sábado, 4 de março de 2023

ISRAEL EM ÁFRICA

(Boletim nº 118 - Março 2023)

Decorreu em Adis Abeba, capital da Etiópia, entre 18 e 19 de Fevereiro passado, a 36ª Cimeira da União Africana (UA). Mais uma vez, as relações com o Estado de Israel voltaram a ocupar um lugar de destaque nas atenções da Cimeira. 

Dois povos, a mesma luta

Desde que a administração norte-americana reconheceu a ocupação marroquina do Sahara Ocidental, a presença israelita em África ganhou uma maior notoriedade. Tal voltou agora a ocorrer, provocando um clima de tensão e mal-estar entre os Estados-membro.
Segundo o i24 News, um canal de TV israelita, quando Sharon Barley, Directora-adjunta para a África do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel, acompanhada pela sua delegação, pretendeu participar na cerimónia de abertura da Cimeira, «O pessoal de segurança da conferência (...) pediu-lhes que abandonassem a sala». Um vídeo disponibilizado por este canal mostra a delegação a deixar o local depois de vários minutos de discussão.
Em causa estava a resolução do Presidente da Comissão da União Africana Moussa Faki Mahamat, em Julho de 2021, que concedeu a Israel o estatuto de observador na organização pan-africana. Na altura, a Argélia foi dos países a alertar para o risco que representava para a unidade do continente aquela decisão, se fosse aceite. «De facto, a proposta de integrar Israel deveria ter sido apresentada a todos os países membros da organização africana antes de ser ratificada. O presidente da Comissão da UA tornou pública a sua decisão através de um comunicado, sem sequer consultar previamente os 55 países da União Africana. Foram apenas informados, mas não solicitados a pronunciar-se.»
E na Cimeira que decorreu em Fevereiro de 2022, as divisões vieram à luz do debate. Como escreveu Soraya Amiri, «A presença de Israel é profundamente perturbadora para vários Estados-membro da UA, devido à política israelita de repressão contra o povo palestiniano, que está a viver um verdadeiro apartheid. Em solidariedade com os palestinianos, é impensável para alguns países africanos, incluindo a Argélia, aceitar o estatuto que Faki concedeu a Israel.» Segundo Amiri, «No total, 24 países manifestaram publicamente a sua recusa em ver Israel aderir à organização como observador», entre os quais «o Senegal, os Camarões, o Congo, a Nigéria, o Ruanda». E cita um diplomata sul-africano, segundo o qual «Israel tem sido descrito em numerosas decisões e resoluções da OUA/UA como uma força ocupante na Palestina e, por conseguinte, viola o princípio da proibição do uso da força mencionado no Acto Constitutivo e nas convenções internacionais. Isto deveria ter sido suficiente para que o Presidente [Moussa Faki] rejeitasse este pedido».
Recorde-se que a Cimeira de 2022 decidiu suspender a admissão de Israel como Estado observador e criar uma comissão composta por sete chefes de Estado — os Presidentes Macky Sall (Senegal), na sua qualidade de Presidente em exercício da União Africana, Abdelmadjid Tebboune (Argélia), Cyril Ramaphosa (África do Sul), Paul Kagame (Ruanda), Félix Tshisekedi (República Democrática do Congo), Muhamadu Bouhari (Nigéria) e Paul Biya (Camarões) — com a missão de elaborar recomendações para a próxima Cimeira relativamente ao assunto.
Mas passado um ano a dita Comissão ainda não tornou públicas quaisquer recomendações tendo sido enviado ao embaixador de Israel em Adis Abeba o convite para a participação na Cimeira deste ano. E foi este convite que foi anulado à última hora, anulação esta que a delegação de Telavive decidiu ostensivamente ignorar levando à intervenção dos serviços de segurança da Cimeira. «Numa declaração divulgada após a expulsão, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel acusou a Argélia e a África do Sul de terem pressionado para a exclusão da delegação israelita.»
Nos últimos tempos as relações entre a Argélia e Israel têm vindo a ganhar uma crispação crescente, a que não será alheio o facto de Israel identificar a Argélia como um importante apoiante da causa palestiniana. O jornalista argelino Riyad Hamadi designou-as como uma «Luta de influência em África». Escreveu ele em Agosto de 2021:
«O primeiro-ministro israelita [Yair Lapid] escolheu Marrocos para mencionar publicamente pela primeira vez a Argélia como fonte de preocupação para o seu país, (…), pelo papel desempenhado pela Argélia na região, a sua aproximação ao Irão e a sua campanha contra a admissão de Israel como membro observador da União Africana. (…). Israel e Marrocos identificaram a Argélia como o principal obstáculo aos seus projectos em África. (…).
«De acordo com fontes diplomáticas em Argel, a verdadeira questão para a aliança israelo-marroquina é a influência em África. É aqui que os interesses e intenções dos dois países podem vir a confrontar-se com a Argélia e a sua diplomacia, que procura reintegrar-se num continente altamente cobiçado pelas grandes potências. (…).
«Israel fez um regresso gradual a África nos anos 80 e 90, após a ruptura que se seguiu à Guerra do Yom Kippur de 1973. Durante a última década, inicialmente sob o impulso do antigo Primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, tem visado novas áreas de influência no Sahel e na África Central.
«A última década foi marcada por uma ofensiva generalizada de Israel em África, através da diplomacia económica e dos investimentos. Hoje, mantém relações diplomáticas com 40 países africanos e tem embaixadas em doze deles, enquanto se aguarda a abertura "dentro de alguns meses" da de Rabat, como anunciado durante a visita de Yair Lapid a Marrocos.
«Marrocos também aproveitou a ausência [da diplomacia] da Argélia para se implantar no continente pelos mesmos meios, ou seja, através da diplomacia económica, multiplicando os investimentos, as trocas comerciais e as ligações aéreas. O Reino, que não dispõe de recursos financeiros para levar a cabo a sua política africana, é apoiado neste esforço pelos seus aliados do Golfo e Israel, com os quais mantém relações há décadas.
«Foi mesmo capaz de inverter a posição de alguns países em relação à questão do Sahara Ocidental, não tendo, no entanto, conseguido fazer excluir a República Saharaui da União Africana, onde se senta como membro de pleno direito.
«O forte crescimento para África previsto pelos economistas tornou o continente numa área cobiçada pelas potências globais e regionais. O regresso da Argélia à cena diplomática continental e, especialmente, a sua ambição de se tornar uma porta de entrada em África para a Europa através do megaporto de El Hamdania, no qual a China está envolvida, e a estrada trans-sahariana, são motivo de preocupação” [para Marrocos e Israel].
«No entanto, para ter influência real em África, a diplomacia das palavras não será suficiente. (…). A Argélia pode contar com a sua boa reputação em África, onde tem ajudado muitos países a libertarem-se do colonialismo e do apartheid, e com os seus aliados que também procuram alargar a sua influência no continente africano.»


 


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