terça-feira, 5 de março de 2024

PARCERIA ESPANHA-MARROCOS APROFUNDA-SE

(Boletim nº 130, Março de 2024)

Pedro Sánchez, Primeiro Ministro de Espanha, visitou Marrocos no passado dia 21 de Fevereiro e de acordo com o Palácio Real marroquino, foi ainda mais longe no seu apoio a Marrocos do que na sua declaração de Março de 2022, em que apoiou o seu plano de autonomia para o Sahara Ocidental.

«Cooperação exemplar» (Foto: @desdelamoncloa)

O comunicado da monarquia marroquina, emitido após a reunião, explicita que Sánchez reiterou o apoio à «iniciativa de autonomia marroquina como a base mais séria, realista e credível para resolver» o diferendo sobre o Sahara Ocidental e reafirmou o seu empenhamento «na solução proposta, numa base realista, pelo governo marroquino». Mohammed VI «agradeceu a Espanha esta nova posição construtiva e importante».
Para a Frente POLISARIO, «Sánchez perdeu a oportunidade de fazer regressar o governo espanhol a uma posição oficial alinhada com o que está estabelecido pela legalidade internacional em relação ao Sahara Ocidental e ao direito legítimo do povo saharaui à autodeterminação e independência».

A Espanha como arma de Marrocos

Para Marrocos, a França configura o último obstáculo na obtenção do reconhecimento internacional do controlo total do Sahara Ocidental.
Na sequência das últimas mudanças no governo francês, com a nomeação a 12 de Janeiro último de Stéphane Séjourné para novo ministro dos Negócios Estrangeiros, Rabat quer aproveitar para desbloquear as reticências de Emmanuel Macron, sendo que Séjourné já manifestou a sua intenção de abrir «um novo capítulo» nas relações com Marrocos. Segundo o ministro francês, «o Presidente da República pediu-me pessoalmente para me envolver nas relações franco-marroquinas e também para escrever um novo capítulo nas nossas relações». Tendo em conta a posição marroquina, esta nova relação só será possível se o Eliseu der um passo em frente no reconhecimento do estatuto marroquino do Sahara Ocidental. Séjourné explicou que fará «todo o possível para aproximar a França e Marrocos». Estas declarações incentivaram Rabat a activar rapidamente os mecanismos para confirmar a visita que Pedro Sánchez reclamava há meses, aproveitando a declaração pública do Primeiro Ministro espanhol para pressionar Macron.

Os pedidos de Sánchez a Marrocos

O comunicado da Moncloa após a visita referiu, exultante, «que as relações bilaterais com este país vizinho, amigo e parceiro estratégico estão a atravessar o melhor momento das últimas décadas» e Pedro Sánchez acrescentou que não tem «absolutamente nada a censurar» ao regime marroquino.
Admite-se sem pudor que este cerrar de fileiras com a política de Mohammed VI é feito em troca do controlo das fronteiras e do incremento das trocas comerciais entre os dois Estados.
No domínio da imigração, Sánchez declarou que «Espanha e Marrocos estabeleceram uma cooperação exemplar e os governos continuam a trabalhar com programas pioneiros a nível europeu». Uma cooperação "exemplar" que levou ao que é conhecido como a "Tragédia da cerca de Melilla", na qual várias dezenas de migrantes perderam a vida.
Porém, a viagem de Pedro Sánchez a Marrocos não teve o efeito propalado pela Moncloa. O jornal El Independiente confirma que os assuntos de interesse para Espanha, apesar da pressão desta, não foram mencionados no comunicado real, nomeadamente a reabertura das alfândegas nos enclaves de Ceuta e Melilla e a luta contra a imigração clandestina, num contexto em que as chegadas de migrantes a Espanha aumentaram em 2023, tal como o tráfico de droga.
Sem obter nada de Marrocos, o Governo espanhol arrisca fazer regressar as relações com a Argélia à estaca zero. Em Março de 2022, Argel reagiu à reviravolta histórica de Pedro Sánchez chamando de volta o seu embaixador em Madrid, suspendendo o tratado de amizade e boa vizinhança assinado com Espanha em 2002 e congelando as trocas comerciais entre os dois países, com excepção do fornecimento de hidrocarbonetos.

