terça-feira, 4 de abril de 2023

MUNDIAL DE FUTEBOL 2030: MARROCOS DRIBLA PORTUGAL E ESPANHA

 (Boletim nº 119 - Abril 2023)

A possibilidade da desistência da Ucrânia de integrar uma organização tripartida com Portugal e Espanha do Campeonato Mundial de Futebol (CMF) de 2030, revelou-se uma oportunidade de ouro para Marrocos orquestrar uma manobra de promoção política do país, impondo a sua presença nessa candidatura.

A FPF "alinha" nisto?

AAPSO reage

A situação de guerra na Ucrânia e o processo de corrupção em que o presidente da sua federação de futebol está envolvido, levaram à multiplicação de rumores sobre uma candidatura conjunta ibero-marroquina à organização do mundial de futebol de 2030. Começaram a surgir no início de Março e foram citados nos jornais AS e The Athletic. Perante esta "onda", a Associação de Amizade Portugal-Sahara Ocidental (AAPSO) endereçou uma Carta Aberta ao presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes, a 13 de Março passado, na qual, alertando para o risco associado a esta eventualidade, solicita uma reponderação dos organizadores do evento:
«Marrocos ocupa ilegalmente desde 1975 o Sahara Ocidental que, segundo as Nações Unidas, de acordo com um sem número de resoluções e com o parecer do Tribunal Internacional de Justiça, é um território não-autónomo, pendente de um processo de descolonização. Como sublinhou o Tribunal de Justiça da União Europeia em três sentenças (2016, 2018, 2021), o Sahara Ocidental é um território "separado e distinto" de Marrocos. Na realidade, é a última colónia de África.
«Fruto desta ocupação ilegal, e da resistência que o povo saharaui lhe opõe, sucedem-se as violações dos Direitos Humanos no Sahara Ocidental. O mesmo acontece no próprio Reino de Marrocos, cujo regime foi condenado em resolução do Parlamento Europeu de 19 de Janeiro último por não respeitar os direitos à liberdade de expressão e a processos legais justos, apelando-se à libertação de todos os presos políticos. Está comprovado que em ambos os territórios, jornalistas, intelectuais e activistas, entre outras pessoas, têm sido alvo de repressão violenta e sistemática.
«Que credibilidade tem Marrocos para acolher um evento desportivo desta natureza quando, para alcançar os seus fins políticos, exerce chantagem sobre outros países utilizando rotas de migrantes e drogas, se socorre de subornos a parlamentares e funcionários europeus (como o demonstra o caso Marrocosgate) e deporta sumariamente todas as pessoas que querem visitar o Sahara Ocidental por não lhe convir que vejam o que aí se passa? Que inclusivamente tem impedido o Escritório do Conselho de Direitos Humanos da ONU e o Representante Pessoal do Secretário-geral da ONU para o Sahara Ocidental de visitar este território?
«Apelamos a que a Federação Portuguesa de Futebol reconsidere esta proposta, sob pena de o Campeonato Mundial de Futebol se transformar numa ocasião privilegiada de encobrimento das violações dos Direitos Humanos cometidas pelo regime marroquino e daqueles que, conhecendo a situação, lhe dão cobertura, ficando assim o evento desportivo indelevelmente desprestigiado e exponenciando o dever de denúncia por parte de pessoas e organizações defensoras dos Direitos Humanos.»

Já no passado…

De acordo com The Guardian, Marrocos ensaiara uma tentativa de organização do Mundial de 2010, tendo Andrew Jennings escrito, à época, que a FIFA «estava a contemplar o seu acto mais vergonhoso desde que deram, em 1978, o Campeonato do Mundo à junta militar assassina da Argentina. (…). A FIFA, o órgão dirigente do desporto, poderá entregar o torneio de 2010 a Marrocos, um país com as suas próprias legiões de "desaparecidos" - vítimas de uma guerra de anexação ao vizinho Sahara Ocidental que se arrasta há 30 anos.»
A FIFA, tentando ultrapassar o contratempo provocado pela África do Sul não ter ganho o direito a realizar o CMF de 2006, insistiu para que o evento de 2010 fosse realizado em África: «As candidaturas do Egipto, Líbia e Tunísia vacilaram e a África do Sul e Marrocos são os únicos candidatos que permanecem de pé. (…). A equipa de inspecção da FIFA classificou a África do Sul como o país com as melhores infra-estruturas e estádios. Marrocos (…) continua em competição porque os direitos humanos não se encontram entre os critérios da FIFA [para selecção de candidaturas]».
No final, a África do Sul foi o país escolhido para a realização do evento desportivo de 2010, gorando as expectativas de Marrocos.

