sábado, 2 de setembro de 2023

GHALI NA CIMEIRA BRICS: «LIBERTAR ÁFRICA DO COLONIALISMO»

(Boletim nº 124 - Setembro 2023)

No seu esforço de construir uma alternativa ao bloco dominante ocidental, a plataforma BRICS tem vindo a tentar alterar o equilíbrio de forças do pós II Guerra Mundial.

A crescer

Decorreu em Joanesburgo, África do Sul, entre 22 e 24 de Agosto passado, a XV Cimeira do bloco conhecido como BRICS - uma plataforma que reúne o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul - sob o lema 'BRICS e África: Parceria para um Crescimento Mutuamente Acelerado, Desenvolvimento Sustentável e Multilateralismo Inclusivo'.
Olhada com animosidade por uns, com receio e desconfiança por outros e de expectativa por muitos outros, a Cimeira anunciava-se com dois temas desafiantes à actual relação de forças internacional:
  1. o alargamento do número dos seus participantes. Em princípios de Agosto a Chefe da diplomacia da África do Sul, Naledi Pandor, apresentou uma lista de países que se tinham mostrado formalmente interessados em aderir ao grupo: Arábia Saudita, Argentina, Argélia, Bahrein, Bangladeche, Bielorrússia, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Egipto, Emiratos Árabes Unidos, Etiópia, Honduras, Indonésia, Irão, Kuwait, Marrocos, Nigéria, Palestina, Senegal, Tailândia, Venezuela e Vietname. A ministra teve o cuidado de salientar que se «Evitaria certamente qualquer critério de expansão que nos conduzisse a um caminho em que contribuíssemos para aumentar os conflitos na comunidade global ou em qualquer parte do mundo.»
  2. a "desdolarização" da economia, de que o exemplo mais recente é a venda de petróleo pela Arábia Saudita à China em 'petro-yuans'.
Inicialmente Marrocos não reagiu à lista anunciada pela ministra Pandor. Mas no dia 19 um artigo no sítio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Cooperação Africana e Marroquinos Residentes no Estrangeiro cita «uma fonte autorizada» do mesmo Ministério que respondeu «a alguns meios de comunicação que recentemente fizeram referência a uma hipotética candidatura do Reino para integrar o agrupamento 'BRICS', bem como à sua possível participação na próxima reunião 'BRICS/África'». Na perspectiva desta fonte, o convite para a mencionada reunião não era uma iniciativa dos BRICS ou da União Africana, mas sim da África do Sul, a título nacional. Pelo facto de ser «um encontro organizado com base numa iniciativa unilateral do governo sul-africano», o artigo assinala que «Marrocos avaliou, por isso, este convite à luz da sua tensa relação bilateral com este país.»
O articulista prossegue dizendo que ainda de acordo com esta fonte, «a África do Sul mostrou sempre uma hostilidade primária relativamente ao Reino, e adoptou sistematicamente posições negativas e dogmáticas sobre a questão do Sahara marroquino. "Pretória multiplicou assim, tanto a nível nacional como no seio da União Africana, as acções notoriamente mal intencionadas em relação aos superiores interesses de Marrocos", indica a mesma fonte.»
«A prova, continua ela, está nas violações deliberadas e provocadoras do protocolo que marcaram o convite a Marrocos para esta reunião. Pior ainda, muitos países e entidades parecem ter sido convidados arbitrariamente pelo país anfitrião, sem qualquer base real ou consulta prévia com os outros países membros do BRICS. (…).
No entanto, o Reino nunca solicitou formalmente a sua adesão ao grupo BRICS. "Até por que ainda não existe um quadro ou procedimentos precisos que regulem o alargamento deste agrupamento", precisou a mesma fonte. A fonte autorizada acrescentou que o futuro das relações de Marrocos com os BRICS enquanto tal "se inscreve no quadro geral e nas orientações estratégicas da política externa do Reino, tal como definida por Mohamed VI, que Deus o guarde".»
O factor decisivo a esta reacção tardia terá sido este: o não ter conseguido impedir que a República Árabe Saharaui Democrática (RASD), à semelhança de todos os países africanos, fosse convidada para estar presente na Cimeira.
«Pretória convidou mais de 60 líderes do Sul Global (...), incluindo os presidentes de Cuba, Miguel Díaz-Canel, e da Bolívia, Luis Arce, (...).
Estão também convidados vinte dignitários de organizações internacionais, como o Secretário-geral da ONU, António Guterres, e o Presidente da Comissão da União Africana (AUC, na sigla em inglês), Moussa Faki Mahamat.»
Despedida
E assim, no dia 23 de Agosto, Brahim Ghali, presidente da RASD, desembarcou em Joanesburgo, apesar dos esforços do regime marroquino para tentar convencer, durante meses, os membros do BRICS, nomeadamente a Índia e o Brasil, a oporem-se ao convite ao presidente saharaui.
