terça-feira, 4 de julho de 2023

CINEASTA MARROQUINO BANIDO DO FESTIVAL DE CINEMA DE AGADIR

(Boletim nº 122 - Julho 2023)

Conforme nos conta Jesús C. Larrán, Nadir Bouhmouch, um realizador de cinema belga-marroquino da nova geração, foi afastado do júri do Festival de Cinema Documental de Agadir (Fidadoc), que decorreu entre 5 e 10 de Junho passado, pelas suas posições pró-Sahara Ocidental.

«Já sofri demasiada autocensura»
(WPPhoto)

Como nos lembra o jornalista, «Acontece que no mesmo Fidadoc, em 2019, o realizador, então com 33 anos de idade, recebeu o Grande Prémio pelo seu documentário "Amussu".
«Depois de ser nomeado como membro do júri, foi recordado que Bouhmouch participou em 2015 no documentário "A vida está à espera: Referendo e Resistência no Sahara Ocidental" (no original, Life is waiting: Referendum and Resistance in Western Sahara). Neste documentário, o cineasta marroquino criticou a versão oficial marroquina da Marcha Verde ordenada pelo rei Hassan II em 1975, com a ajuda do hoje centenário e então Secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger.
«Trata-se de um filme da realizadora brasileira nascida na Coreia, Iara Lee, que ganhou o segundo prémio no festival Fisahara 2022 com o filme "A Arte da Resistência no Burkina Faso".» O Fisahara, Festival Internacional de Cinema, é o único festival cinematográfico que se realiza em acampamentos de refugiados.
«Nadir Bouhmouch também participou no Fisahara 2013, nos acampamentos saharauis. "Já sofri demasiada autocensura sobre a questão do Sahara Ocidental. Os refugiados com que vou trabalhar são refugiados porque o meu país, Marrocos, ocupa as suas terras", declarou na altura este realizador que apoiou o movimento 20 de Fevereiro e vive nos Estados Unidos.
«Comentou também numa frase um pouco premonitória do que se passou agora: "Há muitos obstáculos institucionais no caminho de qualquer cineasta em Marrocos. Tudo é pensado para censurar os filmes".
«Os organizadores do festival de documentários de Agadir acabaram por ceder às pressões do regime e das autoridades marroquinas retirando Bouhmouch, mas sem mencionar o seu nome, da lista do júri e de todas as publicações do festival, considerando a sua posição "inaceitável e transgressora". Por fim, e de forma inesperada, terminam reafirmando em comunicado "o seu firme apoio à soberania de Marrocos sobre o Sahara".
«No ano passado, o Centro de Cinema Marroquino também esteve no centro de uma polémica ao suspender o visto de exibição do filme marroquino "Zanka Contact" de Ismael El Iraki, depois de se ter apercebido que a banda sonora original incluía a canção Id Chab da cantora saharaui Mariem Hassan (1958-2015), que sempre apoiou a Frente POLISARIO.»
Do curriculum de Nadir Bouhmouch consta também que «em 2012, realizou os documentários "My Makhzen and me" ["O meu Makhzen e eu"] - de 45 minutos, no qual relata as experiências do movimento 20 de Fevereiro, ligado à Primavera Árabe - e "475, when marriage becomes punishment" ["475, quando o casamento se torna castigo"] (2013), que recebeu uma menção do júri no Festival de Cinema de Direitos Humanos de Valência.
«Este filme faz alusão ao artigo 475 do código penal marroquino que estabelece que um homem que tenha cometido um acto de violação pode evitar a sua condenação se posteriormente casar com a vítima. É dedicado a um caso que chocou Marrocos em Março de 2012, quando em Larache a menor Amina Filali se suicidou depois de ter sido maltratada pelos sogros e o marido, que era o seu violador mas foi poupado à pena graças ao artigo 475.»


 


COOPERAÇÃO SECURITÁRIA PORTUGAL – MARROCOS: O QUE ESPERAR?

