quinta-feira, 4 de maio de 2023

ESPANHA: «O ESTRANHO CASO DA CARTA ESCONDIDA»

(Boletim nº 120 - Maio 2023)

As relações do governo de Espanha com o regime marroquino continuam a gerar internamente um grande mal-estar e alguma crispação política, de que a comunicação social do país se tem feito eco. O detonador desta situação foi, não só o reconhecimento por parte do governo de Pedro Sánchez da “marroquinidade” do Sahara Ocidental, mas também as circunstâncias que rodearam esse reconhecimento.

Pacto de silêncio

Como nos lembra Antonio R. Naranjo, jornalista no jornal El Debate, «Foi Mohammed VI quem anunciou que Marrocos tinha alcançado um objectivo histórico e que a Espanha cedia a sua posição de destaque na sua antiga colónia, provocando uma crise diplomática com a Argélia que ainda hoje perdura.
«E fê-lo revelando a alegada carta que, dias antes, lhe tinha sido enviada por Pedro Sánchez, o mesmo Presidente que, antes de chegar àquele momento, tinha recebido o líder da Frente POLISARIO em Espanha e sido espiado através do seu telemóvel pessoal.
«Mas dessa carta original, chave para a reviravolta internacional, nunca se conheceu o original, perdido num estranho labirinto de versões em duas línguas, fugas de informação em benefício próprio e difusões extravagantes pelo destinatário sem o conhecimento do autor.
«Até agora. Porque o Conselho de Transparência e Bom Governo protegeu o El Debate, com uma resolução de grande importância que obriga Pedro Sánchez a enviar, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, até três documentos-chave para compreender a decisão mais relevante, unilateral e com efeitos secundários, adoptada pelo Presidente do Governo.
«Assim, este jornal deverá receber em breve o original da carta alegadamente redigida em francês pelo Governo, a cópia oficial da carta traduzida para espanhol e, numa decisão inédita que afecta terceiros, a "cópia do documento através do qual a carta foi enviada ao jornal El País e a data em que foi enviada". (…).
«Rabat vendeu a decisão de Sánchez de aceitar a posição de Marrocos sobre a questão em parágrafos que provocaram o entusiasmo de Mohamed VI: "Reconheço a importância da questão do Sahara Ocidental para Marrocos e os esforços sérios e credíveis de Marrocos, no quadro das Nações Unidas, para encontrar uma solução mutuamente aceitável. Neste sentido, a Espanha considera a proposta marroquina de autonomia apresentada em 2007 como a base mais séria, credível e realista para a resolução deste diferendo". (…).
«Cinco dias após o gesto de Marrocos, pouco usual nas relações internacionais, a carta em questão permaneceu em segredo para as forças parlamentares e, provavelmente, para a própria Casa Real, apesar de o Rei ter poderes constitucionais para representar a Espanha perante o mundo. Todos eles só tiveram conhecimento da tradução espanhola, com gralhas e erros gramaticais, através do El País.
«As tentativas infrutíferas da oposição para obter o original supostamente apresentado por Sánchez chegaram agora ao fim, após uma longa disputa entre o El Debate e o governo, que terminou com uma resolução do Conselho de Transparência muito crítica em relação aos atrasos de Sánchez: (…).
«A resolução arrasa igualmente as desculpas apresentadas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros a este jornal para lhe negar o acesso à documentação oficial da viragem sobre o Sahara, com base na sensibilidade do seu conteúdo e nas consequências diplomáticas que a sua divulgação poderia ter: "Trata-se de um pedido de documentos deste Ministério (ou de outros Ministérios), relacionados com a tomada de decisões em matéria de política externa. O carácter confidencial destes documentos justifica-se pela necessidade de evitar prejuízos para as relações externas e pela confidencialidade das decisões políticas. Note-se que este tipo de documentos reflecte apreciações e posições políticas sobre a situação noutros países, cuja eventual publicidade provocaria reacções em países terceiros e poderia pôr em causa as relações bilaterais com governos estrangeiros. Por todas estas razões, considera-se que se justifica o carácter confidencial destes documentos", defendeu o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Agosto passado, numa tentativa de travar este jornal. (…).
«O procedimento pelo qual El Debate deve receber uma cópia de todas as cartas e o canal utilizado para as transmitir ao El País teve início a 15 de Junho de 2022 e impõe ao Governo a obrigação de enviar toda a documentação no prazo de dez dias úteis. Por outras palavras, rapidamente.
«Quando as ordens forem cumpridas, será possível saber onde foram escritas as cartas, quem foram os seus autores e como explicar o misterioso desencontro entre versões, línguas, prazos e canais de divulgação, que chegou a estimular o rumor infundado de que o verdadeiro autor original era Marrocos e que depois a Espanha o teria feito seu.»
