sexta-feira, 5 de abril de 2024

A CAMINHO DA SENTENÇA DEFINITIVA

(Boletim nº 131, Abril 2024)

Fez agora precisamente 10 anos (Março de 2014) que a Frente POLISARIO apresentou ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) a sua segunda queixa relativa à exploração ilegal de recursos naturais do Sahara Ocidental por parte do poder ocupante, visando o Acordo sobre Pescas celebrado entre a União Europeia (UE) e Marrocos.

A opinião da Advogada-Geral sob escrutínio
Na altura, cinco países – Suécia, Dinamarca, Finlândia, Países Baixos e Reino Unido – votaram contra o Acordo, mas ele passou no crivo do Parlamento Europeu. A primeira queixa tinha sido entregue em 2012, a propósito do Acordo de comercialização de produtos agrícolas. Até agora, os Tribunais Europeus publicaram três sentenças muito claras (2016, 2018, 2021), mas de todas elas a parte europeia recorreu, prolongando os processos.
Espera-se que dentro de poucos meses o TJUE pronuncie a sentença definitiva, que já não é passível de recurso. Mas entretanto, neste final de Março, teve lugar um passo mais, o último, antes do veredicto final: a publicação de três Opiniões da Advogada-Geral do Tribunal Tamara Ćapeta.

O cravo e a ferradura

O TJUE tem 28 juízes e 11 Advogados-Gerais, sendo estes nomeados de comum acordo pelos Governos dos Estados-Membro para mandatos de 6 anos, com possibilidade de renovação. O Advogado-Geral «exerce, com imparcialidade e independência, uma função de apresentação pública de conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia (...), requeiram a sua intervenção. As conclusões do Advogado-Geral não vinculam o Tribunal de Justiça nem podem ser contraditadas pelas partes ou pelos interessados no processo em causa, pois consubstanciam a opinião individual de um perito que propõe uma solução para a resolução de um litígio concreto.»
Duas das Opiniões agora publicadas respondem aos processos existentes no TJUE, baseados nas queixas apresentadas pela FPOLISARIO sobre os dois Acordos comerciais UE-Marrocos relacionados, respectivamente, com as pescas e a produção agrícola. A terceira Opinião diz respeito a uma questão colocada pelo Conselho de Estado francês sobre a etiquetagem dos produtos com origem no Sahara Ocidental.
A questão de fundo em causa nestes processos é o estatuto do Sahara Ocidental. A assinatura de Acordos entre a UE e Marrocos, ao incluir o território do Sahara Ocidental, pressupõe que este se encontra sob soberania marroquina e a potência ocupante pode tomar decisões sobre os seus recursos. As três sentenças anteriores publicadas pelo TJUE, tomando como referência o Direito Internacional e a jurisprudência aplicável, afirmam que o Sahara Ocidental e Marrocos são territórios «distintos e separados». Nas três Opiniões publicadas no dia 21 de Março, a Advogada-Geral mantém esta visão, dizendo que por essa razão o Acordo sobre as Pescas deveria ser anulado e que os produtos provindos do Sahara Ocidental deveriam ser etiquetados reconhecendo esta origem, em vez de serem comercializados como bens marroquinos.
Uma outra questão fundamental, decorrente da primeira, é a de saber então como pode a UE negociar os bens produzidos no Sahara Ocidental — em que condições e com quem. Depois de ter esclarecido na sua sentença de 2018 que os recursos em causa são todos os que estão ligados ao território, às águas e ao espaço aéreo saharaui, em 2021 o TJUE explicitou que a utilização dos recursos do Sahara Ocidental carece do «consentimento do povo saharaui» e que este é representado pela Frente POLISARIO, à qual reconheceu personalidade jurídica.
É neste ponto que o posicionamento da Advogada-Geral difere, ao avançar com uma interpretação na qual introduz uma figura inexistente no Direito Internacional, a de «potência administrante de facto» do território saharaui, abrindo assim a possibilidade de Marrocos – a potência ocupante, segundo a ONU, enquanto a Espanha continua a ser a potência administrante – poder negociar com países terceiros em nome do povo saharaui. Para tentar compatibilizar as suas próprias incongruências jurídicas, a Advogada-Geral propõe que seja dado um tratamento separado ao Sahara Ocidental no quadro dos futuros Acordos.
Como nota o Prof. belga François Dubuisson numa análise publicada no final de Março, esta interpretação é muito pouco fundamentada juridicamente, antes recorrendo a um juízo político, na medida em que o principal argumento é o de que «No que diz respeito ao Sahara Ocidental, as instituições políticas da União [Europeia] não consideram Marrocos como uma potência ocupante ou soberana, mas antes como a potência administrante».
Uma parte das recomendações da Advogada-Geral coloca assim problemas de ordem jurídica, tanto ao nível da leitura do Direito Internacional e da respectiva jurisprudência (podem citar-se, por exemplo, os célebres casos da Opinião do Tribunal Internacional de Justiça relativa à reivindicação das Ilhas Maurício sobre o Arquipélago de Chagos e das pretensões da África do Sul sobre a Namíbia), como da sua coerência interna.
Em breve será lavrada e conhecida a sentença definitiva do Tribunal de Justiça da União Europeia, que deverá ter em conta as Opiniões da Advogada-Geral, sem, no entanto, estar obrigado a acolhê-las. Vê-se aliás com dificuldade que o mesmo Tribunal negue as suas próprias conclusões, sobre os mesmos assuntos, exaradas há pouco tempo.