(Boletim nº 122 - Julho 2023)

No passado dia 22 de Junho o sítio leDesk anunciava a presença em Portugal de Abdellatif Hammouchi, director-geral dos serviços de informação e segurança marroquinos (DGSN-DGST), «para analisar formas de cooperação».

Cooperar, em quê?

Conta o leDesk: «O Director-Geral da Segurança Nacional e da Vigilância Territorial, Abdellatif Hammouchi, chefiou uma importante delegação de segurança numa visita de trabalho a Portugal, na quarta e quinta-feira [dias 21 e 22], durante a qual manteve conversações com responsáveis portugueses sobre as formas de promover a cooperação em vários domínios da segurança, nomeadamente a luta contra o terrorismo e a criminalidade organizada transfronteiriça.
«Durante a sua visita, Hammouchi encontrou-se com a Embaixadora e Secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), Mira Graça Gomes [Graça Mira-Gomes], e com o Director-geral do Serviço Nacional de Informações (SIS), Adélio Neiva da Cruz, bem como com o Director-geral do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), Carlos López Pérez [Carlos Pires], segundo um comunicado da Direcção-geral de Vigilância do Território (DGST).»
A notícia foi reproduzida em diversos órgãos de comunicação social marroquinos como o La Vie ECO e o H24Info, que acrescenta:
«As conversações entre as duas partes centraram-se na avaliação da situação de segurança regional e internacional e nos vários perigos e ameaças que ameaçam ambas as margens do Mediterrâneo devido ao aumento das actividades terroristas, bem como nas formas de aprofundar a cooperação bilateral em matéria de segurança, acrescentou a mesma fonte.
«Esta visita confirma o desejo de ambas as partes de reforçar a cooperação em matéria de segurança e de consolidar a coordenação dos serviços de informações na luta contra as ameaças à segurança dos dois países, conclui o comunicado de imprensa da DGST.»
Em França a notícia foi também divulgada pelo Libération.
Abdellatif Hammouchi tem sido objecto de acusações pelas práticas de violação dos direitos humanos por parte dos serviços de que é responsável, como nos relata o Trial International:
«Abdellatif Hammouchi nasceu em 1966 em Taza, uma cidade do nordeste de Marrocos. Em 1991 licenciou-se em Direito na Universidade de Sidi Mohammed Ben Abdallah em Fez (Marrocos) e tornou-se agente da polícia em 1993. Em 2007, foi nomeado Chefe da Direcção-geral de Vigilância Territorial (DGST) pelo Rei de Marrocos Mohammed VI e, em 15 de Maio de 2015, tornou-se Director da Direcção-geral de Segurança Nacional (DGSN).
«Enquanto chefe dos serviços secretos marroquinos, Hammouchi está a ser investigado sob a acusação de ter torturado cidadãos franco-marroquinos entre 2008 e 2010: Adil Lamtalsi, Zakaria Moumni e Naâma Asfari. As duas primeiras vítimas alegaram ter sofrido tratamentos degradantes no centro de detenção secreto de Temara. Asfari denunciou ter sido torturado no acampamento de protesto de Gdeim Izik, situado em Laayoune, uma cidade do Sahara Ocidental.
«O centro de detenção secreto de Temara é um centro de detenção extrajudicial e uma prisão secreta situada a alguns quilómetros a sul de Rabat, em Marrocos. O centro é alegadamente gerido pela DGST e esteve implicado no passado em violações dos direitos humanos. Este centro de detenção foi inicialmente criado como um local secreto para a CIA realizar interrogatórios reforçados de suspeitos de terrorismo.
