quinta-feira, 4 de maio de 2023

RÚSSIA AGITA O CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS

 (Boletim nº 120 - Maio 2023)

Assumindo a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU, a Rússia informou o Secretário-geral (SG) que, para a agenda de Abril, iria trazer à discussão a questão do Sahara Ocidental, incluindo a realização de briefings com o Enviado Pessoal do SG das Nações Unidas para aquele território, Staffan De Mistura e com o chefe da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), o russo Alexander Ivanko. 

Uma difícil e desamparada mediação

No início de Abril

Visando desbloquear o processo político parado há vários anos, Staffan De Mistura encetou
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Agência EFE, 29-03-2023.
uma ronda de contactos em Nova Iorque, que se iniciou no passado dia 30 de Março com o SG da ONU, António Guterres. Nessa reunião, De Mistura informou sobre os resultados das «consultas informais e bilaterais» que manteve com «os representantes de todas as partes implicadas no conflito».
Perante o fracasso de um ano e meio de desempenho das suas funções, durante o qual não conseguiu juntar à mesa de negociações Marrocos e a Frente POLISARIO, nem visitar o território ocupado do Sahara Ocidental por interdição do governo marroquino, o porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric, disse em 29 de Março passado que os contactos «bilaterais informais» promovidos por De Mistura, para além de Marrocos e da FPOLISARIO, envolveram também representantes da Argélia, da Mauritânia e dos países membros do chamado "Grupo de Amigos do Sahara Ocidental" (Espanha, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos).
No âmbito destas consultas, o representante saharaui junto da ONU, Sidi Mohamed Omar, relevou novamente que «uma solução pacífica, justa e duradoura para a questão da descolonização do Sahara Ocidental só pode ser alcançada com base no pleno respeito pelo direito inalienável, inegociável e intemporal do povo saharaui à autodeterminação e à independência», pressuposto que Marrocos nega reiteradamente, como se confirmou pelas suas últimas declarações no Conselho de Direitos Humanos da ONU e que veremos mais à frente.
Tal como já efectuado em 2022, De Mistura apresentou o relatório semestral de acompanhamento do dossier ao CSNU no mês de Abril
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A Resolução nº 2654, adoptada pelo Conselho de Segurança em 27 de Outubro de 2022, solicita ao Secretário-geral que informe o CS sobre o dossier num período máximo de seis meses, caso não ocorra outra urgência.
, pelo que o objectivo imediato das consultas bilaterais levadas a cabo foi actualizar a informação a prestar aos países membros do Conselho e "preencher o vazio" de resultados em que a sua missão se encontra.
De Mistura, desde o início das suas funções não tem tido uma tarefa fácil sem que, no entanto, isso o tenha impedido de levar avante os seus esforços de mediação, apesar dos obstáculos criadas por Marrocos. Por um lado, tem um mandato frágil, sem poderes que facilitem a sua capacidade de deslocação no território saharaui ou a sua margem de manobra; por outro, a posição ambígua de países como os EUA não se alterou relativamente e, finalmente, Marrocos tem actuado usufruindo da inacção da ONU, a qual, por exemplo, não condena a ocupação marroquina de posições adicionais no Sahara Ocidental (El Guergarat, Novembro de 2020) ou a não autorização dada a De Mistura para visitar os territórios saharauis ocupados. Não estão ainda reunidas condições que obriguem as potências ocidentais a alterar a sua posição, permitindo a Marrocos uma intransigência na tentativa de impor o seu projecto de autonomia.
Apesar de tomadas de posição diplomáticas divergentes por parte de diversos governos ocidentais, Marrocos não tem conseguido obter a legitimação internacional da ocupação do Sahara Ocidental e receia uma alteração de forças num mundo actual efervescente e de alguma forma imprevisível.
Marrocos continuará certamente a promover a fórmula política da autonomia, mas para o mediador da ONU atingir um novo patamar negocial, serão precisas novas concessões das partes, de forma a ultrapassar esta situação aparentemente insustentável.
Espera-se que a longa experiência de De Mistura lhe permita aproveitar a oportunidade de, no momento certo, apresentar, de forma consequente, novas propostas de negociação.
Entretanto, a ONU reafirma, na sua última edição de mapas, os limites reconhecidos para o Sahara Ocidental, negando as pretensões expansionistas de Marrocos que é apresentado com as suas fronteiras reconhecidas internacionalmente e, consequentemente, o território não-autónomo do Sahara Ocidental visivelmente separado.

No fim de Abril

De acordo com o planeado, o Conselho de Segurança (CS) realizou no passado dia 19 de Abril a reunião semestral sobre o Sahara Ocidental, à porta fechada, tendo como enquadramento um programa mensal de debates deste órgão da ONU sobre a paz e a segurança mundiais.
Durante esta reunião, os membros do CS ouviram a exposição de De Mistura, sobre os últimos desenvolvimentos (ou ausência deles…), incluindo os resultados das prévias consultas informais, nomeadamente com as duas partes em conflito, Marrocos e a Frente POLISARIO.
De Mistura passou igualmente em revista o trabalho da MINURSO (incluindo a evolução da situação no terreno), juntamente com o seu Chefe, o russo Alexander Ivanko, bem como a forma de relançar o processo político para chegar a uma solução para o problema.
Durante a reunião, foi possível apurar que Malta, membro não permanente do CS, apelou às duas partes em conflito para que cooperem com o enviado da ONU, sublinhando o papel importante da MINURSO como garante da estabilidade.
Aparentemente, nada de relevante sobressai desta reunião, conformando uma continuidade na situação político-diplomática vigente.
No âmbito da presidência rotativa assumida pela Rússia, no passado dia 25 de Abril o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, presidindo a uma reunião do CS da ONU, acusou abertamente o Ocidente de violar e sabotar resoluções da Assembleia Geral (AG) das Nações Unidas relacionadas, nomeadamente, com os conflitos do Sahara Ocidental e da Palestina. «É altura de o Ocidente informar a AG da ONU sobre as resoluções que foram sabotadas», acrescentou Lavrov.
Lavrov responsabilizou ainda o Ocidente por «estrangular o multilateralismo» e de não respeitar a soberania dos países, um dos pilares sobre os quais a ONU foi fundada. Acrescentou também que «os Estados Unidos enveredaram pelo caminho da destruição da globalização, que durante muitos anos apresentaram como o maior benefício para a humanidade».

Entretanto no Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH)

Em Novembro de 2022, no âmbito do funcionamento do CDH, Marrocos foi objecto da quarta Revisão Periódica Universal. Nesta revisão o governo marroquino recebeu 306 recomendações para melhorar a situação de DH, no país e no território do Sahara Ocidental sob sua ocupação.
Concretamente, vários Estados intervenientes apresentaram recomendações sobre o Sahara Ocidental, incluindo apelos a Marrocos para que respeite o direito do povo saharaui à autodeterminação e à preservação dos seus recursos naturais. Estas recomendações foram apresentadas pela Namíbia, por Timor-Leste, pela Venezuela e pela Argélia, e apelam essencialmente à organização do referendo de autodeterminação no Sahara Ocidental (que Marrocos aceitou no projecto de acordo da ONU de 1988 que pôs fim à guerra no SO), e que cesse a pilhagem marroquina dos recursos naturais do território ocupado.
No dia 24 de Março de 2023, Marrocos tomou a palavra no CDH para responder às recomendações recebidas cinco meses antes, rejeitando na íntegra todas as recomendações sobre a autodeterminação saharaui, com o argumento de que a questão não é do foro do Conselho.


 


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