domingo, 4 de junho de 2023

O “DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS” NO DIREITO INTERNACIONAL

(Boletim nº 121 - Junho 2023)

Quando a guerra regressou à Europa com a invasão da Ucrânia pela Rússia, vários observadores chamaram a atenção para as diferenças de posicionamento da “comunidade internacional” perante esta invasão e a invasão do Sahara Ocidental por Marrocos.

A declaração do Sr. Dmytro Kuleba em Rabat

Em 22 de Maio passado Dmytro Kuleba, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia e, desde 2016, representante permanente do seu país no Conselho da Europa, deslocou-se a Marrocos.
O voto dos Estados africanos na Assembleia Geral da ONU de 2 de Março de 2022 – onde das 35 abstenções 15 eram africanas e um (Marrocos, precisamente) ausentou-se da sala – terá pesado nesta decisão do governo ucraniano. Embora alguns observadores considerem que as dificuldades crescentes dos E.U.A. no controlo da região do Médio-Oriente e Norte de África, com o papel unificador da Argélia na resistência palestiniana, terão levado a administração norte-americana a “incentivar” esta viagem, a primeira de um périplo pelo continente africano.
O que surpreendeu nesta visita do ministro foi «o seu apoio ao plano de autonomia, apresentado por Marrocos em 2007, como uma base "séria e credível" para a solução "bem sucedida" da questão do Sahara», expresso «durante uma conferência de imprensa conjunta com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Nasser Bourita, após as suas conversações em Rabat. O Sr. Kuleba afirmou ainda que tanto a Ucrânia como Marrocos conhecem o valor da soberania e da integridade territorial. (…).»
Um dos que reagiu a esta notícia foi Luis Portillo Pasqual del Riquelme, um antigo professor de Estrutura Económica Internacional na Universidade Autónoma de Madrid e membro do Centro de Estudos sobre o Sáhara Ocidental (CESO) da Universidade de Santiago de Compostela, do Foro Milicia y Democracia e do Movimiento por los Presos Políticos Saharauis en Cárceles Marroquíes (Movimento pelos Presos Políticos Saharauis nas Prisões Marroquinas), que escreveu uma carta aberta ao embaixador da Ucrânia acreditado em Madrid:
«Exmo. Sr. Embaixador.
«Surpreendidos e chocados, tomámos conhecimento – por acaso – de que o Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano se deslocou a Marrocos para prestar homenagem ao Rei Mohammed VI e curvar-se perante a sua ocupação militar ilegal do território do Sahara Ocidental.
«Estamos chocados com esta barbárie inaudita, porque a grande maioria da população mundial é a favor do respeito pela lei e da paz entre as nações.
«E é por isso que nos opusemos veementemente à guerra e à invasão da Ucrânia pelo regime de Putin, tal como nos opomos, e pelas mesmas razões, à invasão e ocupação do território do Sahara Ocidental pelo criminoso regime marroquino.
«O Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano não só seguiu os passos do supremacista ex-presidente dos E.U.A., Donald Trump, nos estertores da morte do seu desastroso mandato presidencial, como expressou ao regime criminoso marroquino, e a todo o mundo, o apoio aos mesmos abusos que vós, ucranianos, rejeitais do regime russo de Putin.
«Não compreendemos a desinformação com que o Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano se deslocou a Marrocos, nem o mal que vos foi feito pelo povo saharauí, que luta tão heroicamente contra o invasor marroquino sem a ajuda desproporcionada de todo o tipo que o povo ucraniano recebe das poderosas potências ocidentais.
«É uma contradição absoluta e um escândalo o facto de apelarem ao respeito pela integridade territorial da Ucrânia por parte da Rússia e, no entanto, abençoarem a anexação ilegal do território saharaui pelo inqualificável regime do Moroccogate.
«Ficar-lhe-ia grato se transmitisse estas linhas, juntamente com o mal-estar e a indignação de muitas cidadãs e cidadãos de Espanha, ao Presidente da Ucrânia, Volodomir Zelenski.
«Não vos desejamos a sorte a que condenais o povo saharaui. (...).»
A comunidade saharaui no exílio também manifestou publicamente a sua indignação por esta atitude da parte de um governo que tinha a obrigação de ser particularmente sensível ao processo de invasão e ocupação do Sahara Ocidental.
«Enquanto denuncia a "invasão" do seu país, Zelenski apoia Marrocos na sua ocupação militar do Sahara Ocidental.
«(…). A Ucrânia não pode ser invadida, mas o Sahara Ocidental pode.
«No contexto da guerra russa e da "invasão" da Ucrânia, o país de Zelenski, que denuncia em todos os fora mundiais a invasão russa da sua nação, apoiou hoje a anexação e a ocupação marroquina de partes da República saharaui. "O Plano de Autonomia, apresentado por Marrocos em 2007, é uma base "séria e credível" para a solução "bem sucedida" da questão do Sahara Ocidental", indicou o chefe da diplomacia ucraniana a partir de Rabat.
«No entanto, condenar a invasão e a anexação russa da Ucrânia e apoiar a invasão e a ocupação marroquina dos territórios do Sahara Ocidental é um facto sem precedentes. Impedir um país de expandir o seu território pela força é um princípio fundamental das Nações Unidas. (…).»
Uma curiosidade final: em 2019 Dmytro Kuleba publicou um livro com o sugestivo título «The War for Reality. How to Win in the World of Fakes, Truths and Communities».


 


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