domingo, 4 de fevereiro de 2024

PEDIMOS À RAPOSA PARA TOMAR CONTA DO GALINHEIRO

(Boletim nº 129 - Fevereiro)

Marrocos é o único país africano que não ratificou a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e foi eleito, enquanto representante do continente, para presidir ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Os jogos de poder que minam a credibilidade das instituições internacionais são perigosos e demasiados governos estão a contribuir para isso.

A defender os "direitos" humanos
O sistema requer que, anualmente, os 47 membros do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU votem num país para presidir ao Conselho. A votação recai, rotativamente, num país membro em representação de um dos cinco grupos regionais que continuam a vigorar no quadro das Nações Unidas: África (13 lugares), Ásia-Pacífico (13 lugares), América Latina e Caraíbas (8 lugares), Europa Ocidental e outros Estados (7 lugares), Europa de Leste (6 lugares). Cada um dos países cumpre mandatos de três anos, e não pode recandidatar-se depois de ter feito dois mandatos consecutivos. Portugal não é actualmente membro do CDH.
Ao contrário do que é costume, os 13 Estados que em 2023 faziam parte do grupo africano não conseguiram chegar a um consenso sobre qual deles se deveria apresentar à eleição para Presidente do CDH, no início de 2024. Acabaram por ir a votos Marrocos e a África do Sul, no passado dia 10 de Janeiro.
É importante lembrar que o Conselho de Direitos Humanos foi criado pela Assembleia Geral da ONU em 2006 (Resolução 60/251) para substituir a Comissão de Direitos Humanos (estabelecida no pós II Guerra Mundial, em 1946), desacreditada por demasiados interesses geoestratégicos e políticos se terem passado a sobrepor à defesa e promoção dos Direitos Humanos. Isso mesmo está diplomaticamente entre-dito na Resolução 60/251: «Reconhecendo o trabalho realizado pela Comissão de Direitos Humanos e a necessidade de preservar as suas conquistas e continuar a avançar com base nelas, e de remediar as suas deficiências». Estamos a ir pelo mesmo caminho?

O alarme da sociedade civil saharaui

Mais de 30 organizações da sociedade civil saharaui iniciaram em Dezembro de 2023 uma campanha de alerta e contestação, destinada a prevenir a eleição de Marrocos, apresentando como principais argumentos a ocupação e colonização ilegais do território não-autónomo do Sahara Ocidental, a falta de colaboração do governo de Rabat com os mecanismos da ONU e a perseguição a defensores dos Direitos Humanos, jornalistas e colaboradores das Nações Unidas.
A 22 de Dezembro, a partir de El Aiun, capital do Sahara Ocidental ocupado, a Fundação Nushatta para os Media e os Direitos Humanos, ao anunciar a sua adesão à campanha, explicitou estes quatro pontos:
«1. Condenamos as contínuas tentativas do regime de ocupação marroquino de utilizar os mecanismos internacionais de Direitos Humanos vinculados às Nações Unidas para melhorar a sua imagem.
2. Reiteramos a nossa categórica recusa e a nossa denúncia inequívoca relativamente à nomeação do reino marroquino para ocupar a presidência do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
3. Lançamos um apelo aos grupos internacionais preocupados e defensores dos Direitos Humanos para que se oponham à nomeação do regime de ocupação marroquino para a presidência do Conselho de Direitos Humanos.
4. Sublinhamos a necessidade de que a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO) veja ampliadas as suas responsabilidades para incluir a monitorização e a apresentação de relatórios sobre os Direitos Humanos.»
Dois dias antes da votação, o Representante da Frente POLISARIO na Suíça e junto da ONU e das Organizações Internacionais em Genebra, Oubi Boucharaya, emitiu um comunicado, no qual relembrava que «Marrocos é um país africano que viola sistematicamente a Carta fundadora da União Africana, em particular o Artigo 4, relativo à obrigação de respeitar as fronteiras herdadas ao tempo das independências.» O documento acrescenta que Marrocos é um dos Estados que menos tem cooperado com o Conselho dos Direitos Humanos, exemplificando: tem impedido repetidamente missões técnicas do CDH de visitar o Sahara Ocidental desde 2015; cometeu neste território terríveis crimes, como o atestam, entre outros, testemunhos e relatórios dos Comités da ONU contra a Tortura e contra a Discriminação Racial, assim como do Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias e da Relatora especial sobre os defensores dos Direitos Humanos. O comunicado recorda ainda que o regime marroquino continua a impedir o Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) de exercer a sua missão no Sahara Ocidental e que, para esconder a realidade no território ocupado, já expulsou mais de 400 observadores externos que tentaram visitá-lo nos últimos anos.
«Marrocos comete todo o tipo de violações dos Direitos Humanos contra o seu próprio povo, reprimindo e prendendo manifestantes pacíficos e numerosos jornalistas. Marrocos é directamente responsável pela repressão de migrantes africanos, contra os quais tem cometido terríveis massacres, o mais recente dos quais em Melilla, em Junho de 2022.»
Finalmente, o Representante da Frente POLISARIO não esquece que Marrocos é um país cujos escândalos de corrupção enchem páginas dos jornais e estão sob investigação em vários tribunais, em particular na Bélgica, por causa do caso ocorrido no Parlamento Europeu conhecido como Marrocosgate. «O mesmo se aplica ao envolvimento de Rabat na espionagem ilegal pelo mundo fora, através da utilização da aplicação Pegasus