«A primeira vítima, Adil Lamtalsi, foi detido em Tânger em 30 de Setembro de 2008 e levado para Temara, onde terá sido torturado durante três dias. Foi depois transferido para outro centro em Larache, onde foi violentamente espancado, humilhado e obrigado a assinar um documento em árabe, língua que Lamtalsi não compreendia. Com base neste documento e na confissão forçada obtida sob tortura, Lamtalsi foi condenado a dez anos de prisão por tráfico de droga. Foi transferido para França em Maio de 2013.
«A segunda vítima de tortura é Zakaria Moumni, um antigo kickboxer famoso. Moumni foi detido em Setembro de 2010, vendado e levado para o centro de detenção de Temara, onde foi espancado e violado. Moumni, como relatou, foi torturado durante quatro dias, durante os quais foi privado de comida e água. Mais tarde, foi julgado por várias acusações e condenado por fraude na imigração com base no testemunho de duas pessoas que nunca foram identificadas. Foi condenado a três anos de prisão. Moumni cumpriu 18 meses de prisão até Fevereiro de 2012, altura em que foi libertado por indulto real do Rei Mohammed VI.
«A terceira vítima é Naâma Asfari, que foi detido a 7 de Novembro de 2010 e alegadamente torturado durante vários dias pelos serviços de informação, liderados por Hammouchi. Assinou uma confissão forçada obtida sob tortura e foi posteriormente condenado pelo tribunal militar marroquino, a 16 de Fevereiro de 2013, a 30 anos de prisão.
«As três vítimas e a ONG francesa Action chrétienne pour l'abolition de la torture (ACAT) apresentaram várias queixas contra Hammouchi por tortura perante a unidade especializada para o julgamento de genocídios, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e tortura do Tribunal de Paris. Além disso, foi apresentada uma queixa à Comissão das Nações Unidas contra a tortura.»
Na sequência destas queixas, no dia 20 de Fevereiro de 2014, sabendo-se que Hammouchi estava em visita de trabalho em Paris, sete polícias dirigiram-se à residência do Embaixador de Marrocos, onde estava hospedado, para lhe entregarem a intimação de um juiz e o levarem para prestar declarações relativas aos casos de tortura de que seria responsável. O visado teve de sair de França precipitadamente e, como lembrou Ignacio Cembrero em 2021, «Rabat cortou a cooperação antiterrorista com Paris e a espionagem francesa vingou-se recorrendo ao Twitter para desvendar centenas de documentos confidenciais marroquinos»
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Os documentos divulgados por ‘Chris Coleman’ entre 2 de Outubro de 2014 e início de Janeiro de 2015, podem ser consultados no website da ARSO: https://www.arso.org/ColemanPaper.htm.
. A cooperação ao nível da segurança foi retomada depois de a Assembleia Nacional francesa ter aprovado, em Julho de 2015, uma alteração ao protocolo sobre cooperação judiciária em matéria penal entre os dois países, ficando os juízes franceses manietados se os alegados actos - a prática de tortura - fossem cometidos em Marrocos. Várias ONG de direitos humanos questionaram a constitucionalidade do novo protocolo, sem consequências.
O sítio de informação francês Mediapart, a propósito do escândalo Pegasus escreve:
«As revelações do caso "Pegasus" continuam a expor a natureza do regime marroquino. O maior escândalo de espionagem desde o caso Snowden está a lançar uma luz particularmente dura sobre o papel de um homem-chave que cultiva obsessivamente a discrição e o secretismo e que faz tremer muitas chancelarias ocidentais, a começar pela França, o "país amigo" tão complacente com os excessos do reino cherifiano: Abdellatif Hammouchi.»
Com este curriculum e com o silêncio da imprensa portuguesa sobre este encontro de dois dias, ficamos a recear as piores consequências da sua realização. Provavelmente a candidatura ibero-marroquina ao campeonato do mundo de futebol de 2030 esteve na agenda. E que mais?


