sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

MARROCOS: A APROVEITAR AS INSTABILIDADES

(Boletim nº 129 - Fevereiro 2024)

As tensões entre os países do Sahel têm vindo a agudizar-se, particularmente entre Marrocos, a Argélia e a Mauritânia, a que a guerra que a Frente POLISARIO trava pela libertação do povo saharaui não é alheia.

O Sahel sob tensão
Na sua ofensiva permanente de angariação de cumplicidades e apoios para o processo de colonização do Sahara Ocidental, Marrocos convidou um conjunto de Estados africanos «para participar numa reunião de coordenação» que teve lugar em Marraquexe em 23 de Dezembro passado. «O objectivo declarado é melhorar as condições de vida nos países do Sahel, (...). No entanto, muitos observadores consideram que se trata de uma tentativa de Marrocos de reforçar a sua influência na região e de perturbar as relações entre a Argélia e os países africanos. (…).
«A Mauritânia, país vizinho de Marrocos, recusou o convite para participar nesta iniciativa, o que é interpretado como um sinal de desconfiança em relação a um regime que Nouakchott considera traiçoeiro e movido por uma visão colonial. (…).
«A presença do Mali, do Níger e do Burkina Faso nesta iniciativa não reflecte necessariamente o seu apoio sincero. Estes países, sob pressão regional e internacional devido ao facto dos seus dirigentes terem chegado ao poder em condições controversas, procuram no estrangeiro oportunidades de aceitação e integração. (...), a recusa de participação da Mauritânia na iniciativa de Marrocos reflecte as tensões crescentes entre os países vizinhos do Magrebe.»

Cólera maliana

As relações do Mali com a Argélia e com a Mauritânia não têm sido fáceis nestes últimos tempos. Desde 1963 que o Mali é confrontado com reivindicações territoriais por parte da população tuaregue. Através da mediação da Argélia chegou, em 2015, a um acordo com as forças rebeldes. Mas a Junta que assumiu o poder em Bamako rompeu em Agosto último esse acordo, apostando na opção militar para resolver o conflito.
Segundo Lehbib Abdelhay, «Depois de a Argélia ter recebido no seu território os membros do CSP-PSD que assinaram o actual acordo de paz, as autoridades de Bamako decidiram convocar o embaixador argelino para protestar contra esta atitude, que qualificaram de "subversiva e hostil". Segundo fontes da segurança de Bamako, foi sem dúvida a passadeira vermelha estendida em Argel ao imã maliano Mahmoud Dicko que mais irritou as autoridades de transição do Mali. Este clérigo, crítico das autoridades golpistas de Bamako, é descrito como não apoiante da transição, senão mesmo como inimigo. Estes dois actos provocaram uma grande cólera entre as autoridades de Bamako, que se apressaram a transmiti-la em palavras pouco diplomáticas às autoridades argelinas.»
Como interroga o TSA-Tout sur l’Algérie, «Estará Marrocos a aproveitar a instabilidade na região do Sahel para aí defender os seus interesses? O activismo do Reino nos países mais instáveis da região, o Mali, o Níger e o Burkina Faso, sugere isso mesmo. (…).
«Marrocos acaba de propor uma aliança económica e geopolítica aos quatro países da região. (…). Este projecto foi apresentado por Mohamed VI num discurso proferido no início de Novembro. O Rei anunciou um projecto de "valorização" da costa atlântica, que descreveu como "a porta de Marrocos para África", insistindo na necessidade de "estruturar este espaço geopolítico à escala africana". (…).
«Foram-lhes feitas inúmeras promessas, nomeadamente o acesso ao Atlântico e a abertura do comércio internacional a estes países através da utilização das infra-estruturas de transporte do Reino.
«No comunicado final do Ministério dos Negócios Estrangeiros marroquino, os participantes "agradeceram" ao Rei "por ter colocado as suas infra-estruturas rodoviárias, portuárias e ferroviárias à disposição dos Estados do Sahel, com vista a reforçar a sua participação no comércio internacional". (…).
«Na realidade, Marrocos procura retirar dividendos políticos e diplomáticos do seu projecto, persuadindo o Mali e o Níger a reconhecerem implicitamente a ocupação do Sahara Ocidental.»
Notícias recentes dão conta de que o Mali, o Níger e o Burkina Faso abandonaram a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). «Os dirigentes políticos e militares dos três países, saídos de golpes de Estado, justificam a sua decisão com o facto de a CEDEAO "sob influência estrangeira, traindo os seus princípios fundadores, se ter tornado uma ameaça para os seus Estados membros e populações" e "se ter afastado dos ideais dos seus pais fundadores".»

