segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

CIMEIRA ÁRABE: «OPORTUNIDADE PERDIDA»?

(Boletim nº 115 - Dezembro 2022)

Reuniu em Argel, nos passados dias 1 e 2 de Novembro, a 31ª Cimeira da Liga Árabe, num momento em que os Estados que a compõem estão a atravessar várias divisões e conflitos, desde a causa palestiniana até à influência do Irão, à clivagem entre a Argélia e Marrocos ou aos conflitos armados no Iémen e na Líbia.

Relações conflituosas (foto DzairDaily)
A Liga Árabe, formada por 22 nações, reuniu pela última vez em Tunes em 2019, antes da crise sanitária e dos Acordos de Abraham, que levaram ao estabelecimento de relações diplomáticas dos Emiratos Árabes Unidos, Marrocos, Sudão e Bahrein com o Estado de Israel, considerado pela maioria dos países árabes como um "inimigo colonizador".
A agenda da Cimeira era vasta e ambiciosa, tanto do ponto de ponto de vista político como económico, com a questão da Palestina a ocupar um lugar central, para o que concorreu o acordo celebrado em 13 de Outubro em Argel entre 14 organizações da resistência palestiniana.
Marrocos tudo fez para diminuir o protagonismo dos organizadores argelinos. Inicialmente estava previsto que rei Mohamed VI chefiasse a delegação marroquina, apesar da crispação crescente entre estes países. A Argélia tinha cortado, em 24 de Agosto de 2021, as relações diplomáticas com Rabat invocando "actos hostis". Rabat — através do programa israelita Pegasus – espiou em mais de seis mil telefones argelinos, incluindo os de oficiais do exército de alta patente. Apesar disso a Argélia enviou um ministro a Rabat para entregar a Nasser Bourita, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, um convite dirigido ao rei para a Cimeira. Mas tal visita anunciada acabou por não se realizar. Nas vésperas do seu início o MNE argelino, Ramtane Lamamra, numa entrevista à cadeia saudita Al Haddath, esclareceu a situação:
«Fizemos um esforço para assegurar a participação de todos os dirigentes árabes. O povo argelino dá as boas-vindas a todos os nossos líderes. No que diz respeito ao Reino de Marrocos, (...) um enviado especial do Presidente da República deslocou-se a Rabat para fazer um convite oficial.
«O Reino de Marrocos participou nos preparativos para a cimeira com o seu embaixador e ministro dos negócios estrangeiros. Em relação ao que foi anunciado, acreditávamos que Sua Majestade o Rei Mohamed VI iria participar pessoalmente na cimeira. Fomos informados esta manhã [segunda-feira 31 de Outubro] que este não era o caso.»
De acordo com o jornalista Merouane Mokdad, «A agência oficial APS forneceu, na sexta-feira 4 de Novembro, pormenores sobre esta não comparência. De facto, a confirmação da participação do monarca marroquino na Cimeira Árabe em Argel foi notificada por nota verbal dirigida ao Ministério dos Negócios Estrangeiros argelino e foi confirmada através do canal da Liga Árabe. A parte marroquina tinha apresentado pedidos de sobrevoo e aterragem para 10 aviões para transportar o rei, o príncipe herdeiro e o resto da delegação real, de acordo com a mesma nota verbal", informou a APS.
«Nasser Bourita, ministro marroquino dos Negócios Estrangeiros, confirmou numa entrevista ao canal saudita Al Arabiya que Mohammed VI estava entre os primeiros dirigentes árabes a confirmar a sua participação na Cimeira em Argel. "Por considerações regionais e bilaterais, Sua Majestade o Rei informou a Liga Árabe da sua não-participação. Certas condições não foram satisfeitas. O rei deu instruções para uma participação construtiva na cimeira", disse ele sem fornecer mais pormenores. (…).
«De acordo com os meios de comunicação marroquinos, a delegação marroquina queixou-se de não ter sido recebida pelas autoridades argelinas "da mesma forma que as outras delegações árabes" no sábado 29 de Outubro de 2022 no aeroporto. Uma fonte diplomática argelina, citada pela agência APS, lamentou, no domingo 30 de Outubro, as declarações veiculadas pelos meios de comunicação marroquinos, atribuídas a uma fonte marroquina de alto nível sobre alegadas "violações diplomáticas" durante a recepção da delegação marroquina.»
Segundo Ramtane Lamamra, «O funcionário argelino que acolheu o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino de Marrocos no aeroporto é o mesmo que acolheu todos os outros Ministros dos Negócios Estrangeiros árabes à sua chegada.»
«Reagindo à ausência do rei Mohammed VI na cimeira de Argel, o ministro argelino dos Negócios Estrangeiros Ramtane Lamamra disse ao canal Al Haddath que Marrocos tinha "perdido uma oportunidade". "Penso que cabe aos historiadores julgar no futuro se houve uma oportunidade perdida para o Magrebe Árabe e para uma acção árabe conjunta. E se a resposta for "sim", quem assumirá a responsabilidade por esta oportunidade perdida?»

«Na cimeira de Argel, Nasser Bourita foi o único que não falou. Este silêncio não foi explicado por Rabat.» 

Mas se não falou na Cimeira não esteve, porém, calado. «Segundo a APS, Nasser Bourita tentou convencer o Secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Aboul Gheit, da presença de um representante da Frente POLISARIO entre os participantes na Cimeira Árabe. "Perante uma tal enormidade, que fez muitos participantes rir à socapa, o mesmo ministro admitiu finalmente (...) que a sua sagaz equipa se tinha enganado", disse a agência.
Recorde-se que a RASD (República Árabe Saharaui Democrática) não faz parte da Liga Àrabe.



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