O seguimento

No dia 14 de Março, segundo o jornal El Español e agência Lusa, com base em informação divulgada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros marroquino, o rei Mohamed VI, antecipando-se aos Presidentes da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e da Real Federação Espanhola de Futebol (Luis Rubiales), declarou que «(…) o Reino de Marrocos decidiu, com Espanha e Portugal, apresentar uma candidatura conjunta para acolher o CMF de 2030.»
Desde então pairou um pesado silêncio por parte das duas federações ibéricas, que recusaram um pedido de informação de El Independiente. No dia 16 de Março, o departamento de comunicação da Federação Espanhola remetia unicamente para «os comunicados e informações publicados no nosso sítio Web sobre o assunto» e a Federação Portuguesa, em resposta a uma pergunta do mesmo jornal, afirmava que «não haverá declarações públicas sobre a candidatura».
Contrastando com a surpresa com que os cidadãos/ãs da Península Ibérica receberam a notícia, a comunicação de Mohamed VI deu início a uma activa campanha mediática através de publicações em redes sociais marroquinas, em que são exibidos os mapas dos três países, com o de Marrocos a violar o Direito Internacional ao englobar o Sahara Ocidental. Em cascata, a imprensa vinculada a Rabat recolheu as reacções entusiásticas de conhecidas figuras em Espanha, como Miguel Ángel Moratinos e María Antonia Trujillo, antigos ministros de José Luis Rodríguez Zapatero.
Fica a dúvida se Rabat irá incluir no processo de candidatura a apresentar à FIFA a realização de eventos desportivos nos territórios ocupados do Sahara Ocidental. A escolha final da candidatura organizadora será feita em Setembro de 2024.
De acordo com a Fair/Square, uma das ONG que estuda a chamada "lavagem desportiva", Marrocos, tal como outros Estados ditatoriais, apercebe-se dos benefícios de reputação associados à realização de grandes eventos desportivos e, apesar de toda a polémica associada ao Catargate, o recente mundial encorajou ainda mais estes Estados a recorrer a este tipo de iniciativas para branquear o seu regime. «É um facto que países com graves violações dos direitos humanos utilizam o desporto para os encobrir e apresentar uma imagem de modernidade e abertura ao mundo exterior».
A estratégia de comunicação usada por Mohamed VI nesta "jogada de antecipação", relembrou o ocorrido no ano transacto quando publicitou unilateral e antecipadamente a carta que o Primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sánchez, lhe escreveu a anunciar a mudança radical de posição em relação à antiga colónia espanhola do Sahara Ocidental.

Em finais de Março

Na sequência da Carta Aberta enviada, a FPF recebeu no passado dia 29 de Março uma delegação da AAPSO. Esta expressou a sua surpresa perante o anúncio da candidatura, explicando as razões da sua indignação, e indagou do porquê da escolha desse país como parceiro. A FPF argumentou que o processo ainda não foi entregue à FIFA e que o mesmo «está ainda em discussão».
A AAPSO apresentou a sua profunda preocupação face ao processo de selecção que a FIFA irá desenvolver, uma vez que esta entidade é pouco credível em termos de observância de Direitos Humanos, tendo em conta o que se registou no ano passado no Catar.
Os argumentos apresentados pela FPF em defesa do evento centram-se na "promoção do futebol acima de tudo", ao que a AAPSO contrapôs que não podia ser a qualquer custo, voltando a lembrar o que caracteriza hoje o regime marroquino: violação reiterada do Direito Internacional e dos Direitos Humanos, corrupção e chantagem política. A este respeito a AAPSO entregou à FPF detalhada e idónea informação, na esperança de que a ajude na discussão "ainda em curso".
A AAPSO continuará a acompanhar o desenrolar deste processo e a bater-se pela defesa destes direitos.


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