45 mil milhões de euros

Durante a conferência de imprensa que se seguiu ao encontro com o rei, Sánchez deu a entender que estão previstos investimentos em Marrocos de mais de 45 mil milhões de euros até 2050. «Marrocos está a fazer um esforço enorme para modernizar o país e a economia, no qual a Espanha participa muito activamente», sublinhou, sem fornecer mais pormenores. O Governo teve de esclarecer que o investimento de 45 mil milhões de euros em Marrocos, mencionado por Sánchez, se reporta a investimentos marroquinos envolvendo contratos em que são elegíveis empresas espanholas, não sendo um investimento directo de Espanha.
Um dos marcos que vai impulsionar o investimento vai ser a realização do Campeonato do Mundo de Futebol de 2030 que a Espanha acolherá juntamente com Portugal e Marrocos. Marrocos planeia investir 14,5 mil milhões de dirhams (cerca de 1,3 mil milhões de euros) na construção de um grande estádio perto de Casablanca e na renovação de outros seis, estando fortemente empenhado em acolher a final do Campeonato do Mundo em Casablanca. A federação marroquina nunca escondeu a sua ambição, em detrimento do Bernabeu ou do Camp Nou, os estádios mais adequados para um evento desta envergadura.
Rabat pretende investir 161,4 mil milhões de euros no seu sistema ferroviário, um concurso a que se candidatou a empresa espanhola Talgo. Para Sánchez, as infraestruturas projectadas por Marrocos representam uma «oportunidade para as empresas espanholas» e incentivou o país a apresentá-las numa próxima cimeira hispano-marroquina, a realizar em Espanha, ainda sem data marcada, para que «possam participar neste projecto apaixonante».
Sánchez orgulha-se da fase actual entre os dois países ser a melhor «em décadas», com trocas comerciais superiores a 20 mil milhões de euros em 2022 e uma evolução positiva de Espanha como «investidor de referência em Marrocos». No comunicado da Moncloa, Sánchez garante «ter discutido com o chefe do governo marroquino o estado dos diferentes projectos que estão em curso no domínio da educação e da cooperação cultural, que foram promovidos durante o ano passado».
O jornal El Independiente refere que, pela primeira vez, um documento do Ministério da Cultura publicado no Boletim Oficial de Espanha reconhece El Aaiún, a capital do Sahara Ocidental ocupado, como cidade marroquina, tendo os repetidos pedidos de informação enviados ao gabinete de imprensa do Ministério da Cultura, para esclarecimento desta situação, ficado sem resposta.
O concurso para a renovação da escola espanhola de El Aaiún, acompanhado de uma série de documentos que reconhecem a cidade como território marroquino, provocou uma contraditória troca de versões entre os ministérios da Educação e da Cultura, agora respectivamente nas mãos do PSOE e do Sumar, como reacção à consulta efectuada pelo mesmo jornal. Na sequência da publicação desta notícia a Frente POLISARIO instou Ernest Urtasun, Ministro da Cultura, a respeitar o direito internacional. Urtasun é também porta-voz do Sumar e colaborador próximo da segunda vice-presidente Yolanda Díaz. Até à data, os dirigentes desta frente política apoiaram o direito do povo saharauí à autodeterminação. Sumar incluiu esta exigência no seu programa eleitoral em Julho passado, embora tenha sacrificado qualquer menção à questão saharaui no pacto selado para o governo de coligação com um PSOE alinhado com as teses marroquinas.

”Apoio” a projectos no território ocupado

Nesta viagem Sánchez manifestou interesse em participar em projectos que envolvam o território ocupado do Sahara Ocidental. Segundo um comunicado da Casa Real marroquina, «o Presidente do Governo espanhol saudou e sublinhou o interesse de Espanha nas iniciativas estratégicas lançadas por Sua Majestade o Rei, que Deus o guarde, nomeadamente a iniciativa dos países africanos ribeirinhos do Atlântico, a iniciativa real para favorecer o acesso dos países do Sahel ao Oceano Atlântico, bem como o gasoduto afro-atlântico Nigéria-Marrocos». As três iniciativas passam pela antiga colónia espanhola, no qual Madrid tem uma responsabilidade histórica enquanto potência administrante. É a primeira vez que o Governo espanhol se pronuncia oficialmente sobre estes projectos, que têm a particularidade de obrigar os países africanos a reconhecerem a «soberania» de Marrocos sobre o território.


 


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