Mas o silêncio não se rompeu nem quando o presidente do governo de Espanha compareceu perante o parlamento, como relatou Ana Martin no mesmo jornal:
«Na sua comparência no Congresso, nesta quarta-feira [19 de Abril], o chefe do Executivo voltou a dar uma resposta silenciosa a todas e cada uma das questões pendentes que lhe foram colocadas pelos porta-vozes parlamentares.
«É algo a que todos estão habituados, porque, nestes 13 meses, nem Sánchez nem o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Albares, explicaram publicamente o que está por detrás do reconhecimento do plano de autonomia marroquino para a antiga colónia espanhola, do qual nem Felipe VI tinha conhecimento, como este jornal revelou. Nem se tem alguma coisa a ver com as informações roubadas do telemóvel do Presidente através do sistema de espionagem Pegasus. (…).
«Tudo o que o Presidente fez na quarta-feira foi desafiar o PP, caso tenha um "programa alternativo" para Marrocos, a apresentá-lo em pormenor aos espanhóis. Isso e elogiar Marrocos por ser um "amigo" e "aliado essencial" de Espanha. Um país em cujas mãos está a torneira migratória. De facto, Sánchez vangloriou-se de que a rota atlântica é a única que está a diminuir, enquanto a migração ilegal está a crescer nas restantes. Segundo ele, no primeiro trimestre de 2023, a entrada de migrantes sem documentos através de Ceuta e Melilha diminuiu 78% em relação ao ano passado e 63% no caso das Ilhas Canárias.
«A Espanha está interessada na cooperação do reino de Mohammed VI não só em questões de imigração ilegal e terrorismo. Está também interessada nas oportunidades de negócio que se abrem num país que, até 2050, vai partilhar um bolo de 45 mil milhões de euros em investimentos em infra-estruturas, com empresas francesas e chinesas a apresentarem propostas muito sedutoras.
«E Marrocos está interessado noutras coisas para além da mudança de posição sobre o Sahara. Interessa-lhe que o dinheiro espanhol circule na sua economia. De facto, a cimeira de Fevereiro serviu, entre outras coisas, para que o Governo de Sánchez duplicasse a linha de crédito para as empresas espanholas que investem em Marrocos: de 400 milhões para 800 milhões. E também para que Espanha sirva de ponte entre o reino alauita e a União Europeia.
«Na sua intervenção, o Presidente sublinhou que Espanha não está sozinha, mas que a sua posição sobre o Sahara é a mesma que a de França, Alemanha, Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo, Hungria, Roménia, Chipre, Áustria e Grécia. É precisamente com o presidente de um dos grandes aliados de Marrocos, os Estados Unidos, que Sánchez se reunirá no dia 12 de Maio na Casa Branca, segundo informou [o Palácio da] Moncloa na tarde de quarta-feira.
«Há apenas um mês, o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken encontrou-se com o seu homólogo marroquino e reiterou publicamente o apoio dos EUA ao plano de autonomia de Mohamed VI para o Sahara Ocidental. Uma proposta "séria, credível e realista", como lhe chamou.»
Outros elementos da construção desta teia relacional têm, entretanto, vindo a subir à praça pública, como é o caso do processo que o governo de Madrid reconheceu, no passado dia 23 de Março, estar em curso para a transferência para Marrocos do controlo do espaço aéreo da antiga colónia espanhola, até agora gerido a partir das Ilhas Canárias «conforme estabelecido no mapa da Organização da Aviação Civil Internacional, uma agência da ONU que supervisiona a aviação civil internacional.» «Foram iniciadas conversações com Marrocos neste domínio». As conversações «limitam-se à gestão do espaço aéreo e à coordenação entre as duas partes no interesse de ligações mais seguras e da cooperação técnica».
Esta comunicação «surge poucos dias depois de fontes do Instituto Cervantes terem dito ao El Independiente que o Instituto estava prestes a desembarcar em El Aaiún, a capital dos territórios do Sahara Ocidental ocupados por Marrocos, em mais um passo para o reconhecimento da soberania marroquina sobre o último território do continente africano pendente de descolonização.»
Na ocasião a Frente POLISARIO «publicou um comunicado em que rejeita os contactos entre Rabat e Madrid para a transferência do espaço aéreo saharaui. (…), "sem ter em conta a legalidade internacional e contra todas as forças políticas e a sociedade civil espanhola".» E no qual «condena igualmente a ideia de abrir uma extensão do Instituto Cervantes na cidade ocupada de El Aaiún, "o que põe em causa a credibilidade desta instituição e a coloca ao serviço de Marrocos para branquear a ocupação militar do Sahara Ocidental".»
Em todo este processo transparece a clara fraqueza de Madrid perante o desafio que o regime marroquino lhe colocou, como, aliás, a de toda a União Europeia, que não tem sido capaz de ter uma política externa autónoma, assente nos princípios e valores com que os seus políticos e representantes enchem a boca. É uma mera “Maria vai com as outras”. Por maus caminhos.


