terça-feira, 5 de julho de 2022

Boletim nº 110 - Julho 2022

VIOLÊNCIA NO ACESSO À EUROPA: A REALPOTIK NÃO CHEGA A SER UM “PENSO RÁPIDO”

Ao primeiro teste importante, três meses passados, o verniz da “parceria estratégica” entre Espanha e Marrocos rebentou e a primeira tentação foi negá-lo e restaurá-lo apressadamente. Não será a última vez.

Mão de obra descartável (foto ECS)

Tragédias

24 de Junho 2022: na fronteira Nador (Marrocos) / Melilha (Espanha) soube-se o que tinha acontecido no próprio dia, através das imagens recolhidas por uma ONG marroquina e difundidas através das redes sociais: cerca de 2.000 pessoas migrantes (de acordo com as autoridades espanholas) tentaram saltar o muro que separa as duas localidades e os dois países. 133 conseguiram, as restantes foram travadas pela polícia marroquina: cerca de 500 acabaram encurraladas num espaço limitado, fortemente agredidas e abandonadas, amontoadas, mortas e feridas, horas ao sol, sem qualquer socorro, e perto de 1.000 foram presas. Balanço: 23 mortos e 76 feridos reconhecidos pelo governo de Rabat e 37 mortos, pelo menos, identificados pela organização espanhola de Direitos Humanos Caminando Fronteras. «A maior tragédia registada nesta fronteira», salienta o jornal espanhol Público.
17-19 de Maio 2021: milhares de migrantes foram encorajados a alcançar Ceuta, cidade espanhola do norte de África, por terra e por mar, incluindo um grande número de menores não acompanhados, aos quais se chegou a sugerir que, do outro lado, Cristiano Ronaldo estava a dar autógrafos aos adeptos. Foram cerca de 10.000 pessoas que, em dois dias, perante a permissão da polícia marroquina e a inoperância da congénere espanhola, atravessaram a fronteira.
O contraste político entre estes dois casos — em que as vítimas são sempre as mesmas – não poderia ser mais evidente. O que mudou nos 13 meses que medeiam entre um e outro?
Pedro Sánchez, Presidente do Governo de Espanha (PSOE), escreveu uma carta ao rei de Marrocos, Mohamed VI, divulgada por ordem deste último em 18 de Março passado, considerando que o plano de autonomia para o Sahara Ocidental, proposto pelo Reino de Marrocos em 2007, representa a proposta «mais séria, realista e credível» para a resolução da questão saharaui e que este posicionamento serve «para garantir a estabilidade, soberania, integridade territorial e prosperidade dos nossos dois países». Como se sabe, a "integridade territorial" de Marrocos significa, para este país, o reconhecimento da sua soberania sobre o território não-autónomo do Sahara Ocidental.
Foi esta «nova etapa da relação com Marrocos, (…) que será desenvolvida, (...) num roteiro claro e ambicioso», segundo Madrid, que levou Pedro Sánchez a declarar assim que se soube deste incidente fronteiriço, ainda sem notícia de mortes confirmadas: «Foi um trabalho extraordinário por parte das Forças e Corpos de Segurança do Estado espanhol e de Marrocos para suster um assalto violento que coloca em questão a nossa integridade territorial. Foi um assalto bem organizado e perpetrado, mas também bem resolvido. Marrocos é um parceiro estratégico de Espanha.»
No dia seguinte o chefe do governo de Espanha clarificou: «Se há um responsável de tudo o que se passou, são as máfias que traficam seres humanos». «A polícia marroquina», disse, trabalhou «em coordenação» com as forças espanholas para «repelir este assalto tão violento». Quase uma semana depois (30/06) admitiu numa entrevista que não voltaria a repetir que o incidente tinha sido «bem resolvido», depois de «conhecer a tragédia dos mortos de Nador», mas não quis criticar a actuação das forças de segurança.
O jornal francês Le Monde escreve: «Em Marrocos, as ONG relatam que a pressão sobre os migrantes tinha subido em flecha depois da reconciliação entre a Espanha e Marrocos, no seguimento de um ano de desentendimentos. Esta normalização, confirmada aquando da visita, a 7 de Abril, do chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez, a Rabat, traduziu-se pelo compromisso de reforçar a cooperação securitária entre os dois países em matéria de migração. Consequentemente, com ‘campanhas de prisões’, ‘varrimento dos acampamentos’ [onde se concentram os migrantes], e ‘deslocações forçadas’, de acordo com os defensores de Direitos Humanos.»
Um jovem migrante explica ao jornal Público espanhol: «Agora sabemos a que preço [Espanha] cedeu o Sahara Ocidental [a Marrocos], foi o preço das próprias vidas negras, isto vai voltar a acontecer.»
«Uma centena de associações – europeias e africanas – assinaram uma declaração intitulada ‘O acordo Espanha-Marrocos sobre a imigração mata’, publicada no seguimento do drama», noticia o Le Monde.
Marrocos continua a beneficiar de um orçamento total de 147,7 milhões de euros providenciados pela União Europeia como parte do Fundo Fiduciário de Emergência para África, criado em 2015, e destinado a lutar contra a imigração ilegal e o tráfico de seres humanos, proteger as pessoas vulneráveis e fortalecer o desenvolvimento económico — sem contar com a ajuda bilateral para as suas forças de segurança e equipas de vigilância costeira.

