domingo, 4 de setembro de 2022

EUA: POLÍTICA EXTERNA AFRICANA EM REVISÃO

(Boletim nº 112, Setembro 2022)

A política externa dos Estados Unidos para África tem vindo a ser objecto de uma revisão, para a qual tem concorrido a ofensiva política, económica e diplomática que quer a China quer a Rússia têm feito sobre aquele continente.

Até quando?

O sítio El Confidencial Saharaui trouxe, recentemente, uma abordagem sobre este tema.
«A administração Biden está a avaliar uma nova estratégia para África destinada a "reactivar o compromisso" com o continente e competir por influência e hegemonia com rivais geopolíticos como a China e a Rússia, revelou o sítio Foreign Policy citando vários funcionários dos EUA familiarizados com o assunto.
«O Secretário de Estado norte-americano Antony Blinken deverá apresentar a nova estratégia durante a sua próxima viagem a África, que inclui visitas oficiais à África do Sul, à República Democrática do Congo e ao Ruanda. (…).
«A estratégia tem vários objectivos gerais. De acordo com funcionários e diplomatas sediados em Washington, ela procura fazer avançar a democracia, a governação e a segurança em África; um propósito que se insere na recuperação das consequências da pandemia e da oportunidade económica; abordar a crise climática e uma transição energética "justa" para o continente; e promover sociedades abertas. Os funcionários da administração Biden dizem que um dos principais objectivos da nova estratégia é impulsionar a diplomacia e o desenvolvimento num esforço para silenciar as armas em África, particularmente na região do Sahel, que tem dominado a política dos EUA nas últimas duas décadas, quando o principal foco da política externa de Washington era a luta contra o terrorismo. (…).
«A nova estratégia dos EUA acontece quando Washington se esforça por contrariar os esforços russos e chineses para reforçar a sua própria influência geopolítica em todo o continente. O Ministro dos Negócios Estrangeiros russo Sergey Lavrov empenhou-se numa bem sucedida viagem pelo continente no final do mês passado, numa tentativa de mostrar que o Ocidente não conseguiu isolar Moscovo na cena mundial após a sua invasão militar da Ucrânia. Tanto a Rússia como a Ucrânia são grandes exportadores mundiais de alimentos e a invasão da Ucrânia por Moscovo causou estragos nas cadeias globais de abastecimento alimentar, particularmente nos países em desenvolvimento de África. Até agora, porém, os EUA e os seus aliados ocidentais lutam para que os países africanos se juntem às sanções contra a Rússia.
«Um porta-voz do NSC [National Security Council] afirmou que a estratégia foi desenvolvida ao longo dos últimos oito meses e envolveu extensas consultas inter-agências, bem como o contributo de parceiros internacionais, entre os quais africanos. O porta-voz recusou-se a comentar os detalhes da estratégia, que ainda não foi tornada pública. A estratégia também coincide com uma série de visitas de alto nível de funcionários da administração Biden ao continente, incluindo a viagem de Blinken, a viagem da Embaixadora dos EUA nas Nações Unidas Linda Thomas-Greenfield ao Uganda e ao Gana, e a visita da Administradora da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional, Samantha Power, no mês passado à África Oriental.
«Os funcionários da administração Biden sublinharam que querem evitar envolver as nações africanas na guerra entre os EUA e a China, e, em menor medida, a Rússia, um quadro defendido pela anterior administração Trump (...). Ainda assim, alguns peritos acreditam que mesmo com esta nobre intenção, Washington não encontrou ao longo das sucessivas administrações uma boa forma de competir com os projectos de mega-infra-estruturas da China em África, que em alguns países ultrapassaram de longe o investimento ocidental. "Os países africanos não querem ser vistos simplesmente como peões na competição hegemónica das grandes potências. Mas ao mesmo tempo temos de reconhecer que há concorrência em África, particularmente com Pequim, e [que] Washington está a perder", acrescenta Cameron Hudson», um especialista do Center for Strategic & International Studies.
Desde o início da sua tomada de posse que a administração Biden tem sido confrontada com apelos e declarações para que rectifique a desastrosa política trumpista, que deixa Washington na delicada e contraditória posição de condenar a política russa relativamente à Ucrânia enquanto defende a mesma agressão territorial no caso de Marrocos relativamente ao Sahara Ocidental.
Em finais de Julho a Comissão de Dotações do Senado norte-americano definiu um novo quadro orçamental para o Departamento de Estado para o próximo ano fiscal, no âmbito das operações no estrangeiro, no qual se impede a aplicação de fundos para a abertura de um consulado na cidade ocupada de Dakhla, no Sahara Ocidental. Um objectivo fixado pela administração de Trump, no âmbito do acordo que levou ao restabelecimento de relações diplomáticas entre Marrocos e o Estado de Israel.
Na nota explicativa do orçamento, a Comissão separa Sahara Ocidental e Marrocos, reconhecendo o primado do Direito Internacional. E exorta o Departamento de Estado a empenhar-se na atribuição à MINURSO da responsabilidade do acompanhamento da situação dos direitos humanos, tanto em Marrocos como nos acampamentos de refugiados saharauis, à semelhança das outras missões das Nações Unidas, recomendando igualmente a prossecução de programas visando melhorar a educação e os cuidados de saúde, assim como as oportunidades económicas e outras formas de assistência à população saharaui. Joe Biden assinou o orçamento no passado dia 2 de Agosto.
Também em finais de Julho o Departamento de Defesa dos EUA aceitou a recomendação do presidente da respectiva Comissão do Congresso, o senador Republicano Jim Inhofe, que sugeriu um re-exame da localização do exercício militar norte-americano African Lion face à obstrução do regime marroquino ao processo de descolonização do Sahara Ocidental. «Porque Marrocos não mostrou vontade de resolver o problema do Sahara Ocidental, os EUA deveriam procurar outros lugares para acolher os nossos exercícios militares anuais [que se têm desenrolado] aí. Estou satisfeito pelo facto de os líderes que nomeamos para a US Africa Command e a USSOCOM terem apoiado esta opinião.» Estas diligências foram confirmadas pelas autoridades referidas.
Já em 5 de Março de 2022, um grupo de congressistas tinha enviado uma carta ao Presidente Biden, pedindo-lhe que deixasse de vender armas norte-americanas a Marrocos. A carta, «que foi assinado por 11 membros do Congresso, liderados pela Representante Democrática Sarah Jacobs» diz que Marrocos «não deu quaisquer garantias de que não utilizará armas americanas contra o povo do Sahara Ocidental».
Por sua vez a American Bar Association de Nova Iorque dirigiu-se em Agosto ao Presidente Biden solicitando-lhe que apoie o direito à auto-determinação e independência do povo saharaui, em conformidade com as resoluções da Assembleia Geral da ONU, nomeadamente a Resolução 1415. A Associação apelou também para que revisse a infame decisão do ex-Presidente Trump de reconhecer a alegada soberania de Marrocos sobre o Sahara Ocidental.
A Associação exortou o Presidente dos Estados Unidos a dar apoio político à Embaixadora dos EUA junto das Nações Unidas para pressionar, no Conselho de Segurança, no sentido da expansão do mandato da Missão da ONU para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO) de forma a incluir a monitorização dos direitos humanos, tanto no Sahara Ocidental como nos campos de refugiados saharauís, e para apresentar uma resolução no Conselho de Segurança da ONU a este respeito.

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