 


ESPANHA: «A PRESTAR UM MAU SERVIÇO AO POVO MARROQUINO»

(Boletim nº 122 - Julho 2023)

O processo de descolonização do Sahara Ocidental está a ocupar um lugar de destaque no debate eleitoral que precede as legislativas do próximo dia 23 de Julho em Espanha. Particularmente no Movimiento Sumar.

A "marroquinidade" da ditadura(Victor Lerena/EFE)

Desde que em Março do ano passado o presidente do governo do PSOE, Pedro Sánchez, alterou a sua posição relativamente à sua antiga colónia, passando a promover a "solução marroquina" da autonomia, a questão ganhou uma maior relevância na luta política e social no país.
Para estas eleições Yolanda Díaz, uma das vice-presidente do governo de Sánchez e sua Ministra do Trabalho, empenhou-se na construção de uma plataforma que reunisse o maior número de sensibilidades políticas, apostadas na modernização da sociedade espanhola. Que adoptou, precisamente, a designação de Movimiento Sumar: «O objectivo fundamental do movimento Sumar é ser a casa grande da democracia. Somos um movimento europeísta, pluralista, com uma vontade firme de enfrentar o desafio da emergência climática e de avançar para uma sociedade mais livre, mais feminista e mais igualitária», explicam fontes da plataforma. Que acrescentam: «O nosso objectivo é claro: fazer de Yolanda Díaz a primeira mulher presidente do governo espanhol e garantir uma maioria progressista que nos permita defender os direitos que conquistámos e continuar a avançar».
Esta procura de alargamento da base social de apoio levou ao convite, por parte de Díaz, a Agustín Santos Maraver, até agora embaixador de Espanha junto das Nações Unidas, para figurar em segundo lugar na lista por Madrid. Personalidade controversa, esta escolha causou mal-estar no movimento de solidariedade com o povo saharaui, recordado que estava do seu comportamento no caso da greve de fome de Aminatou Haidar em 2009. No âmbito da campanha deu uma entrevista à agência EFE que foi "óleo sobre as chamas". Aí recusou utilizar a palavra "ditadura" para qualificar o regime marroquino — o que Yolanda Díaz fez — considerando-o uma «co-soberania entre rei e povo» e um «sócio estratégico» com o qual a Espanha tem «de desenvolver um espaço de co-prosperidade».
Quanto à realização de uma consulta ao povo saharauí para este decidir do seu futuro considerou-a pouco realista, invocando para tal que o censo de 1974 – realizado pelas autoridades coloniais espanholas – está desactualizado, esquecendo que a ONU elaborou na década de 1990 um caderno eleitoral rigoroso com vista à realização do referendo acordado entre as partes (Frente POLISARIO e Marrocos) em 1991, passível de ser actualizado.
Em número 3 da candidatura em Madrid aparece a jovem engenheira informática saharaui Tesh Sidi, de que já tivemos aqui a oportunidade de apresentar uma entrevista por ela dada em Dezembro de 2022. Agora voltou a ser entrevistada pelo jornal El Independiente.
Candidata a deputada (foto El Independiente)
«P - A sua chegada à Câmara dos Deputados fará de si a primeira representante saharaui desde os tempos das Cortes franquistas …
«R - Exacto. O povo saharauí não tem representantes desde a ditadura de Francisco Franco, durante estes 50 anos de ocupação por Marrocos e de ausência de descolonização por parte de Espanha. Seria um marco histórico. Um dos marcos é o facto de Yolanda Díaz ser a primeira mulher presidente em Espanha, mas também o facto de eu ser a primeira deputada saharaui a regressar ao Congresso dos Deputados para exigir responsabilidade e memória, o que é extremamente necessário.
«P - Porque se juntou a Sumar?
«R - Por muitas razões. Uma delas é o apoio inalienável à causa saharaui. Também por essa visão de futuro, essa visão verde. Penso que uma política baseada na visão de futuro, verde e feminista de Más Madrid, o partido que represento, deve estar muito presente. Posso contribuir não só com o meu lado técnico, mas também com as experiências que tive como saharaui, como migrante e como lutadora pelos direitos humanos.