As exigências da sociedade civil marroquina

No dia 10 de Janeiro Marrocos foi eleito para a presidência do Conselho de Direitos Humanos para o ciclo de sessões de 2024, por 30 votos contra 17 obtidos pela África do Sul. Vários observadores chamaram a atenção para a possibilidade de a queixa que a África do Sul apresentou junto do Tribunal Internacional de Haia sobre os indícios de genocídio por parte de Israel ter determinado um desvio significativo de votos.
No seguimento da eleição, numa Carta Aberta dirigida ao Primeiro Ministro marroquino, a Coligação Marroquina de Instituições de Direitos Humanos, formada por 20 importantes organizações da sociedade civil, que subscrevem a Carta, afirma que esta situação coloca Marrocos perante novas responsabilidades, «especialmente à luz do pobre estado dos Direitos Humanos no nosso país, o que exige uma verdadeira vontade do governo em mudar a situação». Para que a comunidade internacional possa confiar no Estado marroquino, este tem de «mostrar ao mundo que não tolera violações dos Direitos Humanos sob nenhuma forma», dizem.
Neste contexto, apresentam seis reivindicações principais:
«1. Acabar com a prática de prisões motivadas por questões políticas ou de direitos humanos, ou devido à manifestação de opiniões e à livre expressão, libertar mediatamente todos os presos políticos, presos de consciência, jornalistas, defensores dos direitos humanos, bloggers, activistas nas redes sociais, activistas e líderes sociais (...).
2. Acabar com práticas ilegais contra as organizações, assegurar o direito à criação de associações, e impedir a disrupção das suas actividades, conferências, assim como com a recusa de autorizações [para actividades] quando apresentadas às autoridades locais.
3. Aplicar plenamente as disposições constitucionais, como o direito à vida, à segurança física e pessoal, incluindo a abolição da pena de morte, e assegurar a protecção contra todas as formas de tortura, proteger as mulheres da violência, da discriminação e da exploração, e acabar com políticas de privilégio e de impunidade.
4. Implementar o plano nacional contra a corrupção e o suborno, tornar a denúncia destas práticas uma obrigação para todos os cidadãos, acabar com as ameaças contra aqueles que o fazem, combater os conflitos de interesses e a promiscuidade do poder com actividades financeiras, económicas e comerciais, combater o contrabando [que utiliza] fundos públicos e opor-se ao enriquecimento ilícito.
5. Garantir o direito ao trabalho, à saúde e a um ambiente saudável, à igualdade de género e territorial, e à justa distribuição da riqueza nacional.
6. Declarar a rejeição absoluta e a condenação oficial do genocídio e da limpeza étnica que estão a ser cometidos pela entidade sionista contra o povo da Palestina (…) e anunciar o corte de todas as formas de normalização de Marrocos com o regime de apartheid incorporado na entidade sionista que ocupa o território da Palestina.»
Dirigindo-se por fim ao Primeiro Ministro: «Exortamo-lo a tornar pública uma agenda política e de Direitos Humanos alinhada com os compromissos internacionais de Marrocos na área dos Direitos Humanos, que Marrocos deve adoptar enquanto assume a presidência do Conselho durante este ano, como um novo ponto de partida, sem possibilidade de recuo.»

