domingo, 5 de dezembro de 2021

Boletim nº 103 - Dezembro 2021

 

ESPANHA: O FRANQUISMO CONTINUA VIVO

Em 16 de Novembro passado as autoridades do Estado espanhol entregaram à polícia marroquina Faisal Bahloul, um conhecido activista pela independência do Sahara Ocidental.

Faisal Bahloul

«O activista saharaui, de 44 anos, foi detido a 30 de Março em Basauri [País Basco]. Na altura, foi noticiado que era muito activo nas redes sociais, com cerca de 30.000 seguidores, e que postava mensagens "inflamatórias" contra os ocupantes do Sahara Ocidental.»
Segundo a agência espanhola EFE em Rabat, na altura da detenção o Ministério do Interior de Espanha informou que Faisal, que foi preso por ordem do tribunal, se radicalizara e utilizava as redes sociais para encorajar acções "terroristas e violentas" contra o povo e as instituições marroquinas em Espanha e no estrangeiro.
Fontes familiares afirmam que ele tinha residência legal em Espanha até 2024 e que estava pendente de um pedido de asilo em França, pedido este válido até 15 de Dezembro de 2021. Marrocos acusa-o de envolvimento nos acontecimentos ocorridos durante o desmantelamento do campo de Gdeim Izik, nos arredores de El Aaiún, em Novembro de 2010.
Segundo a EFE, «a investigação começou em Dezembro de 2020, quando a polícia espanhola tomou conhecimento da actividade de um indivíduo que publicou ameaças extremamente graves e violentas através de redes sociais.»
A Associação das Famílias dos Presos e Desaparecidos Saharauis (AFAPREDESA) acusa Madrid de ter violado a IV Convenção de Genebra e a Convenção contra a Tortura ao entregar Faisal Bahloul a Marrocos. Em comunicado, a associação considera que a Espanha violou as suas obrigações como poder administrante do território do Sahara, tal como estabelecido nos artigos 73 e 74 da Carta das Nações Unidas. Em apoio desta afirmação, cita a decisão de 4 de Julho de 2014 da Câmara Criminal da Audiência Nacional, então presidida pelo actual Ministro do Interior, Fernando Grande Marlaska, que determina que a Espanha, de acordo com as resoluções das Nações Unidas, continua a ser de jure, embora não de facto, o poder administrante do Sahara Ocidental e, até que a descolonização esteja concluída, tem as obrigações estabelecidas nos artigos 73º e 74º da Carta das Nações Unidas, incluindo a prestação de protecção, abrangendo a jurisdicional, aos seus cidadãos.
Para a AFAPREDESA a entrega do activista saharaui às autoridades marroquinas, efectuada por polícias espanhóis no aeroporto de Casablanca, constitui uma grave violação do Artigo 3 da Convenção contra a Tortura, que proíbe «a expulsão, regresso ou extradição de uma pessoa para outro Estado onde existam motivos substanciais para acreditar que ela correria o risco de ser sujeita a tortura». Salienta que o Executivo está consciente da existência de «violações manifestas, flagrantes ou maciças dos direitos humanos pelo Reino de Marrocos contra o povo saharaui, tanto no passado como no presente», e especifica o caso de genocídio, «uma verdade jurídica reconhecida pelo Despacho n.º 1/2015 para a acusação de 11 altos comandantes civis e militares marroquinos emitida em 19 de Abril de 2015 pelo Juiz Pablo Ruz».
A este respeito, regista a resolução da Comissão contra a Tortura da ONU sobre o prisioneiro Naama Asfari, pelo qual Marrocos foi condenado, e as decisões do Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária, como a de Agosto de 1996 sobre 10 jovens saharauis condenados a penas de prisão que vão de 18 meses a 10 anos «por participarem no exercício pacífico do seu direito à liberdade de opinião e de expressão»; outro de 1996, relativo à detenção de cinco jovens por se terem manifestado, e um de Fevereiro de 2021, relativo ao jornalista Walid El Batal, arbitrariamente privado da sua liberdade em violação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
E inclui uma Acção Urgente adoptada em Junho de 2021 mandatada por um grupo de Relatores Especiais da ONU sobre alegações de agressões físicas e sexuais, assédio, ameaças e rusgas a jornalistas e defensores dos direitos humanos e membros da ISACOM (Instância Saharaui Contra a Ocupação Marroquina), incluindo as irmãs Sultana e Luaara Khaya, sob cerco domiciliário e sujeitas a agressões físicas e sexuais e intimidação.
Não é a primeira vez que as autoridades do Estado espanhol entregam à polícia de Marrocos cidadãos do Sahara Ocidental. «Há cinco anos, um jovem saharaui foi preso em Sevilha pela polícia espanhola por ter criticado duramente o regime de Mohamed VI em grupos de WhatsApp; as autoridades espanholas fizeram então as mesmas acusações: "preparar acções terroristas contra os interesses marroquinos em Espanha e ameaçar a vida do próprio rei Mohamed VI".
«Outro caso semelhante mas mais grave, ocorreu a 17 de Janeiro de 2019 quando o governo de Espanha entregou às autoridades marroquinas Husein Uld Bachir Uld Brahim (alias Saddam)».
«O estudante saharaui Husein Bachir Brahim chegou a 11 de Janeiro de 2019 a Lanzarote, num barco, fugindo da perseguição marroquina. No dia 14 declarou no tribunal de instrução de Arrecife que procurava asilo político por ser um activista dos direitos humanos e ser perseguido. O juiz ordenou a sua admissão e três dias mais tarde foi entregue a Marrocos pelo Ministério do Interior. Bachir, membro do grupo de estudantes saharauis conhecido como "El Ouali's Companions", detido em 2016 em Marraquexe, foi condenado a 12 anos de prisão.» 
As autoridades de Madrid conhecem a situação política e social em Marrocos e nos territórios ocupados do Sahara Ocidental. Conhecem as práticas do seu regime no campo da violação dos direitos humanos, práticas estas amplamente denunciadas por organizações internacionais de defesa dos Direitos Humanos e por organismos das Nações Unidas. Estas cumplicidades com o regime de Rabat extravasam questões de segurança e interesses económicos. Alertam-nos para que a herança recente do franquismo ainda está viva em Espanha.