«P - Uma legislatura marcada pela histórica mudança de posição sobre o Sahara Ocidental, assinada por um governo de esquerda, chega ao fim de forma precipitada. São muitos os saharauis desiludidos …
«R - É legítimo e normal que o estejam. O povo saharauí foi muito enganado, está frustrado. Nunca houve uma vontade política; há uma vontade de solidariedade, mas a solidariedade, mesmo a solidariedade política, é inútil. No conflito saharaui, temos de assumir a nossa responsabilidade, temos de o abordar com coragem, a partir desta visão obviamente cosmopolita dos direitos humanos. No fim de contas, se aceitarmos os direitos humanos para alguns povos e não para outros, caímos na mesma dinâmica.
«Só peço um voto de confiança. Sou uma pessoa que vê a política e os desafios como uma corrida de fundo. Pela primeira vez na história vamos estar dentro de um governo numa democracia e isso pode abrir um precedente. Podemos aprender muito com esta fase. Os meus compatriotas dizem-me para não esquecer o meu povo. Nasci a fazer política para o povo saharauí e continuarei a fazê-lo.
«P - O que vimos no último ano e meio é que a Unidas Podemos rejeitou publicamente esta mudança, mas manteve-se no Executivo. Não tem medo de ser desiludida pela política?
«R - Não lhe chamaria medo. Encaro-o como um desafio. Tal como acontece com um engenheiro informático. Para mim, é um acto de responsabilidade. Estarei sempre ao lado das bases, do povo saharauí. Escutá-los-ei, estarei muito próximo deles, deixarei que me guiem e me ajudem. Sem eles no exterior, também não posso fazer muito no interior. É possível mudar a agenda de um país graças aos movimentos de base. Não tenho medo porque sei o que é a frustração. Nunca pensei estar na política institucional e pensei que seria o trabalho dos meus filhos, mas é um desafio.
«P – Com estes antecedentes, porque é que a posição de Sumar seria diferente num hipotético executivo de coligação?
«R - O Sumar é uma coligação de muitos partidos progressistas e poderá fazer uma forte pressão. Para além disso, há muitas pessoas em Sumar que acreditam e são fortes aliados do povo saharaui e apoiam a sua justa causa.
«P - Yolanda Díaz é sensível à causa saharaui?
«R - É uma mulher muito inteligente e muito empenhada na defesa dos direitos humanos. Vi como fala do seu pai e da sua filha. É aquilo a que chamo enraizamento geracional, a necessidade de transmitir valores. Ela deixou bem claro: Marrocos é uma ditadura. O povo saharauí tem o legítimo direito de recuperar a sua terra e tenho a certeza de que ela estará de acordo com isso. É verdade que um governo de coligação é complexo, as instituições são complexas e eu estou a falar de fora, mas sei que o seu compromisso com o povo saharauí é inalienável e o de Sumar também. Sei que a diplomacia é complexa.
«P - O que deve a Espanha fazer no conflito saharaui?
«R - Dirigir o processo de descolonização e não ser um actor do lado de Marrocos, mas um actor do lado dos direitos fundamentais e do direito internacional. Este é o único caminho a seguir. Regressar às posições e às negociações da ONU.
«P - Mas a percepção que se tem é que Marrocos consegue sempre torcer o braço aos políticos espanhóis …
«R - Marrocos, graças também à pilhagem dos recursos naturais do povo saharauí, tem muito dinheiro e influência na Europa e, nos últimos anos, sempre teve o apoio dos governos e políticos franceses. Tem muitos tentáculos, mas espero que, graças à digitalização, tenhamos cada vez mais transparência e consigamos atar as pontas soltas mais rapidamente. Para mim, o lobby marroquino tem os dias contados graças a esta digitalização. Mas é verdade que é inexplicável porque é que a Espanha é tão refém de Marrocos e quando é que deixámos que isso acontecesse. Todos os presidentes de governo socialistas se curvaram perante Marrocos. Não tenho qualquer explicação para este facto. Estou à espera do Pegasus para ver o que nos dizem estes dados. É um mistério porque é que a Espanha, um país de referência em direitos humanos e feminismo, se verga desta forma. Vimos Pedro Sánchez desenterrar um ditador em Espanha e visitar o túmulo do ditador Hassan II. Para mim, que venho logicamente de uma formação de esquerda progressista, não o compreendo. Muitos socialistas também se colocarão a mesma questão. Daí a importância de separar Sánchez da militância, que tem os seus valores e a sua solidariedade. Foram anos de concessões a Marrocos que precisam de ser reduzidas à sua dimensão.
