(Boletim nº 121 - Junho 2023)
Quando a guerra regressou à Europa com a invasão da Ucrânia pela Rússia, vários observadores chamaram a atenção para as diferenças de posicionamento da “comunidade internacional” perante esta invasão e a invasão do Sahara Ocidental por Marrocos.
A declaração do Sr. Dmytro Kuleba em Rabat |
Em 22 de Maio passado Dmytro Kuleba, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia e, desde 2016, representante permanente do seu país no Conselho da Europa, deslocou-se a Marrocos.
O voto dos Estados africanos na Assembleia Geral da ONU de 2 de Março de 2022 – onde das 35 abstenções 15 eram africanas e um (Marrocos, precisamente) ausentou-se da sala – terá pesado nesta decisão do governo ucraniano. Embora alguns observadores considerem que as dificuldades crescentes dos E.U.A. no controlo da região do Médio-Oriente e Norte de África, com o papel unificador da Argélia na resistência palestiniana, terão levado a administração norte-americana a “incentivar” esta viagem, a primeira de um périplo pelo continente africano.
O que surpreendeu nesta visita do ministro foi «o seu apoio ao plano de autonomia, apresentado por Marrocos em 2007, como uma base "séria e credível" para a solução "bem sucedida" da questão do Sahara», expresso «durante uma conferência de imprensa conjunta com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Nasser Bourita, após as suas conversações em Rabat. O Sr. Kuleba afirmou ainda que tanto a Ucrânia como Marrocos conhecem o valor da soberania e da integridade territorial. (…).»
Um dos que reagiu a esta notícia foi Luis Portillo Pasqual del Riquelme, um antigo professor de Estrutura Económica Internacional na Universidade Autónoma de Madrid e membro do Centro de Estudos sobre o Sáhara Ocidental (CESO) da Universidade de Santiago de Compostela, do Foro Milicia y Democracia e do Movimiento por los Presos Políticos Saharauis en Cárceles Marroquíes (Movimento pelos Presos Políticos Saharauis nas Prisões Marroquinas), que escreveu uma carta aberta ao embaixador da Ucrânia acreditado em Madrid:
«Exmo. Sr. Embaixador.«Surpreendidos e chocados, tomámos conhecimento – por acaso – de que o Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano se deslocou a Marrocos para prestar homenagem ao Rei Mohammed VI e curvar-se perante a sua ocupação militar ilegal do território do Sahara Ocidental.«Estamos chocados com esta barbárie inaudita, porque a grande maioria da população mundial é a favor do respeito pela lei e da paz entre as nações.«E é por isso que nos opusemos veementemente à guerra e à invasão da Ucrânia pelo regime de Putin, tal como nos opomos, e pelas mesmas razões, à invasão e ocupação do território do Sahara Ocidental pelo criminoso regime marroquino.«O Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano não só seguiu os passos do supremacista ex-presidente dos E.U.A., Donald Trump, nos estertores da morte do seu desastroso mandato presidencial, como expressou ao regime criminoso marroquino, e a todo o mundo, o apoio aos mesmos abusos que vós, ucranianos, rejeitais do regime russo de Putin.«Não compreendemos a desinformação com que o Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano se deslocou a Marrocos, nem o mal que vos foi feito pelo povo saharauí, que luta tão heroicamente contra o invasor marroquino sem a ajuda desproporcionada de todo o tipo que o povo ucraniano recebe das poderosas potências ocidentais.«É uma contradição absoluta e um escândalo o facto de apelarem ao respeito pela integridade territorial da Ucrânia por parte da Rússia e, no entanto, abençoarem a anexação ilegal do território saharaui pelo inqualificável regime do Moroccogate.«Ficar-lhe-ia grato se transmitisse estas linhas, juntamente com o mal-estar e a indignação de muitas cidadãs e cidadãos de Espanha, ao Presidente da Ucrânia, Volodomir Zelenski.«Não vos desejamos a sorte a que condenais o povo saharaui. (...).»
A comunidade saharaui no exílio também manifestou publicamente a sua indignação por esta atitude da parte de um governo que tinha a obrigação de ser particularmente sensível ao processo de invasão e ocupação do Sahara Ocidental.
«Enquanto denuncia a "invasão" do seu país, Zelenski apoia Marrocos na sua ocupação militar do Sahara Ocidental.«(…). A Ucrânia não pode ser invadida, mas o Sahara Ocidental pode.«No contexto da guerra russa e da "invasão" da Ucrânia, o país de Zelenski, que denuncia em todos os fora mundiais a invasão russa da sua nação, apoiou hoje a anexação e a ocupação marroquina de partes da República saharaui. "O Plano de Autonomia, apresentado por Marrocos em 2007, é uma base "séria e credível" para a solução "bem sucedida" da questão do Sahara Ocidental", indicou o chefe da diplomacia ucraniana a partir de Rabat.«No entanto, condenar a invasão e a anexação russa da Ucrânia e apoiar a invasão e a ocupação marroquina dos territórios do Sahara Ocidental é um facto sem precedentes. Impedir um país de expandir o seu território pela força é um princípio fundamental das Nações Unidas. (…).»
Uma curiosidade final: em 2019 Dmytro Kuleba publicou um livro com o sugestivo título «The War for Reality. How to Win in the World of Fakes, Truths and Communities».
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