Reacções, informação e campanha

A maior parte da imprensa internacional destacou em título que a Advogada-Geral tinha pedido a anulação do Tratado de Pesca UE-Marrocos.
Em comunicado publicado no mesmo dia em que foram conhecidas as Opiniões da Advogada-Geral, a Frente POLISARIO resumiu a sua posição afirmando que «tomou nota dos progressos realizados. É necessária uma certa cautela, já que se trata das conclusões da Advogada-Geral e não da sentença do Tribunal. Para isso é preciso esperar uns meses. No entanto, nesta batalha jurídica, que começou há dez anos, fizeram-se grandes progressos. Não se discute a admissibilidade das acções judiciais do povo saharaui e a Advogada-Geral retoma os argumentos da Frente POLISARIO sobre o direito à autodeterminação e o direito à soberania permanente sobre os recursos naturais. Tudo isto se inscreve numa jurisprudência favorável ao povo saharaui, que se vem confirmando passo a passo.»
No dia seguinte, 22 de Março, a Coordenadora das Organizações de Agricultores e Criadores de Gado (COAG) de Espanha pediu às autoridades comunitárias que sejam tomadas de imediato medidas para salvaguardar os direitos dos consumidores europeus, «especialmente quando se trata de produtos do Sahara Ocidental», em particular frutas e hortaliças, que devem ser devidamente etiquetados, de acordo com a sua verdadeira origem.
Para seguir este tema, vale a pena consultar a página na internet – com informação actualizada sobre a questão da apropriação ilegal dos recursos naturais do Sahara Ocidental – construída pela solidariedade internacional com o povo saharaui: Western Sahara Resource Watch.
A continuada exploração ilegal dos recursos naturais do Sahara Ocidental por parte de empresas estrangeiras, aliadas do governo marroquino, levou a sociedade civil saharaui a mobilizar-se, promovendo desde 2018 uma campanha internacional, dirigida a outras associações e colectivos, através do sítio Western Sahara Is Not For Sale.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

ONU: A DIFÍCIL TAREFA DE DE MISTURA

(Boletim nº 131 - Abril 2024)

Num quadro internacional em que os conflitos se multiplicam e agudizam, com o recurso crescente à força militar, o problema do Sahara Ocidental, a última colónia de África, parece inexistente. E, de facto, ele encontra-se quase ausente na comunicação social. Contudo, como diria Galileu, ele move-se.