Os Direitos Humanos subordinados a outros interesses

O primeiro parágrafo na Resolução 60/251, que cria o Conselho de Direitos Humanos diz: «A Assembleia Geral, reafirmando os objectivos e os princípios da Carta das Nações Unidas, em particular os de promover entre as nações relações de amizade baseadas no respeito pelo princípio da igualdade de direitos e pelo da autodeterminação dos povos, e de alcançar a cooperação internacional na solução de problemas internacionais de carácter económico, social, cultural, ou humanitário, e o desenvolvimento e promoção do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais para todos.»
Stephen Zunes, professor de Política e Estudos Internacionais na Universidade de S. Francisco, nos EUA, respondeu assim, referindo-se ao Sahara Ocidental, numa entrevista recente, à pergunta «Afirmou que já visitou 87 países e que nunca viu um regime policial tão duro como o de Marrocos. Pode explicar este facto?»: «O rácio entre as forças de ocupação, incluindo a polícia secreta, e a população autóctone é um dos mais elevados do mundo. A Freedom House, um organismo de controlo dos Direitos Humanos sediado nos Estados Unidos, estima que o Sahara Ocidental ocupado é o segundo pior país do mundo em termos de liberdade política, a seguir à Síria. Qualquer expressão de desacordo com o regime marroquino, mesmo o simples acto de agitar uma bandeira do Sahara Ocidental, resulta em ataques violentos e prisões imediatas.»
«Se vier a acontecer, a eleição de Marrocos para a presidência do Conselho dos Direitos Humanos será mais uma prova da profunda disfunção estrutural das instituições internacionais e um insulto a África. Marrocos é o país menos capaz de repor os valores africanos no actual ciclo da presidência do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas.» (Comunicado acima citado do Representante da Frente POLISARIO na Suíça e junto da ONU e das Organizações Internacionais em Genebra).

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

MARROCOS: A APROVEITAR AS INSTABILIDADES

(Boletim nº 129 - Fevereiro 2024)

As tensões entre os países do Sahel têm vindo a agudizar-se, particularmente entre Marrocos, a Argélia e a Mauritânia, a que a guerra que a Frente POLISARIO trava pela libertação do povo saharaui não é alheia.

O Sahel sob tensão
Na sua ofensiva permanente de angariação de cumplicidades e apoios para o processo de colonização do Sahara Ocidental, Marrocos convidou um conjunto de Estados africanos «para participar numa reunião de coordenação» que teve lugar em Marraquexe em 23 de Dezembro passado. «O objectivo declarado é melhorar as condições de vida nos países do Sahel, (...). No entanto, muitos observadores consideram que se trata de uma tentativa de Marrocos de reforçar a sua influência na região e de perturbar as relações entre a Argélia e os países africanos. (…).
«A Mauritânia, país vizinho de Marrocos, recusou o convite para participar nesta iniciativa, o que é interpretado como um sinal de desconfiança em relação a um regime que Nouakchott considera traiçoeiro e movido por uma visão colonial. (…).
«A presença do Mali, do Níger e do Burkina Faso nesta iniciativa não reflecte necessariamente o seu apoio sincero. Estes países, sob pressão regional e internacional devido ao facto dos seus dirigentes terem chegado ao poder em condições controversas, procuram no estrangeiro oportunidades de aceitação e integração. (...), a recusa de participação da Mauritânia na iniciativa de Marrocos reflecte as tensões crescentes entre os países vizinhos do Magrebe.»