 


GEO XADREZ: A «ABERTURA BRICS»

(Boletim nº 120 - Maio 2023)

«Os Vice-Ministros dos Negócios Estrangeiros e os Enviados Especiais do BRICS para o Médio Oriente e o Norte de África (MENA) reuniram-se em 26 de Abril de 2023, em formato híbrido, na Cidade do Cabo, África do Sul, para trocar opiniões sobre a situação actual na região.» Da qual faz parte o Sahara Ocidental.

«Em conformidade com o Direito Internacional»

A primeira referência formal à plataforma geopolítica formada pelo Brasil, Rússia, Índia e China (e daqui a designação BRIC) é de 2006, com a realização da sua primeira cimeira ao mais alto nível em 2009. Com a entrada da África do Sul em 2010 a sigla passou a BRICS. A rotina das suas cimeiras e a multiplicação das suas iniciativas — de que a criação do Novo Banco de Desenvolvimento em 2014 é um exemplo – tornaram-na um agente incontornável na luta pela nova hegemonia mundial, tendo vindo a crescer o número de Estados que pretendem integrá-la.
Do encontro na Cidade do Cabo saiu uma «declaração conjunta» onde é passada em revista a situação política, económica e social da região MENA e sugeridas pistas para a procura de soluções para os problemas com que se confronta.
A declaração começa por afirmar que os Vice-ministros «Consideraram que a crescente instabilidade e incerteza mundiais tiveram um impacto negativo na paz, segurança e desenvolvimento mundiais, incluindo na região. Defenderam o reforço do quadro multilateral das relações internacionais, opondo-se simultaneamente ao unilateralismo e promovendo a paz, a estabilidade e o desenvolvimento na região do Médio Oriente e Norte de África. (…). Salientaram a importância de abordar os conflitos e as questões de segurança através do diálogo e de consultas inclusivas de forma coordenada e cooperativa. Um Médio Oriente e um Norte de África pacíficos e prósperos são do interesse de todo o mundo.»
E mais à frente: «Reafirmaram o seu empenhamento no princípio básico de que a paz e a segurança na região MENA devem ser alcançadas e mantidas em conformidade com o direito internacional e a Carta das Nações Unidas (ONU) e no pleno respeito por estes princípios. Reafirmaram o papel primordial do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) na manutenção da paz e da segurança internacionais. Reconheceram o importante papel desempenhado pelas organizações regionais, incluindo a Liga dos Estados Árabes (LSA) e a União Africana (UA), na abordagem das ameaças à paz e à segurança, em conformidade com o Capítulo VIII da Carta das Nações Unidas. A este respeito, saudaram o papel desempenhado pela UA e o papel de liderança do Conselho de Paz e Segurança da UA (PSC) na promoção da paz, da segurança e da estabilidade no Norte de África.»
Os Vice-ministros também «Salientaram que a paz e a estabilidade na região do Médio Oriente e do Norte de África exigem a cooperação e a integração para o desenvolvimento. (…). Apelaram à comunidade internacional para que ajude os países [da região] MENA a atingir os seus objectivos de desenvolvimento.» E no que pode ser interpretado como uma crítica às posições dos países que se insurgem contra a invasão da Ucrânia pela Rússia enquanto olham com benevolência e cumplicidade a ocupação da Palestina por Israel e a invasão do Sahara Ocidental por Marrocos: «Além disso, salientaram a importância do papel de coordenação da ONU e a oposição à duplicidade de critérios.»
A declaração aborda depois oito situações concretas: cinco no Médio Oriente — Palestina, Síria, Líbano, Iémene e Iraque – e três em África – Sahara Ocidental, Líbia e Sudão – não referindo o problema do Curdistão, a mais antiga herança do colonialismo franco-britânico na região.
Sobre o processo de descolonização do Sahara Ocidental é dito no §13:
«Salientaram a necessidade de se alcançar uma solução política duradoura e mutuamente aceitável para a questão do Sahara Ocidental, em conformidade com as resoluções pertinentes do Conselho de Segurança da ONU. Manifestaram o seu pleno apoio à implementação da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), ao Enviado Pessoal do CSNU para o Sahara Ocidental e aos seus esforços para fazer avançar o processo político que resultará no reatamento do diálogo entre as partes envolvidas.»
É uma posição matizada, onde as afirmações rotineiras das últimas reuniões do CSNU coexistem com a afirmação do papel da MINURSO – a realização do referendo no Sahara Ocidental.
A declaração conclui afirmando que os Vice-ministros «Acordaram em reunir-se novamente sob a presidência russa em 2024. A este respeito, reiteraram a necessidade de realizar consultas regulares sobre o Médio Oriente e o Norte de África, nomeadamente na ONU. Decidiram realizar consultas intercalares anuais a nível de trabalho de preparação para a reunião dos Vice-Ministros dos Negócios Estrangeiros e Enviados Especiais do BRICS sobre o Médio Oriente e o Norte de África (MENA).»