Cólera mauritana

MINURSO: estragos de drone marroquino

Segundo fontes saharauis, «entre 2021 e 2023», em resultado do clima de guerra que se vive na região, «registaram-se mais de 80 vítimas saharauís, 66 vítimas mauritanas e 3 vítimas argelinas». Reacção mauritana: «Nouakchott apanhou de surpresa os grossistas marroquinos e os seus clientes mauritanos com a sua decisão de aumentar os direitos aduaneiros em 171% sem aviso prévio no posto fronteiriço de El Guerguerat. (…).
«Mesmo que as autoridades mauritanas não tenham justificado a sua decisão, é lícito interrogarmo-nos se não se trata de uma resposta de Nouakchott ao ataque implacável de Rabat aos seus nacionais no Sahara Ocidental. Os garimpeiros e pastores mauritanos foram mortos por drones marroquinos dentro das fronteiras da antiga colónia espanhola, cujo estatuto depende de um processo político conduzido pelas Nações Unidas.»
De acordo com o jornalista Ryad Hamadi do TSA, «Motoristas e comerciantes explicaram que os direitos aduaneiros tinham sido aumentados subitamente e sem aviso prévio de 1.600 euros para 4.600 euros para um veículo pesado de mercadorias. (...).
«De acordo com as estatísticas marroquinas, 45.000 camiões atravessaram a passagem de El Guerguerat em 2022. (…).
«Em 31 de Dezembro, vários órgãos de comunicação social, entre os quais a agência noticiosa espanhola EFE, noticiaram que três cidadãos mauritanos tinham sido mortos por um ataque de um drone do exército marroquino. As três vítimas seriam garimpeiros, segundo a mesma fonte. Não é a primeira vez que civis mauritanos ou argelinos são alvo de ataques do exército marroquino na fronteira entre o Sahara Ocidental e a Mauritânia. (…).
«É lícito interrogarmo-nos sobre a existência de uma relação entre estes assassínios de civis mauritanos e a decisão das autoridades de Nouakchott.»
A reacção da Mauritânia não se limitou, porém, ao aumento das tarifas alfandegárias. Envolveu-se, também, num projecto alternativo com a Argélia. «O projecto emblemático entre os dois países é a estrada que ligará Tindouf à Mauritânia para reforçar o comércio bilateral», relata o jornal El Independiente.
«A Mauritânia é considerada a primeira porta de entrada da Argélia na região da África Ocidental, daí o projecto de uma estrada que ligue a cidade argelina de Tindouf à cidade mauritana de Zouerate, que deverá facilitar a exportação de mercadorias argelinas para este país, bem como para toda a região africana.» E acrescenta: «O início destas relações entre os dois países vizinhos coincide com mais um passo no afastamento entre Marrocos e a Argélia, depois desta última ter proibido, há uma semana [10 de Janeiro], os bancos argelinos de se envolverem em operações de transporte de mercadorias que transitem por portos marroquinos.»
O jornalista Rafik Tadjer explicitou este passo:
«A imprensa marroquina tomou conhecimento de uma nota da Associação dos Bancos e Estabelecimentos Financeiros (ABEF), difundida nas redes sociais argelinas, que dá instruções aos bancos comerciais para recusarem as operações de domiciliação dos contratos de transporte que impliquem transbordo ou trânsito pelos portos marroquinos.
«Foi igualmente solicitado aos operadores económicos que se assegurassem de que "os transbordos/trânsitos não se efectuam através dos portos marroquinos, antes de procederem à sua domiciliação". (…).
«Esta decisão poderá beneficiar os portos espanhóis e enfraquecer a posição dos portos marroquinos na região. A Argélia é um dos principais importadores do Magrebe.
«Em 2023, as importações da Argélia deverão ser superiores a 41 mil milhões de dólares. E, de acordo com as previsões orçamentais para 2024, deverão atingir 43,5 mil milhões de dólares este ano (…).
«Na sequência da ruptura das relações diplomáticas entre os dois países em Agosto de 2021, a Argélia decidiu não renovar o contrato de exploração do gasoduto Magrebe-Europa, que expirou em 31 de Outubro de 2021. O gasoduto transportava o gás argelino para a Península Ibérica através de Marrocos. A Argélia exigiu também que a Espanha não revenda a Marrocos o gás que lhe fornece.»

«Por uma campanha da sociedade civil»

Numa entrevista concedida ao Algerie Patriotique, Stephen Zunes – «professor de Política e Estudos Internacionais na Universidade de São Francisco, onde foi director fundador do Programa de Estudos do Médio Oriente» –, confrontado com a pergunta «Porque é que Marrocos é tão implacável contra a Argélia?», respondeu: «A única forma de Marrocos justificar a sua conquista do Sahara Ocidental é negar qualquer poder aos próprios saharauis, apresentando a POLISARIO e outros apoiantes da autodeterminação como se fossem uma simples criação da Argélia. Esta abordagem é semelhante à forma como os Estados Unidos, durante a Guerra Fria, tentaram retratar os movimentos nacionalistas de esquerda nos países do Sul como criações da União Soviética. Ao apresentar o conflito em termos geopolíticos como uma rivalidade entre dois Estados-nação, é mais fácil ignorar os próprios saharauis e as suas aspirações. A Argélia não fala em nome do povo do Sahara Ocidental. A POLISARIO, que este elegeu como seu representante, é reconhecida pela maioria da comunidade internacional como o seu único representante legítimo.»
Mais à frente, o jornalista perguntou-lhe «porque é que os meios de comunicação social e os políticos fecham os olhos à situação catastrófica dos direitos humanos no Sahara Ocidental?»
Ao que Zunes respondeu: «Há muito tempo que os meios de comunicação ocidentais tendem, apesar da sua liberdade de expressão, a seguir a orientação dos seus governos. As violações dos direitos humanos cometidas por governos adversários, por exemplo, receberão muito mais atenção do que as violações dos direitos humanos cometidas por governos aliados. Consequentemente, muito poucas pessoas nos países ocidentais conhecem o Sahara Ocidental. Se o soubessem, haveria pressão para deixar de apoiar a ocupação. Mesmo nos Estados árabes e noutros países do Sul, a narrativa marroquina parece dominar. Mas isso pode mudar. Timor-Leste foi largamente esquecido até que campanhas globais da sociedade civil chamaram a atenção do mundo.»


 


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