Cólera maliana

As relações do Mali com a Argélia e com a Mauritânia não têm sido fáceis nestes últimos tempos. Desde 1963 que o Mali é confrontado com reivindicações territoriais por parte da população tuaregue. Através da mediação da Argélia chegou, em 2015, a um acordo com as forças rebeldes. Mas a Junta que assumiu o poder em Bamako rompeu em Agosto último esse acordo, apostando na opção militar para resolver o conflito.
Segundo Lehbib Abdelhay, «Depois de a Argélia ter recebido no seu território os membros do CSP-PSD que assinaram o actual acordo de paz, as autoridades de Bamako decidiram convocar o embaixador argelino para protestar contra esta atitude, que qualificaram de "subversiva e hostil". Segundo fontes da segurança de Bamako, foi sem dúvida a passadeira vermelha estendida em Argel ao imã maliano Mahmoud Dicko que mais irritou as autoridades de transição do Mali. Este clérigo, crítico das autoridades golpistas de Bamako, é descrito como não apoiante da transição, senão mesmo como inimigo. Estes dois actos provocaram uma grande cólera entre as autoridades de Bamako, que se apressaram a transmiti-la em palavras pouco diplomáticas às autoridades argelinas.»
Como interroga o TSA-Tout sur l’Algérie, «Estará Marrocos a aproveitar a instabilidade na região do Sahel para aí defender os seus interesses? O activismo do Reino nos países mais instáveis da região, o Mali, o Níger e o Burkina Faso, sugere isso mesmo. (…).
«Marrocos acaba de propor uma aliança económica e geopolítica aos quatro países da região. (…). Este projecto foi apresentado por Mohamed VI num discurso proferido no início de Novembro. O Rei anunciou um projecto de "valorização" da costa atlântica, que descreveu como "a porta de Marrocos para África", insistindo na necessidade de "estruturar este espaço geopolítico à escala africana". (…).
«Foram-lhes feitas inúmeras promessas, nomeadamente o acesso ao Atlântico e a abertura do comércio internacional a estes países através da utilização das infra-estruturas de transporte do Reino.
«No comunicado final do Ministério dos Negócios Estrangeiros marroquino, os participantes "agradeceram" ao Rei "por ter colocado as suas infra-estruturas rodoviárias, portuárias e ferroviárias à disposição dos Estados do Sahel, com vista a reforçar a sua participação no comércio internacional". (…).
«Na realidade, Marrocos procura retirar dividendos políticos e diplomáticos do seu projecto, persuadindo o Mali e o Níger a reconhecerem implicitamente a ocupação do Sahara Ocidental.»
Notícias recentes dão conta de que o Mali, o Níger e o Burkina Faso abandonaram a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). «Os dirigentes políticos e militares dos três países, saídos de golpes de Estado, justificam a sua decisão com o facto de a CEDEAO "sob influência estrangeira, traindo os seus princípios fundadores, se ter tornado uma ameaça para os seus Estados membros e populações" e "se ter afastado dos ideais dos seus pais fundadores".»

