sua aceitação. A postura de De Mistura – a preocupação em preservar a sua independência e distanciamento face às partes em conflito, o cuidado no respeito pelos princípios do direito internacional — agravaram a hostilidade marroquina como foi visível por ocasião da sua deslocação, em finais de Janeiro, a Pretória para um encontro com a MNE da África do Sul Naledi Pandor para um ponto de situação sobre o processo negocial em curso. O embaixador Omar Hilale, representante permanente de Marrocos junto das Nações Unidas, queixou-se que «Marrocos nunca foi consultado ou sequer informado» antes desta visita. «Marrocos advertiu-o claramente das consequências da sua viagem para o processo político», declarou o embaixador, que pediu a Staffan De Mistura que «dedique mais esforços para convencer a Argélia a retomar o seu lugar na mesa de negociações (…).».
Não que esta postura marroquina seja original. Como comentou o jornalista Ignacio Cembrero, «Depois investir contra Staffan De Mistura, Rabat impôs-lhe tais condições para prosseguir o seu trabalho que, na prática, está a recusá-lo, tal como fez com dois dos seus antecessores. (…). Provavelmente está confiante de que acabará por se demitir do seu cargo. Tem experiência em livrar-se de mediadores. Foi o que fez em 2004 quando James Baker, antigo Secretário de Estado dos EUA, se demitiu. Ele tinha conseguido que o Conselho de Segurança da ONU aprovasse por unanimidade um Plano, com o seu nome, que incluía uma solução faseada para o conflito. Marrocos recusou-se a pô-lo em prática e ninguém o pressionou a fazê-lo.
«Christopher Ross, outro diplomata americano que também tentou mediar, acabou por não se demitir como Rabat esperava. Para se livrar dele, a diplomacia marroquina não teve outra alternativa senão declará-lo persona non grata, pondo assim fim, em 2017, à missão que lhe tinha sido confiada pelo então Secretário-geral Ban Ki-moon. Como Ross explicou numa carta publicada no mês passado num jornal digital marroquino, que o tinha criticado, «Marrocos parece aplicar o princípio de que se não estou com ele, estou contra ele.»
Apesar destas dificuldades — e da falta de apoio por parte do Conselho de Segurança — o Enviado Pessoal tem continuado a procurar construir uma via negocial entre a Frente POLISARIO e Marrocos. A viagem a Moscovo, em 11 de Março a convite das autoridades russas, inscreve-se nestes esforços. De Mistura encontrou-se com o MNE Serguéi Lavrov e com o seu Vice Serguéi Vershinin. Tal como em Pretória, «O seu principal objectivo era a troca de pontos de vista sobre a situação actual, a fim de fazer avançar as perspectivas de resolução do processo de descolonização do Sahara Ocidental.» Recorde-se que «Enquanto membro permanente do Conselho de Segurança e membro do chamado "Grupo dos Amigos do Sahara Ocidental" – constituído por Espanha, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos – a Federação Russa se absteve na última votação do Conselho de Segurança sobre a renovação do mandato da MINURSO, adoptada com 13 votos a favor e duas abstenções (Rússia e Moçambique).»
De Mistura terminou as suas diligências no mês de Março deslocando-se a Londres onde se encontrou com o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros para a Ásia do Sul e Central, Norte de África, ONU e Commonwealth, Lord Ahmad Tariq, onde este aproveitou, recorrendo à plataforma X, para reafirmar que «O Reino Unido continua a apoiar o seu trabalho e o da MINURSO, e continua a encorajar um envolvimento construtivo no processo político liderado pela ONU».
Oubbi Buchraya, representante da Frente POLISARIO na Suíça e junto da ONU e das organizações internacionais em Genebra, considerou que a visita a Moscovo foi «muito oportuna, tendo em conta as grandes pressões que Marrocos exerce contra De Mistura para frustrar a sua missão e levá-lo a demitir-se».
Também no início deste mês de Março, Alexander Ivanko, Chefe da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), visitou El Aaiún, a capital do Sahara Ocidental, tendo-se dirigido depois para Rabat onde manteve contactos diplomáticos «intensivos» com os embaixadores dos países que integram o "Grupo dos Amigos do Sahara Ocidental". Segundo uma fonte da MINURSO, Ivanko «manteve uma serie de contactos sobre a situação da questão do Sahara com os embaixadores em Rabat de França, Federação Russa, China e Reino Unido», tendo concluído a visita «com um prolongado encontro com o embaixador do Reino de Espanha», Enrique Ojeda Vila.
Estes encontros e troca de pontos de vista «Visa[m] enriquecer o debate sobre a questão do Sahara na perspectiva do relatório do chefe da MINURSO agendado para Abril, em conformidade com a resolução 2703 da ONU, que prevê sessões semestrais ao nível do Conselho de Segurança.»
A Frente POLISARIO mantém-se firme na defesa do direito internacional, do seu direito à autodeterminação. Aquando da 37.ª sessão da Cimeira da União Africana (UA) que decorreu em Addis Abeba, o seu Secretário-geral, Brahim Ghali, lembrou que «O Sahara Ocidental trava uma guerra assimétrica e desigual, mas travamos uma guerra de desgaste que afecta a situação sócio-económica e política de Marrocos e pesa sobre o moral do exército de ocupação». Ghali sublinhou que o enviado especial da ONU «tenta estabelecer contactos e desbloquear a situação aqui e ali, e esperamos que tenha um apoio real e efectivo do Conselho de Segurança para avançar e permitir que a MINURSO cumpra a sua missão, tal como estipulado nas resoluções 658 e 690, nomeadamente a organização de um referendo de autodeterminação ao povo saharaui».


 


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