De Mistura com Ahmad Tariq

Um dos sinais deste "movimento" é o empenhamento da diplomacia de Rabat em afastar Staffan De Mistura, o Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU para a questão, do mapa negocial. Para o regime marroquino todo o Enviado é um empecilho para a sua tentativa de impor a "solução autonomia".
Aquando da sua indigitação, em Outubro de 2021 por António Guterres, Marrocos ofereceu uma enorme resistência à sua nomeação, sendo opinião generalizada que foi a administração norte-americana que forçou as autoridades marroquinas à sua aceitação. A postura de De Mistura – a preocupação em preservar a sua independência e distanciamento face às partes em conflito, o cuidado no respeito pelos princípios do direito internacional — agravaram a hostilidade marroquina como foi visível por ocasião da sua deslocação, em finais de Janeiro, a Pretória para um encontro com a MNE da África do Sul Naledi Pandor para um ponto de situação sobre o processo negocial em curso. O embaixador Omar Hilale, representante permanente de Marrocos junto das Nações Unidas, queixou-se que «Marrocos nunca foi consultado ou sequer informado» antes desta visita. «Marrocos advertiu-o claramente das consequências da sua viagem para o processo político», declarou o embaixador, que pediu a Staffan De Mistura que «dedique mais esforços para convencer a Argélia a retomar o seu lugar na mesa de negociações (…).».
Não que esta postura marroquina seja original. Como comentou o jornalista Ignacio Cembrero, «Depois investir contra Staffan De Mistura, Rabat impôs-lhe tais condições para prosseguir o seu trabalho que, na prática, está a recusá-lo, tal como fez com dois dos seus antecessores. (…). Provavelmente está confiante de que acabará por se demitir do seu cargo. Tem experiência em livrar-se de mediadores. Foi o que fez em 2004 quando James Baker, antigo Secretário de Estado dos EUA, se demitiu. Ele tinha conseguido que o Conselho de Segurança da ONU aprovasse por unanimidade um Plano, com o seu nome, que incluía uma solução faseada para o conflito. Marrocos recusou-se a pô-lo em prática e ninguém o pressionou a fazê-lo.
«Christopher Ross, outro diplomata americano que também tentou mediar, acabou por não se demitir como Rabat esperava. Para se livrar dele, a diplomacia marroquina não teve outra alternativa senão declará-lo persona non grata, pondo assim fim, em 2017, à missão que lhe tinha sido confiada pelo então Secretário-geral Ban Ki-moon. Como Ross explicou numa carta publicada no mês passado num jornal digital marroquino, que o tinha criticado, «Marrocos parece aplicar o princípio de que se não estou com ele, estou contra ele.»
Apesar destas dificuldades — e da falta de apoio por parte do Conselho de Segurança — o Enviado Pessoal tem continuado a procurar construir uma via negocial entre a Frente POLISARIO e Marrocos. A viagem a Moscovo, em 11 de Março a convite das autoridades russas, inscreve-se nestes esforços. De Mistura encontrou-se com o MNE Serguéi Lavrov e com o seu Vice Serguéi Vershinin. Tal como em Pretória, «O seu principal objectivo era a troca de pontos de vista sobre a situação actual, a fim de fazer avançar as perspectivas de resolução do processo de descolonização do Sahara Ocidental.» Recorde-se que «Enquanto membro permanente do Conselho de Segurança e membro do chamado "Grupo dos Amigos do Sahara Ocidental" – constituído por Espanha, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos – a Federação Russa se absteve na última votação do Conselho de Segurança sobre a renovação do mandato da MINURSO, adoptada com 13 votos a favor e duas abstenções (Rússia e Moçambique).»
De Mistura terminou as suas diligências no mês de Março deslocando-se a Londres onde se encontrou com o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros para a Ásia do Sul e Central, Norte de África, ONU e Commonwealth, Lord Ahmad Tariq, onde este aproveitou, recorrendo à plataforma X, para reafirmar que «O Reino Unido continua a apoiar o seu trabalho e o da MINURSO, e continua a encorajar um envolvimento construtivo no processo político liderado pela ONU».
Oubbi Buchraya, representante da Frente POLISARIO na Suíça e junto da ONU e das organizações internacionais em Genebra, considerou que a visita a Moscovo foi «muito oportuna, tendo em conta as grandes pressões que Marrocos exerce contra De Mistura para frustrar a sua missão e levá-lo a demitir-se».
Também no início deste mês de Março, Alexander Ivanko, Chefe da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), visitou El Aaiún, a capital do Sahara Ocidental, tendo-se dirigido depois para Rabat onde manteve contactos diplomáticos «intensivos» com os embaixadores dos países que integram o "Grupo dos Amigos do Sahara Ocidental". Segundo uma fonte da MINURSO, Ivanko «manteve uma serie de contactos sobre a situação da questão do Sahara com os embaixadores em Rabat de França, Federação Russa, China e Reino Unido», tendo concluído a visita «com um prolongado encontro com o embaixador do Reino de Espanha», Enrique Ojeda Vila.
Estes encontros e troca de pontos de vista «Visa[m] enriquecer o debate sobre a questão do Sahara na perspectiva do relatório do chefe da MINURSO agendado para Abril, em conformidade com a resolução 2703 da ONU, que prevê sessões semestrais ao nível do Conselho de Segurança.»
A Frente POLISARIO mantém-se firme na defesa do direito internacional, do seu direito à autodeterminação. Aquando da 37.ª sessão da Cimeira da União Africana (UA) que decorreu em Addis Abeba, o seu Secretário-geral, Brahim Ghali, lembrou que «O Sahara Ocidental trava uma guerra assimétrica e desigual, mas travamos uma guerra de desgaste que afecta a situação sócio-económica e política de Marrocos e pesa sobre o moral do exército de ocupação». Ghali sublinhou que o enviado especial da ONU «tenta estabelecer contactos e desbloquear a situação aqui e ali, e esperamos que tenha um apoio real e efectivo do Conselho de Segurança para avançar e permitir que a MINURSO cumpra a sua missão, tal como estipulado nas resoluções 658 e 690, nomeadamente a organização de um referendo de autodeterminação ao povo saharaui».


