terça-feira, 5 de março de 2024

UM CAMINHO A PERCORRER, ESTÍMULOS NÃO FALTAM …

(Boletim nº 130 - Março 2024)

Quando a 27 de Fevereiro se celebraram 48 anos da proclamação da República Árabe Saharaui Democrática (RASD), ressurgiu a questão “e o que pode Portugal fazer para acelerar o processo de descolonização da última colónia de África?”. Estamos a caminho, mas o tempo urge.

AR: um avanço relativamente ao passado
 (foto noticiasyprotagonistas.com)

Propósitos eleitorais

Os Programas Eleitorais de quatro partidos políticos que concorrem ao escrutínio de 10 de Março próximo incluem uma referência explícita ao direito à autodeterminação do povo saharaui. Representa um avanço relativamente ao passado: em 2019, apenas o Bloco de Esquerda (BE) assumia esta posição, à qual se juntou em 2022 o Livre.
Agora, o Partido Comunista Português (PCP) aponta como uma das suas prioridades no campo de «uma política externa em prol da paz, da amizade e da cooperação no mundo (...) o desenvolvimento de iniciativas e de uma acção efectiva de solidariedade com os povos em luta em defesa da sua soberania e direitos, nomeadamente com vista ao fim do bloqueio dos EUA contra Cuba, ao cumprimento dos direitos nacionais do povo palestiniano, com a criação do Estado da Palestina, ou do direito de autodeterminação do povo sarauí, como determinam as resoluções da ONU».
Também o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), no âmbito de «uma política externa promotora da paz, dos direitos humanos e dos valores democráticos e empenhada na acção climática», propõe «Manter na agenda da ação externa portuguesa a defesa do direito à autodeterminação do povo do Sahara Ocidental e contribuir ativamente para que as negociações sob os auspícios da ONU reconheçam como imprescindível a realização de um referendo para que seja o povo saharaui a decidir sobre o seu próprio futuro e consigam construir uma solução credível e duradoura que acabe com a guerra em curso e favoreça a estabilidade da região.»
O Livre voltou a adoptar em 2024 a mesma fórmula de 2022, no quadro do capítulo sobre «Portugal na Europa e no mundo»: «Defender a auto-determinação do povo palestiniano e sarauí, instando o Estado Português na luta contra a ocupação da Autoridade Palestiniana e na defesa de um processo credível para um referendo no Saara Ocidental.»
O que ocorreu igualmente com o BE, já que em 2019, 2022 e 2024, entre as medidas relativas à promoção de «uma política externa pela paz e pelos direitos humanos», insere a «Defesa nos fóruns internacionais relevantes da organização do referendo de autodeterminação do Sahara Ocidental sob a égide das Nações Unidas».
O Partido Socialista (PS) não faz qualquer referência à questão do Sahara Ocidental no seu Programa Eleitoral, apesar de em 20 de Maio do ano passado ter publicado um comunicado conjunto com a Juventude Socialista (JS), «reafirmando o seu compromisso com uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável que permita a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental, no quadro das negociações lideradas pela ONU, das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e dos princípios da Carta das Nações Unidas.» Depois de reconhecerem o empenho do Secretário-geral da ONU António Guterres, e de apelarem «a que todas as autoridades colaborem com as instâncias internacionais na observância dos direitos humanos e da paz», «recordam que durante o mandato dos governos socialistas Portugal tem mantido um diálogo aberto, equidistante e equilibrado sobre a questão do Sahara Ocidental com todas as partes, incluindo com o Reino de Marrocos, com representantes da Frente POLISARIO, bem como de outros Estados da região, reconhecendo o papel histórico e atual da União Africana na promoção de uma política para este conflito.» Terminam dizendo que «para os socialistas é importante que as partes se comprometam em apresentar soluções realistas, sérias e credíveis tendo em vista a realização de um referendo para a autodeterminação do povo saharaui e do território do Sahara Ocidental.»
Pelo lado da JS, a questão mantém-se no respectivo Manifesto Eleitoral de 2024, no âmbito da área «Relações Internacionais: Pacificar, Cooperar, Desenvolver»: «Apoiar os trabalhos da ONU para atenuar o conflito no Saara Ocidental e para retomar um caminho para o referendo à autodeterminação do povo saarauí.»

O papel de Portugal

O objectivo é que o próximo governo seja coerente e apoie os direitos do povo saharaui, a começar pela realização do referendo através do qual se definirá o seu futuro com justiça e transparência.
É esse o posicionamento que Portugal tem adoptado quando se trata da invasão russa da Ucrânia e, mais timidamente, da colonização israelita da Palestina. Contra a aquisição de território pela força, contra a violação dos direitos humanos, contra a transferência de colonos para territórios que não lhes pertencem, contra a usurpação dos recursos naturais de quem defende o seu direito à autodeterminação. Pelo Direito Internacional, pela paz.
Foi o que Portugal fez enquanto Potência Administrante de Timor-Leste, ocupado pela Indonésia, até à organização do referendo que viria a consagrar a independência da antiga colónia portuguesa.
E não poderia ser de outra maneira. A lição do 25 de Abril, ao fim de séculos de exploração colonial, de 48 anos de ditadura e de 13 anos de guerra em três frentes africanas, ficou clara no Artigo 7º da Constituição da República Portuguesa: «3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.»
A recente visita do Secretário-geral da Frente POLISARIO e Presidente da República Árabe Saharaui Democrática (RASD), Brahim Ghali, à Irlanda, durante a qual foi oficialmente recebido pelo seu homólogo em Dublin (ver outro artigo neste boletim), é inspiradora. A Irlanda foi um dos aliados europeus mais importantes de Portugal na questão de Timor-Leste, juntar convicções e forças é um princípio básico da diplomacia.
Em breve será conhecido o sentido da sentença final do Tribunal de Justiça da União Europeia relativa aos acordos comerciais entre a UE e Marrocos. Se, como se espera, seguir os três veredictos anteriores (2016, 2018, 2021), não haverá como escapar ao reconhecimento de que Marrocos e o Sahara Ocidental são dois territórios «distintos e separados».
Falta encontrar a solução negocial que promova a criação de dois Estados vizinhos, colaborativos e dinâmicos no relançamento de uma região com cada vez maior bem-estar para as suas populações e com voz no panorama mundial.
«Sempre achei que Portugal, pelas suas características próprias, mas também pela qualidade da sua diplomacia, poderia apostar mais num papel activo na área da mediação de conflitos e de negociações no âmbito de processos de paz, reforçando assim a sua projecção internacional como contribuinte líquido para a paz.» (Jorge Sampaio, no Posfácio de «O Negociador: revelações diplomáticas sobre Timor-Leste (1997-1999)», de Bárbara Reis e Fernando d’Oliveira Neves).


 

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