segunda-feira, 5 de julho de 2021

Boletim nº 98 - Julho 2021

UE – MARROCOS: GUERRAS DO ALECRIM E DA MANJERONA?

As relações entre Marrocos e a União Europeia — particularmente a Espanha e a Alemanha — não mostram ainda sinais de apaziguamento, embora ambas as partes reconheçam que só têm a ganhar com a ultrapassagem do actual “desentendimento”.

Relações em crise

Recapitulemos. No dia 18 de Abril Brahim Ghali, Secretário-geral da Frente POLISARIO e presidente da República Árabe Saharaui Democrática (RASD), foi internado numa clínica em Espanha a pedido do governo argelino para tratamento da covid19.
Rabat, que antes se tinha indisposto com Berlim por causa do Sahara Ocidental, desencadeou de imediato uma ofensiva contra as autoridades de Espanha. Um dos elementos mediaticamente mais marcantes foi a invasão em 17 de Maio do enclave de Ceuta por mais de 8.000 emigrantes marroquinos, reunindo homens, mulheres e crianças (cerca de 1.200 menores não acompanhados), que foram “encaminhados” pelas próprias autoridades marroquinas. Mas com este gesto transformaram um conflito com Espanha num conflito com a União Europeia, «um grave erro diplomático», segundo alguns observadores.
Bem sabemos que foi a UE que teceu as malhas em que agora ficou presa. Ao entregar à polícia marroquina a tarefa de controlar a passagem das suas fronteiras, a UE – e a Espanha em particular – ficou amarrada a um compromisso em que a questão ficou reduzida ao preço. Aliás, ainda o pico do litígio estava a decorrer e Madrid entregava a Rabat 30 milhões de euros para repor o controlo de fronteiras. Como escreveu Lucile Daumas: «A partir de 1995, com o lançamento do Processo de Barcelona e da Parceria Euro-Mediterrânica, a UE pressionou fortemente os países da margem sul para que assumissem a subcontratação do controlo das fronteiras. E a partir de 2006, data da primeira Cimeira Euro-Africana sobre Migrações, realizada em Rabat, esta imposição foi alargada a muitos países do continente africano.»
A degradação das condições sociais, económicas e políticas de Marrocos deveriam motivar as autoridades europeias a enfrentar a questão com uma outra lógica. O aumento do volume migratório nestes últimos anos é um bom indicador: 1.310 migrantes marroquinos chegaram a Espanha em 2016, em 2018 foram 10.816.
No dia 10 de Junho o Parlamento Europeu (PE) debruçou-se sobre o comportamento das autoridades marroquinas na “invasão de Ceuta”. Uma resolução de apoio ao Estado espanhol acordada pelos quatro principais grupos da câmara – Partido Popular, Socialistas, Liberais e Verdes – condenou a utilização por Marrocos da migração em geral e de menores em particular como instrumento de pressão política sobre a Espanha. A resolução foi aprovada por 397 votos a favor, 85 contra e 196 abstenções. Os eurodeputados defenderam que a pressão de Rabat não fará mudar a sua posição sobre o Sahara Ocidental, que «se baseia no pleno respeito pelo direito internacional, em conformidade com as resoluções do Conselho de Segurança da ONU e com o processo político liderado pela ONU para alcançar uma solução negociada justa, duradoura, pacífica e mutuamente aceitável para ambas as partes».
A Frente POLISARIO divulgou na ocasião um comunicado onde se congratula com a decisão tomada: «Nesta resolução, o respeito pelas convenções internacionais, a inviolabilidade das fronteiras internacionais e o respeito pela integridade dos Estados foram energicamente relembrados. Também neste espírito, a Frente POLISARIO espera que, com esta decisão, a União Europeia acabe definitivamente com a impunidade e a complacência para com Marrocos.»
Como diz o ditado popular, “o azar de uns é a sorte de outros”. Face a este diferendo, as autoridades de Rabat decidiram também fechar as comunicações marítimas com Espanha, pelo que o regresso dos migrantes marroquinos ao seu país durante o verão ficou bloqueado. Mantiveram-se, no entanto, as rotas a partir de portos em França e em Itália. Procurando reforçar as alternativas, os governantes marroquinos entabularam contactos com as autoridades portuguesas — como nos alertou o sítio blasfémias – para estudar a possibilidade de recorrerem ao porto de Portimão, «segundo anunciou num comunicado a Marinha Mercante, dependente do Ministério do Fomento [de Marrocos].»
«No passado domingo, 6 de Junho, o governo marroquino declarou cancelada a operação Paso del Estrecho ao excluir os portos espanhóis de Algeciras, Tarifa, Motril, Málaga, Almería e Ceuta das rotas marítimas deste verão, o que causou profundo mal-estar sobretudo no Região de Cádiz, onde se concentra o maior número de viajantes (…).
«O objectivo é transportar de barco 48 mil pessoas e 15 mil veículos por semana, chegando a um total de 650 mil pessoas e 180 mil veículos, o que é um quinto dos que viajam num ano normal.»
Ficamos a aguardar esclarecimentos das autoridades portuguesas sobre este negócio.