quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

MARROCOS: CORRUPÇÃO E REPRESSÃO

(Boletim nº 128 - Janeiro 2024)

A passagem do primeiro aniversário da revelação do processo de corrupção dos eurodeputados, vulgarmente designado por "Marrocosgate", foi a oportunidade para a divulgação de mais elementos sobre as teias deste processo.

Marrocos: a luta pela liberdade

A corrupção

Que envolveu Abderrahim Atmoun, o embaixador de Marrocos acreditado em Varsóvia, «acusado de pagar campanhas políticas e de oferecer presentes luxuosos a deputados do Parlamento Europeu», como Pier Antonio Panzeri e Eva Kaili, entre outros.
Estes "outros" não se limitaram ao PE, como agora foi revelado. A «unidade #Investigation» da RTBF — o canal francófono da Rádio Televisão Belga – «investigou as práticas da diplomacia marroquina na Bélgica. Descobriu as suas ligações surpreendentes com o deputado federal Hugues Bayet (PS) e com a deputada regional de Bruxelas Latifa Aït-Baala (MR) [Mouvement Réformateur].» Esta deputada «produz e realiza filmes sobre a história do Sahara Ocidental e da Frente POLISARIO. Para o efeito, pôde contar com o apoio financeiro das autoridades marroquinas. (…) Ficamos a saber que a sua associação, Freemedia, recebeu 165.000 dirhams, o equivalente a 15.000 euros, em 2010-2011. (…). Noutro documento, uma nota de orientação em papel timbrado da sua associação Freemedia, descobrimos as intenções prosseguidas por Latifa Aït-Baala com o seu filme sobre a Frente POLISARIO. A nota diz o seguinte: "É agora necessário levantar o véu sobre a verdadeira face da POLISARIO e a sua falta de legitimidade para defender ou representar qualquer população, causa ou interesse". Os documentários de Latifa Aït-Baala foram exibidos em lugares de poder, como o Parlamento Europeu e o Parlamento Federal [belga].»
Quanto a Hugues Bayet, que foi eurodeputado entre 2014 e 2019, colaborou com Pier Antonio Panzeri nos dossiers ligados a Marrocos. «Em Maio de 2022 lançou o COBESA, o Comité belga de apoio ao plano marroquino de autonomia do Sahara. (...). Este comité afirmava claramente as suas ambições: encorajar o governo belga a tomar uma posição a favor da proposta marroquina. (…). A inauguração do COBESA no Press Club de Bruxelas contou com a presença do embaixador marroquino, Mohamed Ameur. (…). Segundo informações recolhidas junto do Press Club, (...) o "embaixador visitou brevemente a sala alguns dias antes. Pagou a factura no valor de 620 euros".»
«Em 20 de Outubro de 2022, o deputado do PS levantou uma questão na Câmara dos Deputados. Tendo como alvo Hadja Lahbib, a Ministra dos Negócios Estrangeiros [da Bélgica], que se encontrava de visita a Marrocos, pediu ao governo que tomasse uma posição sobre o plano de autonomia marroquino para o Sahara Ocidental: "para os socialistas, parece muito claro que a nova proposta de Marrocos e o seu plano de autonomia para o Sahara constituem uma base bastante séria para o início das negociações".»
Interrogado pela RTBF sobre a actividade deste deputado do PS, Pierre Galand, ex-senador deste partido que acompanha de muito perto o processo de descolonização do Sahara Ocidental, declarou: «"Não conheço a história dele. Não sei porque é que ele criou este comité assim de repente. Só vos posso dizer que os marroquinos têm tendência a comprar pessoas. É tudo o que há a dizer. Eles pagam. (…). Há anos que Marrocos faz isso."» E contou uma história passada com ele, fundamentando a sua afirmação.
«As acusações contra Hugues Bayet são graves. No final deste inquérito, enviámos uma última pergunta ao Partido Socialista, perguntando muito claramente quais eram as verdadeiras ligações entre Hugues Bayet e as autoridades marroquinas. O Partido Socialista nunca respondeu a esta pergunta específica.»
Mas o trabalho jornalístico não se ficou por aqui. «A unidade #Investigation da RTBF investigou o MR e as suas "ligações" com o Sahara Ocidental, um território sob ocupação marroquina. No outono de 2022, o partido de Georges-Louis Bouchez fez uma série de declarações oficiais e de deslocações à região.»
Seguem-se as «explicações em três actos.» O primeiro decorreu em Setembro de 2022, quando quatro parlamentares deste partido se deslocaram a Marrocos, com uma passagem-relâmpago por El Aiun, a capital do Sahara Ocidental ocupado. Passagem esta que foi revelada quatro meses depois pelo jornal valão La Libre Belgique, tendo então sido vivamente criticada. «Entrevistado na BX1 em Janeiro de 2023, o chefe do partido MR de Bruxelas, David Leisterh, afirma que "assumiu a responsabilidade desta viagem" e que o Sahara Ocidental "é uma região muito estável". Acrescentou que tinha passado... 24 horas no local. Contactado por #Investigation, David Leisterh recusou-se a comentar.»
O segundo acto foi representado em Outubro daquele mesmo ano pela MNE Hadja Lahbib, que em visita oficial a Rabat reconheceu, em nome do Estado belga, que «"o projecto de autonomia de Marrocos para o Sahara Ocidental constitui uma base séria e credível", o que foi vivamente criticado pelos maiores especialistas belgas em direito internacional numa carta aberta publicada no jornal Le Soir
Finalmente, ainda naquele mês de Outubro, «Georges-Louis Bouchez desloca-se em missão oficial a Marrocos. O Presidente do MR foi convidado pelo partido liberal local. Oficialmente, a deslocação é unicamente ao território marroquino. Esta é a informação que pode ser consultada no sítio web do partido liberal.» Mas «A unidade #Investigation da RTBF conseguiu ter acesso a um documento confidencial. O seu conteúdo? A agenda do dirigente do MR. E uma viagem ao Sahara Ocidental feita em total secretismo. A informação foi-nos confirmada por um quadro do partido Liberal. Problema: o assunto parece estar a incomodar o MR. O seu porta-voz Qassem Fosseprez respondeu: "Todas as respostas estão no sítio web do MR. Não tenho nada a acrescentar". O que é que Georges-Louis Bouchez foi lá fazer? Com quem se encontrou? E porquê esconder a sua visita a este território anexado por Marrocos? O Mouvement Réformateur fechou-se em copas.»