 


«O ÚNICO MARROQUINO QUE SOUBE COMPREENDER A MINHA LUTA»

(Boletim nº 131 - Abril 2024)

O jornalista Francisco Carrión relata no El Independiente, em 15 de Março, a história de um jovem marroquino – «O jovem que nadou até Ceuta e que Marrocos persegue por "alta traição" depois de ter apoiado os saharauis» – que se refugiou em Espanha e aí descobriu a causa do povo saharaui.

Solidariedade anti-colonialista
No processo emancipatório dos povos colonizados por Portugal desempenharam um papel importante os movimentos da juventude portuguesa que foram, lentamente, descobrindo como a sua luta pela liberdade era alimentada - e alimentava – da prática daquele processo. Situação idêntica ocorreu na colonização de Timor-Leste pela Indonésia, onde nos últimos anos daquela ocupação a aliança entre as juventudes dos dois países concorreu para a ruptura que se viveu em finais da década de 1990 na região. O artigo de Carrión, aqui parcialmente traduzido, lembra-nos este passado recente.
«Foi um dos mais de 10.000 marroquinos que nadaram para Ceuta em Maio de 2021, quando o país vizinho abriu as suas fronteiras em represália pelo acolhimento de Brahim Ghali [Secretário-geral da Frente POLISARIO]. Desde então vive em Espanha onde apresentou um pedido de asilo político. Walid el Gharib, um activista marroquino de 28 anos, enfrenta agora um processo judicial no seu país de origem, (...).
"Não é a primeira vez que sou acusado e condenado por publicar casos de corrupção envolvendo personalidades em Marrocos, mas esta é a primeira vez que inclui acusações tão graves", reconhece Walid em conversa com El Independiente. A queixa contra ele, apresentada (...) por um advogado de Tetuão à Procuradoria-geral de Marrocos, acusa-o de "difundir calúnia, difamação e propaganda que prejudica a unidade do Reino de Marrocos e a sua segurança interna e externa". De acordo com o código penal marroquino, esta acusação pode custar-lhe até uma década de prisão no país vizinho.
O que desencadeou a perseguição judicial de que é alvo foi a sua participação na apresentação em Barcelona de Un viaje a la libertad, um livro do activista saharaui Taleb Alisalem. Na queixa, o facto é explicitamente mencionado e é recordado que Walid foi fotografado com Taleb exibindo uma bandeira do Sahara Ocidental. "O acusado aparece numa fotografia com membros da Frente POLISARIO carregando a bandeira e o emblema do bando", detalha o documento, que inclui como prova as publicações nas redes sociais que mostram as fotografias do evento.