Cólera mauritana

MINURSO: estragos de drone marroquino

Segundo fontes saharauis, «entre 2021 e 2023», em resultado do clima de guerra que se vive na região, «registaram-se mais de 80 vítimas saharauís, 66 vítimas mauritanas e 3 vítimas argelinas». Reacção mauritana: «Nouakchott apanhou de surpresa os grossistas marroquinos e os seus clientes mauritanos com a sua decisão de aumentar os direitos aduaneiros em 171% sem aviso prévio no posto fronteiriço de El Guerguerat. (…).
«Mesmo que as autoridades mauritanas não tenham justificado a sua decisão, é lícito interrogarmo-nos se não se trata de uma resposta de Nouakchott ao ataque implacável de Rabat aos seus nacionais no Sahara Ocidental. Os garimpeiros e pastores mauritanos foram mortos por drones marroquinos dentro das fronteiras da antiga colónia espanhola, cujo estatuto depende de um processo político conduzido pelas Nações Unidas.»
De acordo com o jornalista Ryad Hamadi do TSA, «Motoristas e comerciantes explicaram que os direitos aduaneiros tinham sido aumentados subitamente e sem aviso prévio de 1.600 euros para 4.600 euros para um veículo pesado de mercadorias. (...).
«De acordo com as estatísticas marroquinas, 45.000 camiões atravessaram a passagem de El Guerguerat em 2022. (…).
«Em 31 de Dezembro, vários órgãos de comunicação social, entre os quais a agência noticiosa espanhola EFE, noticiaram que três cidadãos mauritanos tinham sido mortos por um ataque de um drone do exército marroquino. As três vítimas seriam garimpeiros, segundo a mesma fonte. Não é a primeira vez que civis mauritanos ou argelinos são alvo de ataques do exército marroquino na fronteira entre o Sahara Ocidental e a Mauritânia. (…).
«É lícito interrogarmo-nos sobre a existência de uma relação entre estes assassínios de civis mauritanos e a decisão das autoridades de Nouakchott.»
A reacção da Mauritânia não se limitou, porém, ao aumento das tarifas alfandegárias. Envolveu-se, também, num projecto alternativo com a Argélia. «O projecto emblemático entre os dois países é a estrada que ligará Tindouf à Mauritânia para reforçar o comércio bilateral», relata o jornal El Independiente.
«A Mauritânia é considerada a primeira porta de entrada da Argélia na região da África Ocidental, daí o projecto de uma estrada que ligue a cidade argelina de Tindouf à cidade mauritana de Zouerate, que deverá facilitar a exportação de mercadorias argelinas para este país, bem como para toda a região africana.» E acrescenta: «O início destas relações entre os dois países vizinhos coincide com mais um passo no afastamento entre Marrocos e a Argélia, depois desta última ter proibido, há uma semana [10 de Janeiro], os bancos argelinos de se envolverem em operações de transporte de mercadorias que transitem por portos marroquinos.»
O jornalista Rafik Tadjer explicitou este passo:
«A imprensa marroquina tomou conhecimento de uma nota da Associação dos Bancos e Estabelecimentos Financeiros (ABEF), difundida nas redes sociais argelinas, que dá instruções aos bancos comerciais para recusarem as operações de domiciliação dos contratos de transporte que impliquem transbordo ou trânsito pelos portos marroquinos.
«Foi igualmente solicitado aos operadores económicos que se assegurassem de que "os transbordos/trânsitos não se efectuam através dos portos marroquinos, antes de procederem à sua domiciliação". (…).
«Esta decisão poderá beneficiar os portos espanhóis e enfraquecer a posição dos portos marroquinos na região. A Argélia é um dos principais importadores do Magrebe.
«Em 2023, as importações da Argélia deverão ser superiores a 41 mil milhões de dólares. E, de acordo com as previsões orçamentais para 2024, deverão atingir 43,5 mil milhões de dólares este ano (…).
«Na sequência da ruptura das relações diplomáticas entre os dois países em Agosto de 2021, a Argélia decidiu não renovar o contrato de exploração do gasoduto Magrebe-Europa, que expirou em 31 de Outubro de 2021. O gasoduto transportava o gás argelino para a Península Ibérica através de Marrocos. A Argélia exigiu também que a Espanha não revenda a Marrocos o gás que lhe fornece.»

«Por uma campanha da sociedade civil»

Numa entrevista concedida ao Algerie Patriotique, Stephen Zunes – «professor de Política e Estudos Internacionais na Universidade de São Francisco, onde foi director fundador do Programa de Estudos do Médio Oriente» –, confrontado com a pergunta «Porque é que Marrocos é tão implacável contra a Argélia?», respondeu: «A única forma de Marrocos justificar a sua conquista do Sahara Ocidental é negar qualquer poder aos próprios saharauis, apresentando a POLISARIO e outros apoiantes da autodeterminação como se fossem uma simples criação da Argélia. Esta abordagem é semelhante à forma como os Estados Unidos, durante a Guerra Fria, tentaram retratar os movimentos nacionalistas de esquerda nos países do Sul como criações da União Soviética. Ao apresentar o conflito em termos geopolíticos como uma rivalidade entre dois Estados-nação, é mais fácil ignorar os próprios saharauis e as suas aspirações. A Argélia não fala em nome do povo do Sahara Ocidental. A POLISARIO, que este elegeu como seu representante, é reconhecida pela maioria da comunidade internacional como o seu único representante legítimo.»
Mais à frente, o jornalista perguntou-lhe «porque é que os meios de comunicação social e os políticos fecham os olhos à situação catastrófica dos direitos humanos no Sahara Ocidental?»
Ao que Zunes respondeu: «Há muito tempo que os meios de comunicação ocidentais tendem, apesar da sua liberdade de expressão, a seguir a orientação dos seus governos. As violações dos direitos humanos cometidas por governos adversários, por exemplo, receberão muito mais atenção do que as violações dos direitos humanos cometidas por governos aliados. Consequentemente, muito poucas pessoas nos países ocidentais conhecem o Sahara Ocidental. Se o soubessem, haveria pressão para deixar de apoiar a ocupação. Mesmo nos Estados árabes e noutros países do Sul, a narrativa marroquina parece dominar. Mas isso pode mudar. Timor-Leste foi largamente esquecido até que campanhas globais da sociedade civil chamaram a atenção do mundo.»