A repressão

Como escreveu Elias Ferrer Breda, «Há muitas razões para que o governo marroquino tenha sido tão agressivo no lobbying na Europa – ao ponto de alegadamente cometer actividades ilegais, incluindo subornos. Uma questão fundamental tem sido a obtenção de legitimidade para a sua ocupação ilegal do Sahara Ocidental.» E uma dessas «muitas razões» é a urgência de preservar o regime, manifestada abertamente na repressão, quer sobre os seus concidadãos, quer sobre a população do Sahara Ocidental ocupado.
Isto mesmo foi reconhecido pelo Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária que, em finais de Novembro, instou Marrocos a libertar imediatamente os presos de Gdeim Izik. «O professor e antigo Presidente-Relator do Grupo de Trabalho das Nações Unidas, Mads Andenas, declarou: "A decisão é uma confirmação importante das análises já feitas por numerosos observadores do julgamento, pela Amnistia Internacional e pela Human Rights Watch, por vários titulares de mandatos das Nações Unidas e pelo Comité Contra a Tortura das Nações Unidas. Conhecendo a tendência viciosa e a preocupante espiral descendente de Marrocos, que se recusa a assumir compromissos, nega violações graves e submete as vítimas e as suas famílias a represálias, pedimos a todos os Estados e terceiros que pressionem Marrocos para aplicar esta decisão e libertar os prisioneiros".»
Como conclui Ferrer Breda, «Ao longo dos anos, os relatórios da Amnistia Internacional, da Human Rights Watch e do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU têm repetido as acusações de que as forças de segurança marroquinas estão a torturar, a negar o direito de protesto e a liberdade de expressão, com julgamentos injustos e outras violações dos direitos humanos. Não é de surpreender que estas acusações não se limitem ao território ocupado; parecem ser um modus operandi comum das forças de segurança em todo o território marroquino, de Tânger a Rabat e a Agadir.»

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