 


RÚSSIA AGITA O CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS

 (Boletim nº 120 - Maio 2023)

Assumindo a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU, a Rússia informou o Secretário-geral (SG) que, para a agenda de Abril, iria trazer à discussão a questão do Sahara Ocidental, incluindo a realização de briefings com o Enviado Pessoal do SG das Nações Unidas para aquele território, Staffan De Mistura e com o chefe da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO), o russo Alexander Ivanko. 

Uma difícil e desamparada mediação

No início de Abril

Visando desbloquear o processo político parado há vários anos, Staffan De Mistura encetou
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Agência EFE, 29-03-2023.
uma ronda de contactos em Nova Iorque, que se iniciou no passado dia 30 de Março com o SG da ONU, António Guterres. Nessa reunião, De Mistura informou sobre os resultados das «consultas informais e bilaterais» que manteve com «os representantes de todas as partes implicadas no conflito».
Perante o fracasso de um ano e meio de desempenho das suas funções, durante o qual não conseguiu juntar à mesa de negociações Marrocos e a Frente POLISARIO, nem visitar o território ocupado do Sahara Ocidental por interdição do governo marroquino, o porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric, disse em 29 de Março passado que os contactos «bilaterais informais» promovidos por De Mistura, para além de Marrocos e da FPOLISARIO, envolveram também representantes da Argélia, da Mauritânia e dos países membros do chamado "Grupo de Amigos do Sahara Ocidental" (Espanha, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos).
No âmbito destas consultas, o representante saharaui junto da ONU, Sidi Mohamed Omar, relevou novamente que «uma solução pacífica, justa e duradoura para a questão da descolonização do Sahara Ocidental só pode ser alcançada com base no pleno respeito pelo direito inalienável, inegociável e intemporal do povo saharaui à autodeterminação e à independência», pressuposto que Marrocos nega reiteradamente, como se confirmou pelas suas últimas declarações no Conselho de Direitos Humanos da ONU e que veremos mais à frente.
Tal como já efectuado em 2022, De Mistura apresentou o relatório semestral de acompanhamento do dossier ao CSNU no mês de Abril
1
A Resolução nº 2654, adoptada pelo Conselho de Segurança em 27 de Outubro de 2022, solicita ao Secretário-geral que informe o CS sobre o dossier num período máximo de seis meses, caso não ocorra outra urgência.
, pelo que o objectivo imediato das consultas bilaterais levadas a cabo foi actualizar a informação a prestar aos países membros do Conselho e "preencher o vazio" de resultados em que a sua missão se encontra.
De Mistura, desde o início das suas funções não tem tido uma tarefa fácil sem que, no entanto, isso o tenha impedido de levar avante os seus esforços de mediação, apesar dos obstáculos criadas por Marrocos. Por um lado, tem um mandato frágil, sem poderes que facilitem a sua capacidade de deslocação no território saharaui ou a sua margem de manobra; por outro, a posição ambígua de países como os EUA não se alterou relativamente e, finalmente, Marrocos tem actuado usufruindo da inacção da ONU, a qual, por exemplo, não condena a ocupação marroquina de posições adicionais no Sahara Ocidental (El Guergarat, Novembro de 2020) ou a não autorização dada a De Mistura para visitar os territórios saharauis ocupados. Não estão ainda reunidas condições que obriguem as potências ocidentais a alterar a sua posição, permitindo a Marrocos uma intransigência na tentativa de impor o seu projecto de autonomia.
Apesar de tomadas de posição diplomáticas divergentes por parte de diversos governos ocidentais, Marrocos não tem conseguido obter a legitimação internacional da ocupação do Sahara Ocidental e receia uma alteração de forças num mundo actual efervescente e de alguma forma imprevisível.
Marrocos continuará certamente a promover a fórmula política da autonomia, mas para o mediador da ONU atingir um novo patamar negocial, serão precisas novas concessões das partes, de forma a ultrapassar esta situação aparentemente insustentável.
Espera-se que a longa experiência de De Mistura lhe permita aproveitar a oportunidade de, no momento certo, apresentar, de forma consequente, novas propostas de negociação.
Entretanto, a ONU reafirma, na sua última edição de mapas, os limites reconhecidos para o Sahara Ocidental, negando as pretensões expansionistas de Marrocos que é apresentado com as suas fronteiras reconhecidas internacionalmente e, consequentemente, o território não-autónomo do Sahara Ocidental visivelmente separado.

