quarta-feira, 5 de outubro de 2022

ÁFRICA: COLONIALISMO FRANCÊS CONTINUA VIVO

 (Boletim nº 113 - Outubro 2022)

O apoio que a França tem dado à ilegal ocupação marroquina do Sahara Ocidental não é uma excepção na sua política externa para África. Tanto assim que há observadores que a catalogam como “colonização 2.0”.

«A sul nada de novo» (foto Public Sénat)

Um destes observadores é Vava Tampa, um articulista centrado na análise da região dos Grandes Lagos Africanos, da descolonização e da cultura. Em 26 de Julho o The Guardian publicou um artigo seu com o expressivo título: «A Françafrique está de volta: A visita de Macron aos Camarões assinala a Colonização 2.0», onde aborda o que tem sido a política francesa em África pós-1945 e as suas consequências para as populações africanas.
«Quando o presidente francês, Emmanuel Macron, desembarcou em Yaoundé, Camarões, na segunda-feira [25 Julho] para uma visita de dois dias, os líderes fantoches franceses em toda a África tiveram uma coisa garantida: a Françafrique está de volta. A questão é o que isto significa para o futuro de milhões [dos seus habitantes].
«A resposta - e o legado de Macron - é mais repressão, mais golpes de Estado, mais corrupção, mais violência, mais sofrimento e, em última análise, mais refugiados e migrantes a fazerem viagens perigosas para a Europa em busca de segurança. Significará também uma maior incursão da Rússia e da China, que realçam os crimes coloniais europeus, mesmo quando aumentam a sua própria influência.
«Nascido após a independência das antigas colónias francesas em África, Macron apresenta-se como a antítese da Françafrique - a doutrina que dita os termos da governação nas antigas colónias francesas, pela força militar se necessário - ou, como eu a vejo, a Colonização 2.0.
«Em vez de o abolir, Macron reformou o franco colonial CFA - originalmente franc des colonies françaises d’Afrique - uma moeda ainda impressa em França e utilizada por 14 países africanos. (…).
«Nenhuma justificação para a visita de Macron pode apagar o facto de Paris continuar a ser a base da Françafrique e das suas marionetas - como Alassane Ouattara, na Costa do Marfim; Ali Bongo Ondimba, no Gabão; Faure Gnassingbé, no Togo; Gen Mahamat Déby, no Chade; Denis Sassou Nguesso, no Congo-Brazzaville; bem como Biya [nos Camarões] - que a França abriga sob o seu guarda-chuva diplomático e de segurança, apesar dos abusos grosseiros dos direitos humanos, corrupção e fraude eleitoral que empobreceram os seus países. (…).
«Macron, obviamente, sabe tudo isto, mas parece que o que mais importa ainda é a Françafrique
Dois académicos - Anis Chowdhury e Jomo Kwame Sundaram – publicaram por sua vez um artigo com o sugestivo título «Como a França subdesenvolve a África». Escreveram eles:
«Os acordos monetários coloniais anteriores à Segunda Guerra Mundial foram consolidados na zona do franco das Colonies Françaises d'Afrique (CFA), criada a 26 de Dezembro de 1945. A descolonização tornou-se inevitável após a derrota da França em Dien Bien Phu em 1954 e a retirada da Argélia menos de uma década depois.
«A França insistiu em que a descolonização deve envolver "interdependência" - presumivelmente assimétrica, em vez de entre iguais - não uma verdadeira "soberania". Para que as colónias conseguissem a 'independência', a França exigia a adesão à Communauté Française d'Afrique (ainda CFA) - criada em 1958, substituindo “colónias” por “Communauté”. (…).»
«A Guiné-Conacri foi a primeira a deixar a CFA em 1960. Perante compatriotas seus, o Presidente Sékou Touré disse ao Presidente Charles de Gaulle: "Preferimos a pobreza na liberdade à riqueza na escravatura".
«A Guiné enfrentou logo a seguir os esforços franceses de desestabilização. Notas falsas foram impressas e distribuídas para utilização na Guiné-Conacri - com consequências previsíveis. Esta fraude maciça deu cabo da economia guineense. (…).
«O ex-chefe do Service de Documentation Extérieure et de Contre-espionnage (SDECE) Maurice Robert reconheceu mais tarde que "a França lançou uma série de operações armadas utilizando mercenários locais, com o objectivo de desenvolver um clima de insegurança e, se possível, derrubar Sékou Touré". (…).
«O presidente Sylvanus Olympio, dirigente do Togo independente, foi assassinado em frente à embaixada dos EUA a 13 de Janeiro de 1963. Isto aconteceu um mês depois de ter estabelecido um Banco Central, emitindo o franco togolês como moeda com curso legal. Evidentemente, o Togo permaneceu na CFA.
«O Mali deixou a CFA em 1962, substituindo o franco CFA pelo franco maliano. Mas um golpe em 1968 afastou o seu primeiro presidente, o dirigente radical da independência Modibo Keita. Sem surpresas, o Mali voltou mais tarde a integrar a CFA, em 1984.»
Ndongo Samba Sylla é um economista senegalês de desenvolvimento e investigador no Gabinete da África Ocidental da Fundação Rosa Luxemburgo. Em Março do ano passado apresentou um texto sobre «O franco CFA como símbolo vivo das continuidades coloniais na África francófona».
«(…). A persistência de relações monetárias e financeiras neo-coloniais não favoreceu nem a transformação estrutural nem a integração regional, e fez ainda menos pelo desenvolvimento económico dos países CFA, nove dos quais, em 14, se encontram entre os Países Menos Desenvolvidos. Em termos de realizações nos domínios da saúde e da educação, os países que utilizam o franco CFA ocupam as posições mais baixas a nível mundial. Entre um total de 189 países, o Níger, a República Centro-Africana e o Chade tiveram a pontuação mais baixa no Índice de Desenvolvimento Humano de 2020. Numa perspectiva de longo prazo, os rendimentos reais médios estagnaram ou diminuíram em cinco das maiores economias que utilizam o franco CFA: Costa do Marfim, Camarões, Gabão, Senegal e República do Congo. (…). Por outras palavras, a existência do franco CFA favorece um tipo particular de liderança política. Aqueles que podem ambicionar dirigir os países CFA são aqueles que não porão em causa as suas limitações. São estes dirigentes que gozaram da solidariedade activa e do apoio do governo francês nas últimas seis décadas. (…).
«Face aos protestos crescentes contra esta relíquia colonial conduzidos por movimentos sociais e intelectuais pan-africanistas, a França, em aliança com a Costa do Marfim, decidiu em Dezembro de 2019 suavizar a sua posição sobre o franco CFA na África Ocidental. Tal como nas anteriores reformas, a actual tem um alcance muito limitado. A sua intenção é atacar os símbolos embaraçosos - o nome da moeda, a representação francesa no seio do Banco Central dos Estados da África Ocidental e o controlo do Tesouro francês sobre as reservas cambiais deste último - ignorando ao mesmo tempo os pontos que os economistas africanos criticam: a existência de uma ligação formal de subordinação monetária entre a França e os países CFA, a paridade fixa com o euro, a [não] liberdade de transferências, e também a existência de duas uniões monetárias [UEMOA - Union économique et monétaire ouest-africaine e CEMAC - Communauté économique et monétaire de l'Afrique centrale] que não têm outro fundamento que não seja a história colonial.»


 

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