Violências

Do lado marroquino concordam que não têm memória de episódios semelhantes, com tanta gente e tanta violência: paus, armas com lâminas e ganchos do lado dos migrantes e gás lacrimogéneo, balas de borracha e bastões do lado das forças de segurança, escreve a agência noticiosa espanhola EFE.
Um jovem que tentou atravessar a fronteira diz ao jornal espanhol El País que tanto aqueles que o tentaram fazer, como a polícia, tinham atirado pedras uns aos outros, mas notou que a polícia tinha a vantagem de usar protecção. «Os agentes marroquinos foram muito violentos, mais agressivos do que outras vezes, e as pessoas entraram em pânico», disse ele. «Foi isso que provocou a debandada».
Ao diário britânico The Guardian, um outro migrante conta que nos dias anteriores a polícia tinha efectuado várias rusgas aos acampamentos onde os migrantes e refugiados dormiam em condições muito duras, enquanto esperavam pela oportunidade de atravessar para Espanha. «A polícia confiscou comida e todo o dinheiro que encontrava, deixando os migrantes ansiosos e exaustos enquanto lutavam com níveis cada vez mais elevados de precariedade.»
O Le Monde cita a politóloga Nadia Khrouz, docente na universidade Mohamed V, em Rabat-Agdal: «Tem havido várias acções de desmantelamento dos acampamentos [dos migrantes] e foram notificados vários enfrentamentos com as forças de segurança. Houve também prisões e multas por permanência ilegal. A assistência providenciada pelas associações que forneciam tendas, cobertores e alimentação ficou muito reduzida nos últimos meses.»
O Público espanhol recolheu vários testemunhos dos jovens que conseguiram chegar a Melilha: «Os polícias estavam a atacar-nos há dois dias nos montes em Nador. O que mais podíamos fazer? (…). Queriam que nos fossemos embora, mas não nos diziam para onde. Se nos atacavam, e se ao lado estava a fronteira, claro que tentaríamos saltar. (…). Não são armas, usámo-las para escalar o muro. Não somos terroristas, somos gente que foge de uma guerra.»
«Quase todos nós, sudaneses, andamos a pé em grande parte destes percursos. Poucas vezes temos dinheiro para andar de carro. Máfias? As maiores máfias que há em Marrocos são o governo e a polícia. Nos montes de Nador ninguém pode pagar a uma máfia. Somos nós próprios que nos organizamos para saltar.»
A maioria vem de países como o Sudão, o Sudão do Sul ou o Chade, envolvidos em conflitos armados, pelo que são pessoas susceptíveis de pedir e de receber protecção internacional, explica o mesmo jornal. Mas nem os que não conseguiram passar a fronteira, nem os que foram empurrados para fora dela vão poder solicitá-la, porque não conseguem chegar ao local onde o poderiam legalmente fazer, do outro lado da fronteira.
«Segundo informação oficial, que não é muita, mais de 900 pessoas foram presas na sexta-feira e deslocadas à força para zonas a centenas de quilómetros da fronteira com Melilha, um número que aumentou para 1.300 nesta terça-feira», esclarece também o Público. «65 migrantes foram acusados judicialmente por diferentes delitos, 35 serão presentes no dia 13 de Julho ao tribunal de Apelação de Nador.»

Consequências?