«P - Como avalia a relação de Espanha com Marrocos?
«R - Penso que ultrapassámos todos os limites das concessões. Sobretudo na política externa, a Espanha está refém de Marrocos. É verdade que a Espanha também se complica porque precisa do apoio dos Estados Unidos para certas decisões, e Marrocos usa os seus próprios cidadãos e o povo africano para nos chantagear. A migração é uma questão muito sensível. O povo saharaui e a POLISARIO não dizem não às relações de boa vizinhança com Marrocos. É óbvio que devemos ter uma boa relação com Marrocos, mas o massacre de Melilla e os massacres contínuos ultrapassaram as concessões. No fundo, somos reféns de Marrocos. Não o compreendo e espero que possamos inverter esta situação. Penso que os direitos humanos devem ser promovidos acima de tudo. Em Marrocos, ao promovermos uma ditadura, estamos a prestar um mau serviço ao povo marroquino. (…).
«P - A escolha de Agustín Santos como número dois de Sumar ofendeu muitos saharauis, que recordaram a sua intervenção como diplomata no caso Aminetou Haidar …
«R - Ainda não tive oportunidade de falar com ele, mas é legítimo que o povo saharauí sinta desconfiança. As pessoas não imaginam a dimensão dos danos que a decisão de Pedro Sánchez causou ao povo saharauí e a todas as famílias socialistas que acolhem crianças saharauís. O Agustín é um diplomata e todas as decisões que teve de tomar foram obviamente em nome do seu país. O Sumar tem a sua posição sobre a questão do Sahara. Mesmo os documentos publicados há alguns meses sobre questões internacionais mostram o apoio à autodeterminação e à posição da legalidade internacional. No que acredito é o que podemos fazer a partir de agora através do debate interno, falando com ele e aprendendo também com ele.
«P - Deverá Marrocos estar preocupado com a sua chegada ao Congresso?
«R - Penso que sim. É algo de novo para Marrocos, embora seja necessário fazer uma distinção entre a sociedade civil e o governo. Muitos migrantes marroquinos identificam-se comigo, independentemente do conflito. Todos aqueles que não respeitam os direitos humanos deveriam estar preocupados. (…).
«P – Em Agosto, quando o Congresso estiver constituído, o que vai mudar na Câmara com a Tesh lá dentro?
«R - Espero trazer humor, muito pensamento técnico, ágil e decisivo para os problemas, porque ser migrante e saharaui significa nascer a sobreviver, nascer a ser decisivo, nascer a pensar no futuro, no próximo desafio. E isso complementa-se muito bem com o meu lado técnico. Todos os dias sou uma solucionadora de problemas. (…).»
A entrevista de Santos Maraver à agência EFE obrigou a um esclarecimento por parte do porta-voz do Sumar, Ernest Urtasun, ao assegurar que o programa eleitoral daquela plataforma incluirá a proposta de realização de um referendo de autodeterminação para o Sahara Ocidental, «em conformidade com o mandato das Nações Unidas». No dia seguinte, questionado no programa Onda Cero sobre as contradições existentes entre as declarações de Maraver e as de Tesh Sidi, Urtasun reconheceu que «Marrocos não é obviamente uma democracia» porque não existe a separação de poderes. E insistiu que a posição de Sumar é a defesa da livre autodeterminação do Sahara Ocidental, no pleno respeito das resoluções da ONU, e uma política em relação a Marrocos de defesa dos direitos humanos, como em qualquer parte do mundo.