quinta-feira, 4 de abril de 2024

«O ÚNICO MARROQUINO QUE SOUBE COMPREENDER A MINHA LUTA»

(Boletim nº 131 - Abril 2024)

O jornalista Francisco Carrión relata no El Independiente, em 15 de Março, a história de um jovem marroquino – «O jovem que nadou até Ceuta e que Marrocos persegue por "alta traição" depois de ter apoiado os saharauis» – que se refugiou em Espanha e aí descobriu a causa do povo saharaui.

Solidariedade anti-colonialista
No processo emancipatório dos povos colonizados por Portugal desempenharam um papel importante os movimentos da juventude portuguesa que foram, lentamente, descobrindo como a sua luta pela liberdade era alimentada - e alimentava – da prática daquele processo. Situação idêntica ocorreu na colonização de Timor-Leste pela Indonésia, onde nos últimos anos daquela ocupação a aliança entre as juventudes dos dois países concorreu para a ruptura que se viveu em finais da década de 1990 na região. O artigo de Carrión, aqui parcialmente traduzido, lembra-nos este passado recente.
«Foi um dos mais de 10.000 marroquinos que nadaram para Ceuta em Maio de 2021, quando o país vizinho abriu as suas fronteiras em represália pelo acolhimento de Brahim Ghali [Secretário-geral da Frente POLISARIO]. Desde então vive em Espanha onde apresentou um pedido de asilo político. Walid el Gharib, um activista marroquino de 28 anos, enfrenta agora um processo judicial no seu país de origem, (...).
"Não é a primeira vez que sou acusado e condenado por publicar casos de corrupção envolvendo personalidades em Marrocos, mas esta é a primeira vez que inclui acusações tão graves", reconhece Walid em conversa com El Independiente. A queixa contra ele, apresentada (...) por um advogado de Tetuão à Procuradoria-geral de Marrocos, acusa-o de "difundir calúnia, difamação e propaganda que prejudica a unidade do Reino de Marrocos e a sua segurança interna e externa". De acordo com o código penal marroquino, esta acusação pode custar-lhe até uma década de prisão no país vizinho.
O que desencadeou a perseguição judicial de que é alvo foi a sua participação na apresentação em Barcelona de Un viaje a la libertad, um livro do activista saharaui Taleb Alisalem. Na queixa, o facto é explicitamente mencionado e é recordado que Walid foi fotografado com Taleb exibindo uma bandeira do Sahara Ocidental. "O acusado aparece numa fotografia com membros da Frente POLISARIO carregando a bandeira e o emblema do bando", detalha o documento, que inclui como prova as publicações nas redes sociais que mostram as fotografias do evento.

A apresentação de um livro como detonador

A dedicatória assinada por Taleb num exemplar do livro é também apresentada como prova. "Ao meu amigo Walid, o único marroquino que soube compreender a minha mensagem e apoiar a minha luta", cita a delação. O jovem marroquino liga o processo judicial às suas anteriores denúncias de corrupção, entre outras, contra o presidente da câmara de uma cidade do norte de Marrocos. "Chegou ao meu conhecimento que todos os processos contra ele tinham sido retirados e publiquei recentemente um artigo denunciando esta situação. Em resposta, recebi agora uma intimação num processo por alegado apoio ao terrorismo e alta traição", sublinha.
Mais concretamente, Walid é acusado de difundir propaganda que "põe em causa a unidade, a soberania ou a independência do Reino de Marrocos ou a lealdade dos cidadãos para com o Estado marroquino e as suas instituições". "Sei que não poderei regressar a Marrocos. Fazer isso seria pôr a minha vida em risco", responde o homem que admite ter-se aproximado da causa do Sahara Ocidental, a antiga colónia espanhola ocupada desde 1976 pelo seu país e o último território africano ainda por descolonizar, depois de ter chegado a Espanha.
"Tinha sido activista em Marrocos, divulgando nas redes sociais os escândalos de corrupção que envolviam políticos marroquinos, e tinha apoiado a causa palestiniana, mas foi em Espanha que tomei conhecimento da causa saharaui e apoiei publicamente o seu direito à autodeterminação", explica o jovem. Walid entrou em Espanha durante a crise migratória que levou ao acolhimento humanitário do líder da Frente POLISARIO, Brahim Ghali, em Abril de 2021. Semanas depois, em apenas 24 horas, mais de 10.000 pessoas nadaram até Ceuta, numa utilização da migração pelo regime alauita que foi condenada pelo Parlamento Europeu na altura. (...).

Protagonista da entrada maciça em Ceuta

"Tenho de agradecer a Ghali por ter vindo para Espanha", brinca Walid. "Foi assim que Marrocos abriu as suas fronteiras e eu aproveitei a avalanche para sair. Eu sabia que, devido ao meu envolvimento político, ia ter problemas se não saísse de Marrocos", acrescenta. "O episódio de Maio foi completamente permitido pelas autoridades. Lembro-me que até as forças de segurança estavam a ajudar mulheres, crianças e adultos a atravessar a fronteira. Disseram-nos: "Vão, vão, vão. Que Deus esteja convosco". Estavam a convidar-nos a partir. Algumas mulheres caíram e foram ajudadas pelos agentes a continuar o caminho", recorda. Walid nadou apenas cerca de 20 metros para chegar à costa da cidade autónoma.
Walid, que trabalha como cozinheiro, denuncia que a sua família tem sofrido ameaças e agressões físicas em Marrocos por causa das publicações críticas ao regime que edita a partir de Espanha. "Depois da divulgação das imagens da apresentação do livro, comecei a receber ameaças de morte através de contas anónimas que me acusavam de traidor", conta Walid, que, quase três anos depois, continua a aguardar a resolução do seu processo de regularização em Espanha. Também documentou os problemas que teve durante as suas visitas ao consulado marroquino em Barcelona.

Risco de expulsão

"A ideia de ser deportado para Marrocos é um pesadelo constante. Ninguém pode imaginar o que estou a sentir", diz Walid. "Pelo menos em Barcelona sinto-me mais seguro do que em Ceuta, onde sempre tive a impressão de estar rodeado de pessoas que poderiam trabalhar para o Makhzen" (o círculo de Mohammed VI que governa de facto o país), confessa.
No meio do seu calvário judicial, Walid diz compreender o silêncio da comunidade marroquina em Espanha, cerca de um milhão de pessoas, sobre as questões políticas do seu país de origem. "É evidente. Marrocos forjou uma mentalidade entre o seu povo segundo a qual o Sahara é uma linha vermelha sagrada. Ninguém se atreve a falar ou a pôr em causa. É um verdadeiro trauma para um marroquino abordar questões como esta", defende.
"A minha opinião é que não haverá estabilidade na região enquanto os saharauis não puderem exercer o seu direito à autodeterminação e não forem livres", afirma, céptico quanto ao futuro do seu país. "Infelizmente, Marrocos continuará a assistir ao enriquecimento de um círculo muito restrito de pessoas e ao empobrecimento geral do resto da população", conclui.»


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