«Estou chocado com a violência na fronteira Nador-Melilla», escreve António Guterres no Twitter. «O uso de força excessiva é inaceitável, e os direitos humanos e a dignidade das pessoas em movimento devem ser priorizados pelos países».
No dia 25, 50 Organizações Não-Governamentais (ONG), marroquinas e espanholas, incluindo Caminando Fronteras (Espanha) e a Associação Marroquina de Direitos Humanos (AMDH), denunciam «o trágico simbolismo das políticas da UE de externalização das suas fronteiras, com a cumplicidade de um país do Sul, Marrocos» e a «natureza mortal da cooperação securitária em matéria de migração entre Marrocos e Espanha». E a Comissão da Conferência dos Bispos da UE apela ao respeito pela dignidade humana e pelos direitos fundamentais dos migrantes e requerentes de asilo e à realização de uma «investigação independente e confiável do que aconteceu».
No dia 26, o Presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki Mahamat, pede «uma investigação imediata sobre a questão, e lembra a todos os países os seus deveres, ao abrigo do Direito Internacional, de tratar todos os migrantes com dignidade e dar prioridade à sua segurança e direitos humanos, abstendo-se de usar violência excessiva». E ONG marroquinas denunciam que as autoridades locais de Nador prepararam 21 fossas no cemitério de Sidi Salem para enterrar os migrantes que morreram na sexta-feira.
No dia 28, o escritório da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos pede oficialmente a Espanha e Marrocos que assegurem «uma investigação independente e respeito pelos direitos humanos dos migrantes». A Procuradoria Geral espanhola anuncia ter aberto uma investigação à morte de, pelo menos, 23 migrantes na fronteira com Melilha, «dada a seriedade e gravidade» dos acontecimentos. E o Comité da ONU sobre Trabalhadores Migrantes, para além de exigir uma «investigação completa, independente, imparcial e transparente», pede que as vítimas e suas famílias tenham acesso à justiça e a consequentes reparações pela violação dos seus direitos humanos, e que Marrocos assegure «a preservação dos corpos dos mortos, a sua identificação completa, informação às suas famílias e o apoio necessário à trasladação dos mesmos», assim como a assistência médica aos feridos. E lembra todos os deveres dos Estados ao abrigo dos vários instrumentos internacionais que subscreveram, incluindo o Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular, aprovado em Marraquexe, Marrocos (2018).
No dia 29, o Conselho de Segurança reúne à porta fechada, a pedido do Quénia, para examinar «a violência mortal que migrantes africanos enfrentaram ao entrar no enclave de Melilha, provenientes de território marroquino», mas falha na aprovação de uma declaração comum, por falta de consenso entre os seus 15 membros, incluindo divergências entre os três representantes africanos: Quénia, Gabão e Gana. Um diplomata queniano, que já tinha dito que «Migrantes são migrantes, quer venham de África ou da Europa, não merecem ser brutalizados desta maneira», afirma agora que «as discussões sobre o texto continuam».
No dia 30, a organização Human Rights Watch, que já no dia 26 tinha denunciado a possível ocultação de cadáveres por parte de Marrocos, publica um documento no qual exige «uma investigação independente e imparcial capaz de determinar o que se passou e quem são os responsáveis».
Uma semana depois, na sexta-feira 1 de Julho, mais de 60 cidades em Espanha vêem os seus cidadãos e cidadãs sair às ruas para protestar contra o «massacre de Melilla», denunciando a actuação das forças de segurança marroquinas. Em Madrid grita-se ‘Não são mortes, são assassinatos’, ‘nenhum ser humano é ilegal’, ‘as fronteiras matam’, ‘todas as vidas valem o mesmo’. A porta-voz da organização ‘Regularização Já’ pede que «se reconheça que este não é um caso isolado, e que responde a um sistema racista do qual beneficiam os países do Norte».

O LOBBY MARROQUINO EM ESPANHA

A carta que o Presidente do governo de Espanha Pedro Sánchez escreveu ao rei de Marrocos, expondo a nova posição do seu governo relativamente à antiga colónia do Sahara Ocidental, levantou um conjunto de interrogações sobre as razões de tal mudança política. O papel desempenhado pelo lobby marroquino faz parte deste debate.