A apresentação de um livro como detonador

A dedicatória assinada por Taleb num exemplar do livro é também apresentada como prova. "Ao meu amigo Walid, o único marroquino que soube compreender a minha mensagem e apoiar a minha luta", cita a delação. O jovem marroquino liga o processo judicial às suas anteriores denúncias de corrupção, entre outras, contra o presidente da câmara de uma cidade do norte de Marrocos. "Chegou ao meu conhecimento que todos os processos contra ele tinham sido retirados e publiquei recentemente um artigo denunciando esta situação. Em resposta, recebi agora uma intimação num processo por alegado apoio ao terrorismo e alta traição", sublinha.
Mais concretamente, Walid é acusado de difundir propaganda que "põe em causa a unidade, a soberania ou a independência do Reino de Marrocos ou a lealdade dos cidadãos para com o Estado marroquino e as suas instituições". "Sei que não poderei regressar a Marrocos. Fazer isso seria pôr a minha vida em risco", responde o homem que admite ter-se aproximado da causa do Sahara Ocidental, a antiga colónia espanhola ocupada desde 1976 pelo seu país e o último território africano ainda por descolonizar, depois de ter chegado a Espanha.
"Tinha sido activista em Marrocos, divulgando nas redes sociais os escândalos de corrupção que envolviam políticos marroquinos, e tinha apoiado a causa palestiniana, mas foi em Espanha que tomei conhecimento da causa saharaui e apoiei publicamente o seu direito à autodeterminação", explica o jovem. Walid entrou em Espanha durante a crise migratória que levou ao acolhimento humanitário do líder da Frente POLISARIO, Brahim Ghali, em Abril de 2021. Semanas depois, em apenas 24 horas, mais de 10.000 pessoas nadaram até Ceuta, numa utilização da migração pelo regime alauita que foi condenada pelo Parlamento Europeu na altura. (...).

Protagonista da entrada maciça em Ceuta

"Tenho de agradecer a Ghali por ter vindo para Espanha", brinca Walid. "Foi assim que Marrocos abriu as suas fronteiras e eu aproveitei a avalanche para sair. Eu sabia que, devido ao meu envolvimento político, ia ter problemas se não saísse de Marrocos", acrescenta. "O episódio de Maio foi completamente permitido pelas autoridades. Lembro-me que até as forças de segurança estavam a ajudar mulheres, crianças e adultos a atravessar a fronteira. Disseram-nos: "Vão, vão, vão. Que Deus esteja convosco". Estavam a convidar-nos a partir. Algumas mulheres caíram e foram ajudadas pelos agentes a continuar o caminho", recorda. Walid nadou apenas cerca de 20 metros para chegar à costa da cidade autónoma.
Walid, que trabalha como cozinheiro, denuncia que a sua família tem sofrido ameaças e agressões físicas em Marrocos por causa das publicações críticas ao regime que edita a partir de Espanha. "Depois da divulgação das imagens da apresentação do livro, comecei a receber ameaças de morte através de contas anónimas que me acusavam de traidor", conta Walid, que, quase três anos depois, continua a aguardar a resolução do seu processo de regularização em Espanha. Também documentou os problemas que teve durante as suas visitas ao consulado marroquino em Barcelona.

Risco de expulsão

"A ideia de ser deportado para Marrocos é um pesadelo constante. Ninguém pode imaginar o que estou a sentir", diz Walid. "Pelo menos em Barcelona sinto-me mais seguro do que em Ceuta, onde sempre tive a impressão de estar rodeado de pessoas que poderiam trabalhar para o Makhzen" (o círculo de Mohammed VI que governa de facto o país), confessa.
No meio do seu calvário judicial, Walid diz compreender o silêncio da comunidade marroquina em Espanha, cerca de um milhão de pessoas, sobre as questões políticas do seu país de origem. "É evidente. Marrocos forjou uma mentalidade entre o seu povo segundo a qual o Sahara é uma linha vermelha sagrada. Ninguém se atreve a falar ou a pôr em causa. É um verdadeiro trauma para um marroquino abordar questões como esta", defende.
"A minha opinião é que não haverá estabilidade na região enquanto os saharauis não puderem exercer o seu direito à autodeterminação e não forem livres", afirma, céptico quanto ao futuro do seu país. "Infelizmente, Marrocos continuará a assistir ao enriquecimento de um círculo muito restrito de pessoas e ao empobrecimento geral do resto da população", conclui.»