No fim de Abril

De acordo com o planeado, o Conselho de Segurança (CS) realizou no passado dia 19 de Abril a reunião semestral sobre o Sahara Ocidental, à porta fechada, tendo como enquadramento um programa mensal de debates deste órgão da ONU sobre a paz e a segurança mundiais.
Durante esta reunião, os membros do CS ouviram a exposição de De Mistura, sobre os últimos desenvolvimentos (ou ausência deles…), incluindo os resultados das prévias consultas informais, nomeadamente com as duas partes em conflito, Marrocos e a Frente POLISARIO.
De Mistura passou igualmente em revista o trabalho da MINURSO (incluindo a evolução da situação no terreno), juntamente com o seu Chefe, o russo Alexander Ivanko, bem como a forma de relançar o processo político para chegar a uma solução para o problema.
Durante a reunião, foi possível apurar que Malta, membro não permanente do CS, apelou às duas partes em conflito para que cooperem com o enviado da ONU, sublinhando o papel importante da MINURSO como garante da estabilidade.
Aparentemente, nada de relevante sobressai desta reunião, conformando uma continuidade na situação político-diplomática vigente.
No âmbito da presidência rotativa assumida pela Rússia, no passado dia 25 de Abril o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, presidindo a uma reunião do CS da ONU, acusou abertamente o Ocidente de violar e sabotar resoluções da Assembleia Geral (AG) das Nações Unidas relacionadas, nomeadamente, com os conflitos do Sahara Ocidental e da Palestina. «É altura de o Ocidente informar a AG da ONU sobre as resoluções que foram sabotadas», acrescentou Lavrov.
Lavrov responsabilizou ainda o Ocidente por «estrangular o multilateralismo» e de não respeitar a soberania dos países, um dos pilares sobre os quais a ONU foi fundada. Acrescentou também que «os Estados Unidos enveredaram pelo caminho da destruição da globalização, que durante muitos anos apresentaram como o maior benefício para a humanidade».

Entretanto no Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH)

Em Novembro de 2022, no âmbito do funcionamento do CDH, Marrocos foi objecto da quarta Revisão Periódica Universal. Nesta revisão o governo marroquino recebeu 306 recomendações para melhorar a situação de DH, no país e no território do Sahara Ocidental sob sua ocupação.
Concretamente, vários Estados intervenientes apresentaram recomendações sobre o Sahara Ocidental, incluindo apelos a Marrocos para que respeite o direito do povo saharaui à autodeterminação e à preservação dos seus recursos naturais. Estas recomendações foram apresentadas pela Namíbia, por Timor-Leste, pela Venezuela e pela Argélia, e apelam essencialmente à organização do referendo de autodeterminação no Sahara Ocidental (que Marrocos aceitou no projecto de acordo da ONU de 1988 que pôs fim à guerra no SO), e que cesse a pilhagem marroquina dos recursos naturais do território ocupado.
No dia 24 de Março de 2023, Marrocos tomou a palavra no CDH para responder às recomendações recebidas cinco meses antes, rejeitando na íntegra todas as recomendações sobre a autodeterminação saharaui, com o argumento de que a questão não é do foro do Conselho.