Encontro em Rabat (foto EFE)

O jornal El Independiente de Espanha publicou no passado dia 18 de Junho um bem documentado artigo de Francisco Carrión sobre este tema - ”O plano de Marrocos para conquistar a opinião pública: os emissários de Mohammed VI em Espanha” - de que traduzimos excertos.
«(…). Com o vento a soprar a favor do ressurgimento das relações diplomáticas [com Madrid], agora descritas como "exemplares", Rabat está a tentar espalhar a sua mensagem por toda a nossa geografia. Ao seu serviço, tem uma escassa e muitas vezes díspar legião de emissários espanhóis.
«"Marrocos tem de fazer um esforço para com a opinião pública espanhola", admite ao El Independiente Machij el Karkri, membro do gabinete político da União Socialista das Forças Populares de Marrocos, um partido institucional marroquino. Na sua opinião, Rabat deveria aproveitar "o bom momento que as relações estão a atravessar, após o grande passo dado por Sánchez para clarificar e melhorar as relações com Espanha". "Tem de explicar bem os temas de conflito como o 'Sahara marroquino', a imigração, as fronteiras e a cooperação", acredita ele.
«El Karkri considera que propagar os postulados de Rabat em Espanha deve ser a missão de "intelectuais, diplomatas, associações e do seu povo, dos quais há muitos em Espanha". Cerca de um milhão de cidadãos marroquinos vivem em Espanha, a maioria dos quais representantes da diáspora económica. "Esta imagem tem de melhorar", sublinha, apontando os laços comuns, desde a gastronomia até à língua espanhola, que ainda persiste no norte do país apesar de se encontrar em franco declínio.

