domingo, 3 de setembro de 2023

MARROCOS: À BEIRA DA INSTABILIDADE?

(Boletim nº 124 - Setembro 2023)

A sociedade marroquina atravessa um período conturbado, por razões de vária ordem, tanto de âmbito nacional, como regional e internacional. A preocupação do regime é tentar mostrar firmeza na repressão e um controlo total da situação.

Mohammed VI: irreconhecível (Africa.com)
A continuada prática de violação dos Direitos Humanos por parte do regime marroquino não tem merecido por parte da comunidade internacional uma condenação firme e activa que impeça o seu exercício sobre cidadãs e cidadãos que a procuram combater.
Um caso recente, mas muito vulgar, ocorreu em finais de Abril passado quando a advogada francesa Elise Taullet se viu impedida de se encontrar com os seus clientes, presos políticos saharauis do grupo Gdeim Izik, para ver em que condições se encontram nas prisões marroquinas. Os serviços encarregues da sua acreditação, o Ministério da Justiça, a Administração Penitenciária e o Ministério Público, recusaram autorizar a visita aos seus constituintes, a quem tem sido negado o acesso a qualquer advogado desde o final do julgamento, em 2017.
Face à ausência de resposta às suas diligências por parte das autoridades de Rabat, a advogada, que se fazia acompanhar da vice-presidente da Liga para a Protecção dos Presos Saharauis nas Prisões marroquinas (LPPS), Hassanna Douihi, e de um membro do seu conselho de administração, Hassanna Abba, decidiu visitar as famílias dos detidos na cidade ocupada de El Aiun. Pretendiam parar na cidade marroquina de Tan-Tan para visitar o ex-preso político saharaui Yahya Mohamed El Hafed Iazza, recentemente libertado, e a família do preso El Hussein Bachir Amaadour. No entanto, foram detidas no posto de controlo de Oued Elwaer (cerca de 100 km a norte da cidade de Tan-Tan) por agentes da Gendarmaria Real que as seguiam, e que obrigaram a advogada Elise Taullet a entrar num táxi com destino à cidade marroquina de Agadir de onde a expulsaram para França.
Conforme relata a jornalista Cristina Martínez Benítez de Lugo,
«Entre 2002 e 2013, foi possível observar julgamentos, ter encontros com organizações saharauis de defesa dos direitos humanos, recolher testemunhos de desaparecimentos forçados, de vítimas de tortura e de marginalização da vida social e profissional. Tudo isto sob o controlo permanente da polícia marroquina, fardada ou à paisana.
Mas desde 2014, a potência ocupante marroquina expulsa qualquer observador estrangeiro que procure aceder ao território saharaui ocupado. O colonizador entendeu que estas visitas eram uma forma de quebrar o muro de silêncio sobre o último conflito de descolonização em África, sobre a resistência saharaui na zona ocupada e a repressão a que está sujeita, bem como sobre a pilhagem dos recursos naturais do Sahara Ocidental.
291 pessoas (de 21 países e 4 continentes) foram expulsas do Sahara Ocidental pelas autoridades marroquinas desde Janeiro de 2014. Outras 19 pessoas foram expulsas de Marrocos em trânsito para El Aaiun. (…). Sete ONG internacionais foram expulsas ou estão proibidas em Marrocos: Human Rights Watch (EUA), NOVACT (Espanha), Avocats Sans Frontières (Bélgica), Friedrich Naumann Stiftung (Alemanha), Amnistia Internacional (Londres), Fondation Carter (EUA), Free Press Unlimited (Países Baixos).»
Mas o desafio ao poder não se limita só aos colonizados. No próprio seio da sociedade marroquina os sinais de inconformismo e de indignação são cada vez mais visíveis.
Já em 2022, um exemplo deste estado de espírito nos foi dado pela reportagem do jornalista Francisco Carrión no jornal El Independiente onde relata as conversas que teve com três jovens marroquinas a viver em Espanha e onde uma delas reconhece, no que ao Sahara Ocidental diz respeito, que «O mais ético a fazer seria dar-lhes o referendo que exigem.» E segundo outra das entrevistadas, «Esta é uma questão que diz respeito, em primeiro lugar, aos saharauis, que são os protagonistas das suas vidas e de toda esta história, mas nós, jovens marroquinos, também temos algo a dizer. Temos de abrir um diálogo que, infelizmente, não está a ter lugar.»
Um outro sinal do ambiente social e político que se vive hoje em Marrocos é-nos contado pelo The Guardian: «Um internauta marroquino [de 48 anos de idade] foi condenado a cinco anos de prisão por ter criticado o rei no Facebook por causa da normalização das relações do país com Israel, informou o seu advogado.»
E como relata o jornalista Jesús Cabaleiro Larrán, no parlamento em Rabat, uma deputada da oposição (Federação da Esquerda Democrática), teve apenas um minuto para apelar ao fim dos ataques contra a liberdade de opinião e de expressão. No dia 19 de Junho, a sessão plenária discutia o projecto do Comité Provisório para a gestão do Conselho de Imprensa. Fatima Tamni apelou à libertação de todos os jornalistas presos e explicou que o movimento democrático de 20 de Fevereiro (de 2011) tinha aberto uma janela para a liberdade de imprensa que foi rapidamente fechada pelo acentuar da repressão, sublinhando que Marrocos tem actualmente uma perspectiva sombria neste domínio. Mas a sua intervenção não foi ouvida até ao fim porque o som lhe foi cortado.
Entretanto, notícias dando conta da degradação do estado de saúde do monarca marroquino têm vindo a generalizar-se. O sítio de língua francesa Afrik.com titulava recentemente: «Marrocos: como a sarcoidose mudou a vida do rei Mohammed VI». Segundo o jornalista Malick Hamid, «A sua vida mudou completamente. (…). Atingido pela sarcoidose, o Rei mudou. É certo que Mohammed VI mudou os seus hábitos, mas sobretudo o seu físico sofreu uma grande alteração. O Rei está a perder peso, o que preocupa muito os marroquinos. A sua última aparição pública suscitou comiseração.»
Obviamente, dado o carácter não democrático do regime, esta degradação física do soberano acicata as especulações sobre a sucessão. Por um lado, há o filho, Moulay Al-Hassan, o “herdeiro natural”. Mas há quem fale noutros candidatos. E tudo isto quando a guerra regressou ao Sahara Ocidental e a África herdeira do colonialismo francês atravessa um período agitado e de resultados incertos.

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