segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Boletim nº 101 - Outubro 2021

ONU: NOVA DINÂMICA PARA A QUESTÃO DO SAHARA OCIDENTAL?

Ao fim de uma longa espera as Nações Unidas conseguiram, finalmente, nomear um novo Enviado Pessoal do Secretário-geral para o processo de descolonização do Sahara Ocidental.

Staffan de Mistura

Em Maio de 2019 Horst Köhler, o Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU para a questão do Sahara Ocidental, apresentou a sua demissão do cargo invocando «razões de saúde». Ao longo deste tempo de espera foram várias as ocasiões em que responsáveis políticos insistiram junto de António Guterres sobre a urgência de encontrar um substituto e sobre o impacto negativo dessa demora na resolução do conflito. Finalmente em 15 de Setembro Guterres apresentou aos membros do Conselho de Segurança o nome proposto para Enviado Pessoal: Staffan de Mistura.
O sítio El Confidencial Saharaui relembra-nos o caminho percorrido. A Frente POLISARIO tinha dado o seu acordo ao nome proposto logo em Abril mas Marrocos, em Maio, rejeitou-o. «A rejeição marroquina levou o Secretário-geral da ONU a declarar, em Madrid, a 2 de Julho de 2021, que tinha apresentado 13 nomes mas sem ter conseguido o consenso das duas partes e apelou a ambas para acolherem o seu próximo candidato.
«Fontes bem informadas indicam que, após a rejeição marroquina, a administração de Joe Biden pressionou Marrocos por todos os meios para obrigar a reconsiderar a sua posição e aceitar a candidatura de Staffan de Mistura. Hoje confirma-se que a pressão dos EUA valeu a pena. (…).
«Staffan de Mistura é um diplomata italo-sueco. Nascido em 1947, filho de pai italiano e de mãe sueca, sob a sua aparência aristocrática, os seus fatos de bom corte, esconde-se um diplomata poliglota acostumado a missões delicadas (...).
«Durante mais de 40 anos serviu incansavelmente a ONU (...), e lutou contra regimes como os do Líbano, Somália, Sudão, Ruanda ou Balcãs. Os seus últimos cargos foram como enviado especial da ONU no Iraque de 2007 a 2009, no Afeganistão de 2010 a 2011 e na Síria de 2014 a 2018.
«De Mistura prioriza a "flexibilidade" e a "criatividade do mediador" quando a situação se torna crítica. A palavra "impossível" nunca fez parte do seu vocabulário.»
Os sinais de pressão da administração norte-americana puderam ser lidos no discurso de Biden na 76ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas agora realizada. A jornalista Teresa de Sousa chamou precisamente a atenção para isso quando lembrou que Biden «disse que era preciso (...) impedir que alguns países imponham a sua vontade a outros pela força ou pela intimidação e combater as violações grosseiras aos direitos humanos (...).»
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Público, «O mundo não é só Europa», 22 de Setembro 2021, p. 3.
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Em finais de Agosto foi também nomeado o diplomata russo Alexander Ivanko como novo chefe da MINURSO, em substituição do canadiano Colin Stewart cujo mandato tinha terminado em Junho passado. Tendo servido como Chefe de Gabinete da MINURSO desde 2009, Alexander Ivanko tem mais de 30 anos de experiência em assuntos internacionais, manutenção da paz e jornalismo, de acordo com uma declaração da ONU. Anteriormente foi porta-voz da ONU na Bósnia-Herzegovina (1994-1998) e Director de Informação Pública para a Missão da ONU no Kosovo (2006-2009). Ivanko iniciou a sua carreira no jornalismo, trabalhando como correspondente no Afeganistão e nos Estados Unidos da América para um jornal russo. Foi também conselheiro principal do Representante para a Liberdade dos Media da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (1998-2005). Tem um mestrado em jornalismo pela Universidade Estatal de Moscovo e é fluente em russo e inglês.
No dia 21 de Setembro o MNE marroquino Nasser Bourita recebeu em Rabat Alexander Ivanko, o que constituiu uma novidade pois há três anos que se recusava reunir com funcionários ou pessoal diplomático da MINURSO. «“Ivanko está familiarizado com as complexidades do conflito do Sahara Ocidental e os obstáculos que Marrocos coloca para bloquear qualquer solução pacífica. (...).»
Em entrevista à agência noticiosa marroquina MAP, em 17 de Setembro, comentada por El Confidencial Saharaui, o embaixador de Rabat junto das Nações Unidas, Omar Hilale «classificou a ocupação de um país estrangeiro como uma "disputa regional", qualificou a Frente POLISARIO como "um grupo armado argelino" e finalmente impôs condições para a participação em futuras negociações, exigindo que só fossem consideradas as resoluções a partir de 2007. (…). “De Mistura pode contar com a cooperação e o apoio inabaláveis de Marrocos na aplicação da sua facilitação para a solução deste litígio regional, de acordo com as resoluções do Conselho de Segurança desde 2007, em particular as resoluções 2440, 2468, 2494 e 2548, que consagraram o Processo de Mesa Redonda com os seus quatro participantes [Marrocos, Frente POLISARIO, Mauritânia e Argélia] e as suas modalidades. (…).” A encerrar a entrevista, o embaixador marroquino reconheceu que Marrocos não cumprirá com o direito internacional nem com as resoluções da ONU ou com o Acto Constitutivo da União Africana, pois que a única solução é a autonomia dentro de Marrocos.»
O Conselho de Segurança reunirá neste mês de Outubro para discutir o relatório do Secretário-geral e a prorrogação do mandato da MINURSO. Veremos qual será o impacto, se algum, que estas nomeações terão no desenrolar do processo de descolonização.