O lobby do PSOE

«No entanto, a primeira e mais importante fonte de apoio espanhol à causa do Makhzen, o círculo todo-poderoso que rodeia Mohammed VI, encontra-se naqueles que, num ou noutro momento, ocuparam os escritórios na Ferraz 70
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Morada da sede do PSOE em Madrid.
. A lista de membros pró-marroquinos do PSOE é longa: aos antigos presidentes Felipe González e José Luis Rodríguez Zapatero juntam-se os antigos ministros dos Negócios Estrangeiros Miguel Ángel Moratinos e Trinidad Jiménez; a antiga vice-presidente María Teresa Fernández de la Vega; os antigos ministros José Bono e María Antonia Trujillo, uma figura menor da "família socialista" que, como prémio de consolação, se tornou conselheira de educação na embaixada espanhola em Rabat. A uns e outros unem-nos as suas viagens ao outro lado do Mediterrâneo, a convite da ditadura marroquina.
«"O lobby marroquino em Espanha chama-se PSOE", escreve o jornalista Javier Otazu (...). Otazu, antigo delegado da agência EFE em Rabat com 16 anos de residência e trabalho no país vizinho, conhece cada centímetro da multifacetada realidade marroquina. Otazu até identifica o cenário, o luxuoso hotel Le Mirage na encantadora Tânger, onde começou o idílio do PSOE com Marrocos, do qual Pedro Sánchez e os ministros José Manuel Albares e Luis Planas são agora dignos herdeiros.
«"José Luis Rodríguez Zapatero e Trinidad Jiménez passaram lá o Natal em 2014 com as suas famílias, provavelmente a conselho de Felipe González, um cliente habitual que gostava tanto do local que até comprou uma mansão nas proximidades, que guardou durante vários anos e depois vendeu. Ao abrigo das paredes do Mirage foram forjadas algumas das alianças mais sólidas de Marrocos", diz o jornalista.
«Alguns dos hóspedes mais ilustres do hotel, acrescenta Otazu, "acabam por ser recompensados com um convite para a Festa do Trono, uma sumptuosa recepção realizada num palácio diferente no dia 30 de Julho de cada ano". Entre os destinatários encontravam-se González e Zapatero, que por sua vez foi condecorado com o "wisam (‘cordão’) alauita de classe excepcional". As viagens marroquinas de Zapatero são infinitas, quase sempre a convite do regime. A última é datada da semana passada, como uma das estrelas de um fórum de diálogo inter-religioso em Tânger. No entanto, o jornalista descreve Moratinos como "o verdadeiro factótum
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«Auxiliar valioso que tem a seu cargo todo o expediente dos negócios de alguém; braço direito.» (https://dicionario.priberam.org/factótum).
do lobby marroquino em Espanha".
«(...) [D]esde a carta de Sánchez a Mohamed VI, (...), os políticos socialistas saíram em força em defesa da viragem coperniciana no conflito saharaui, censurados pelo resto dos partidos espanhóis. Moratinos tem sido precisamente o mais entusiasta dos porta-vozes. Outros, como Jiménez, subscreveram durante anos a tese de que a Espanha "não tem responsabilidades no Sahara Ocidental", apesar de ainda ser o poder administrante de um território que ainda tem de ser descolonizado. E Zapatero não hesitou em qualificar o território governado com mão de ferro por Mohamed VI como "o reino da modernização e da democratização".
«Também controversas na altura foram algumas das declarações feitas pela antiga Secretária para os Assuntos Internacionais do PSOE, Elena Valenciano, agora reformada da vida política e dedicada à "diplomacia privada". "Não creio que Marrocos no seu conjunto tenha uma má imagem na opinião pública espanhola. Não penso, em caso algum, que seja pior que a da Argélia", disse Valenciano ao El Independiente.
«"Trata-se de uma tarefa que compete ao Reino de Marrocos e, em todo o caso, à diplomacia tanto de Espanha como de Marrocos, salientar a importância das suas relações estratégicas. Somos o país europeu mais próximo de Marrocos", diz. E acrescenta: "Temos de ser capazes de valorizar o nível das relações que Marrocos tem connosco, que para nós é, naturalmente, um vizinho chave. Tudo o que se faça para melhorar as nossas relações parece-me ser muito bom e é sobre isso que temos de trabalhar nos próximos anos".
«A tese de Valenciano foi apresentada em Outubro passado no documento-quadro do 40º congresso do PSOE, no qual – no meio da crise diplomática com Rabat e após o revés do acordo de pesca – o país foi considerado um "parceiro-chave na margem sul do Mediterrâneo" e o partido ofereceu-se para actuar como um agente dos interesses marroquinos na UE. "Nos próximos anos faremos progressos na parceria estratégica bilateral a longo prazo que os governos socialistas sempre promoveram; (...) a Espanha continuará a defender na Europa o carácter estratégico que este país tem para a Espanha e para a Europa".
«Os postulados marroquinos não têm, nem de longe, a mesma aceitação nos restantes partidos que compõem a vida política espanhola. Nas fileiras do PP, o nome mais proeminente é Gustavo de Arístegui, antigo porta-voz dos Negócios Estrangeiros no Congresso dos Deputados e mais tarde embaixador na Índia. Em 2015 foi envolvido num tórrido escândalo depois de ter sido revelado que a sua esposa, a marroquina Nadia Jalfi, trabalhava para a Direcção-Geral de Estudos e Documentação (DGED), o serviço secreto dos Negócios Estrangeiros de Marrocos.
«Numa declaração em Abril, Arístegui saudou a "decisão certa" de Sánchez mas criticou-o por tê-la tomado sem consenso. "Na ala direita espanhola nunca houve figuras proeminentes que apoiassem Marrocos. Tem sido bastante pró-Sahariana, talvez devido à nostalgia patriótica ou devido à sua defesa mais fechada de Ceuta e Melilha", diz um reputado observador da questão marroquina. Na órbita do Podemos está a antiga conselheira Dina Bousselham, que - antes da sua controversa e ruidosa passagem pela política espanhola - serviu em Paris nas fileiras do PAM (Partido da Autenticidade e Modernidade), um partido marroquino de centro-direita e pró-monarquista, militância que ela tentou sempre minimizar. (…).
«A parte mais negra desta rede de emissários marroquinos em solo espanhol são os presentes que os acólitos espanhóis de Mohammed VI recebem em troca do apoio a um país que há um ano atrás não hesitou em atirar centenas de menores para as águas ao largo de Ceuta e continua a reclamar aquelas cidades autónomas [Ceuta e Melilha] como suas. (...). "Marrocos tem uma imagem muito má. E qualquer pessoa que se pronuncie a favor do país é automaticamente suspeito de ter sido comprado. E por vezes são. São devidamente entretidos com jantares, viagens e participações em congressos", diz um conhecedor do país magrebino.»

 

A ONU E O SAHARA OCIDENTAL: É TEMPO DE ACÇÕES CONCRETAS

Decorreu no passado dia 13 de Junho mais uma sessão do Comité de Descolonização das Nações Unidas, a instância onde é abordada a situação dos territórios ainda não-autónomos, isto é que ainda não tiveram a oportunidade de exercer o seu direito à autodeterminação. Um deles é o Sahara Ocidental.