Na sua intervenção, o Presidente da RASD e Secretário-geral da Frente POLISARIO afirmou que «a África, tendo em conta as suas enormes reservas de todo o tipo de riquezas, não pode progredir enquanto não se libertar totalmente do colonialismo».
Ghali indicou que «o continente africano, embora possua enormes capacidades consubstanciadas na dinâmica da sua juventude e nas suas terras onde abundam os recursos naturais, sofreu e continua a sofrer de marginalização e mesmo de exploração e endividamento, que empobreceram muitos dos seus países e impediram o seu crescimento económico e social.»
E acrescentou: «a República Saharaui dirige-se à comunidade internacional com base no facto de, em pleno século XXI, continuar a sofrer de flagrantes injustiças e violações do direito internacional, bem como da contínua pilhagem dos seus recursos naturais, com a interferência vergonhosa de actores internacionais que procuram impor escolhas unilaterais injustas, incluindo ao nível do Conselho de Segurança da ONU, impedindo o povo saharaui de exercer o seu direito à plena soberania sobre o conjunto do seu território nacional.»
Na Declaração final da Cimeira, são feitas afirmações de princípio sobre as relações internacionais, algumas das quais vão, de alguma forma, ao encontro das questões levantadas por Ghali:
«(…). 3. Reiteramos o nosso empenhamento no multilateralismo inclusivo e na defesa do direito internacional, incluindo os objectivos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas (ONU) como a sua pedra angular indispensável, e o papel central da ONU num sistema internacional em que os Estados soberanos cooperam para manter a paz e a segurança, promover o desenvolvimento sustentável, assegurar a promoção e a protecção da democracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, e promover a cooperação baseada no espírito de solidariedade, respeito mútuo, justiça e igualdade.
4. (...). Reiteramos o nosso empenhamento em reforçar e melhorar a governação mundial através da promoção de um sistema mais ágil, eficaz, eficiente, representativo, democrático e responsável, a nível internacional e multilateral. (…).
12. Estamos preocupados com os conflitos em curso em muitas partes do mundo. Salientamos o nosso empenhamento na resolução pacífica das diferenças e diferendos através do diálogo e de consultas inclusivas de forma coordenada e cooperativa e apoiamos todos os esforços que conduzam à resolução pacífica das crises. (…).
16. (…). Reiteramos que o princípio "Soluções africanas para problemas africanos" deve continuar a servir de base para a resolução de conflitos. A este respeito, apoiamos os esforços africanos de paz no continente através do reforço das capacidades pertinentes dos Estados africanos. (…). Salientamos a necessidade de alcançar uma solução política duradoura e mutuamente aceitável para a questão do Sahara Ocidental, em conformidade com as resoluções pertinentes do Conselho de Segurança da ONU e em cumprimento do mandato da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO). (…).»
Segundo o despacho da agência noticiosa Sahara Press Service (SPS), «O Chefe de Estado [da RASD] manteve encontros com o Presidente da República Federal da Tanzânia, o Presidente da República Centro-Africana e o Presidente do Congo Brazzaville.
O dirigente saharaui manteve igualmente conversações aprofundadas com o Presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, Luis Arce Catacora, com o Presidente do Senegal, Macky Sall, com o Presidente do Irão, Ebrahim Raisi e com o Presidente da Líbia, Musa Al-Koni, bem como com o Primeiro-Ministro palestiniano, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Venezuela, o Primeiro-Ministro de São Tomé [e Príncipe], e ainda conversações com o antigo Presidente da África do Sul, Zuma, e com o antigo Presidente da Nigéria, Abba Sango.
Os encontros bilaterais com os dirigentes abordaram os últimos desenvolvimentos da questão saharaui a nível internacional.
O Presidente da República também trocou saudações com o Presidente chinês, Xi Jinping, e com o Presidente brasileiro, Lula da Silva, bem como com o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov.
O Presidente da República é acompanhado a este evento por uma importante delegação que inclui o membro do Secretariado Nacional da Frente POLISARIO, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Mohamed Sidati, o Conselheiro da Presidência da República, Abdati Abreika, o Embaixador, Director do Protocolo da Presidência, Salaha Al-Abed, e o Embaixador do nosso país na África do Sul, Mohamed Yaslam Basit.»
Uma vitória diplomática importante do movimento de libertação saharaui que viu o Direito Internacional reafirmado em relação ao Sahara Ocidental por dois membros do Conselho de Segurança e que poderá vir a beneficiar do alargamento dos BRICS a vários países árabes.


 


Sem comentários:

Enviar um comentário