«Tensão mais elevada no território»

A situação de guerra que se vive hoje no território veio dar um outro contexto aos debates. Isto mesmo foi reconhecido por Jean-Pierre Lacroix, Secretário-geral Adjunto das Operações de Paz da ONU, que em final de Maio, numa entrevista à agência noticiosa EFE, reconheceu que «no último ano e meio assistimos a uma tensão mais elevada no território, em parte devido a esta impressão de que não houve progresso e esforço».
O diplomata lamentou que a MINURSO esteja a encontrar «limitações» de movimento no território, mas assegura que está a «fazer todos os possíveis para diminuir o impacto na missão». Apesar disso, continuam a «ter boas relações com as partes (Marrocos e a Frente POLISARIO)».
«É extremamente importante ter um mandado de paz que avance, porque quando não há progresso e os esforços de paz estagnam ou há uma percepção de que esses esforços não estão a avançar, isso tem um impacto na situação de segurança no território e nós vimos isso no último ano», concluiu.
Também o Conselho Internacional da IUSY (União Internacional das Juventudes Socialistas, na sigla em inglês), reunido em Tirana (Albânia) entre 2 e 5 de Junho, manifestou «a sua profunda preocupação com os recentes desenvolvimentos no Sahara Ocidental, na sequência da flagrante violação por parte de Marrocos do acordo de cessar-fogo e do regresso da guerra, em 13 de Novembro de 2020». Condenou também «a decisão unilateral do governo de Espanha de alterar a sua posição sobre o Sahara Ocidental, em clara violação do direito internacional e das resoluções da ONU e da UE sobre a descolonização do Sahara Ocidental». As delegações de Espanha e Marrocos tentaram bloquear a adopção desta recomendação, mas as outras organizações juvenis participantes recusaram alterar o texto da moção.
No dia 13 de Junho iniciou-se então, em Nova Iorque, a sessão do Comité de Descolonização, onde o Sahara Ocidental é um dos 17 territórios que figura na agenda de trabalhos, aguardando a conclusão do seu processo de descolonização.
Na sua intervenção, Omar Hilale, o representante permanente de Marrocos junto das Nações Unidas, insistiu obviamente na proposta de 2007 de Rabat, segundo a qual uma autonomia no quadro da soberania marroquina era a única solução possível. E não hesitou em reivindicar a recente mudança de posição do governo de Espanha como prova do reconhecimento internacional crescente que esta proposta estava a ter. O representante da Frente POLISARIO, Sidi Mohamed Omar, contrapôs o respeito pelo direito internacional como única via para a comunidade internacional conhecer a vontade do povo saharaui quanto ao seu futuro. «O povo saharaui nada mais exige do que o seu direito inalienável à autodeterminação e independência, em conformidade com a resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral e outras resoluções relevantes. (…). É tempo de traduzir o compromisso deste Comité de descolonização em acções concretas e de conseguir a descolonização do Sahara Ocidental sem mais delongas», disse.
Na troca de argumentos que se seguiu, o embaixador Nadir Larbaoui, representante permanente da Argélia na ONU, lembrou que a pretensa “marroquinidade” do Sahara Ocidental invocada por Marrocos não impediu Rabat de, em 1975, desafiar a Argélia a partilhar o território no âmbito dos Acordos de Madrid e, face à recusa de Argel, ir bater à porta da Mauritânia que subscreveu a proposta.
Cada uma das partes foi acompanhada nas suas posições quer por Estados quer por peticionários. Marrocos, por exemplo, recorre frequentemente a uma prática que já tínhamos visto aquando da questão de Timor-Leste, quando as autoridades indonésias faziam desfilar pelo microfone os seus “assimilados”, isto é colonizados que se prestavam a confidenciar o que tinham ganho com a chegada do novo colonizador.
Precisamente o representante de Timor-Leste junto da ONU, Karlito Nunes, na sua intervenção recordou o que o seu país – e a região – tinham ganho com a realização da consulta popular organizada pelas Nações Unidas. «Tendo alcançado o nosso direito à autodeterminação e independência na primeira década internacional para a erradicação do colonialismo através da contribuição deste Comité Especial, acreditamos que ele também pode contribuir muito para ajudar o povo do Sahara Ocidental a desfrutar do seu inalienável direito à autodeterminação e independência nesta quarta década para a erradicação do colonialismo.
«Tendo percorrido o mesmo caminho e alcançado o glorioso fim, que é a nossa independência, partilhamos a opinião de que a única solução viável, realista e duradoura para a descolonização do Sahara Ocidental é a solução que respeite plenamente a vontade soberana do povo saharaui de determinar o seu próprio futuro através de um referendo livre e justo sobre a autodeterminação.»
É para alcançar esse objectivo que o povo saharaui luta.


 

 


 


 


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