sábado, 8 de maio de 2021

Boletim nº 96 - Maio 2021

 

CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU: «A OPÇÃO PELA INACÇÃO»

O Conselho de Segurança das Nações Unidas, sob a presidência do Vietname, reuniu à porta fechada no passado dia 21 de Abril para abordar o processo de descolonização do Sahara Ocidental. Nada buliu na quieta melancolia dos caminhos, como diria o poeta Augusto Gil.

Agir? Olhar para o lado?

A nomeação de um novo Enviado Pessoal do Secretário-geral (EPSG) para a questão do Sahara Ocidental terá sido um dos temas centrais da reunião. Há dois anos que se espera que António Guterres encontre um substituto para o ex-presidente da República da Alemanha, Horst Köhler, que em Maio de 2019 apresentou a demissão, invocando razões de saúde.
Vários têm sido os Estados a manifestar a sua preocupação pela demora nesta substituição. Um dos últimos a expressá-la, em 29 de Março, foi o novo Secretário de Estado norte-americano Antony Blinken que se encontrou virtualmente com Guterres e o «exortou a acelerar a nomeação de um novo Enviado (…), sublinhando o apoio dos EUA ao processo de negociações políticas entre» Marrocos e a Frente POLISARIO.
De vez em quando surgem nomes de potenciais candidatos ao cargo. O MNE da Argélia, Sabri Boukadoum, alertou mesmo para o facto de que «pelo menos dez candidatos (…) foram todos recusados por uma das duas partes no conflito.» Dias depois deste desabafo a Frente POLISARIO esclareceu a sua posição:
«Até agora, quatro enviados pessoais e quinze representantes especiais do Secretário-geral da ONU estiveram envolvidos no plano de paz da ONU no Sahara Ocidental. No entanto, Marrocos conseguiu, com impunidade, transformar os seus esforços de mediação em missões impossíveis por meio da sua procrastinação e obstrucionismo deliberados. (…).
«Quando o Secretário-geral conseguiu nomear como seu EPSG para o Sahara Ocidental o ex-presidente alemão Horst Köhler em Agosto de 2017, seis anos depois da paralisação das negociações directas entre os dois lados, o obstrucionismo de Marrocos encaminhou os esforços do presidente Köhler para uma missão impossível que o conduziu a apresentar a sua renúncia em Maio de 2019. (…).
«Para concluir, a Frente POLISARIO sublinha que a nomeação de um novo EPSG para o Sahara Ocidental, que deve ser imparcial, independente, competente para cumprir a sua missão com integridade, não é um fim em si mesmo. Pelo contrário, é apenas um meio para fazer avançar o processo de paz no sentido de alcançar o seu objectivo final, nomeadamente o exercício pelo povo saharauí do seu direito inalienável e inegociável à autodeterminação e independência.»
Um dos nomes que foi ventilado foi o de Luís Amado, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do Primeiro-ministro António Guterres (as voltas que o mundo dá!) que nessa função se deslocou a Rabat em Setembro de 2006 no âmbito da preparação da IX cimeira luso-marroquina. Segundo a fonte que estamos a citar, «Os dois ministros [o de Marrocos e o de Portugal] vão ainda discutir questões da actualidade internacional como a situação no Médio Oriente, designadamente nos territórios palestinianos e no Líbano, a situação no Iraque e o conflito em torno do programa nuclear do Irão.» E o problema do Sahara Ocidental? «Questionado sobre a integração regional no Magrebe, comprometida pelo diferendo entre Marrocos e a Argélia devido ao conflito no Saara Ocidental, Luís Amado defendeu a necessidade de se "desenvolver um quadro de relacionamento entre a UE e aquela região, que permita ultrapassar ou pelo menos fazer baixar algumas tensões que existem".» Não nos surpreende que o currículo do ex-MNE tenha sido olhado com suspeição por parte da Frente POLISARIO, como noticiou o Expresso, que «rejeitou o nome do português Luís Amado para representante das Nações Unidas na mediação do conflito no Saara Ocidental, posição que se encontra desocupada há quase dois anos, avançou esta quinta-feira a agência France-Press (AFP).»
Outro tema central que se acreditava fazer parte da agenda era o recomeço das hostilidades, assunto que para Rabat é um “não-assunto”. No seu relatório prévio o Secretário-geral reconheceu e manifestou a sua preocupação pelos confrontos militares actualmente em curso e disse que a MINURSO irá exercer os seus esforços para a cessação das hostilidades. O Secretário-geral salientou que «a missão da MINURSO enfrenta agora grandes desafios após o recomeço da guerra e preocupações de segurança, especialmente em áreas próximas do muro militar».
Nas vésperas da reunião do Conselho de Segurança, o Ministério dos Negócios Estrangeiros saharaui divulgou um comunicado onde faz o ponto de situação do conflito.
«A República Saharaui considera que não é justo nem legal punir o povo saharaui, impedindo-o de gozar da sua liberdade, dos seus direitos inalienáveis e de ter o seu lugar entre os povos e nações e isto após trinta anos de cooperação activa e positiva com as Nações Unidas no quadro das suas responsabilidades e dos seus esforços para descolonizar o Sahara Ocidental, o último bastião do colonialismo em África.» E mais à frente: «Perante a obstrução marroquina ao referendo, da qual todos sabem a verdadeira razão que reside na convicção da outra parte de que lhe é impossível vencer, o Conselho de Segurança não tem, portanto, qualquer possibilidade de se eximir às suas responsabilidades. Consequentemente, a legalidade internacional na matéria deve ser aplicada sem demora e deve ser aberta a via para que o Estado saharaui ocupe o seu lugar natural entre os países ao nível das Nações Unidas, como já acontece ao nível da União Africana. É tempo de o Reino de Marrocos avançar para a paz com a República Saharaui e também com todos os seus vizinhos, de abandonar a política de ocupação e expansão, de agressão e chantagem. O Reino de Marrocos deve deixar de exportar as suas crises internas criando inimigos imaginários para ganhar tempo na tentativa condenada ao fracasso de legitimar a sua ocupação, porque o preço de tal política não trará a Marrocos senão mais pobreza, analfabetismo, subdesenvolvimento e privação.»
E a concluir:
«A consolidação da soberania da República Saharaui através da ocupação do lugar que naturalmente lhe pertence no seio das Nações Unidas, (...), é agora necessária em resposta à posição do ocupante marroquino que recusa o referendo de autodeterminação e é também essencial como condição necessária para garantir uma paz justa e definitiva que ofereça todas as condições de estabilidade, integração e segurança na região. Segurança esta constantemente ameaçada pela política do Reino de Marrocos que visa usar a droga como arma, empobrecer os jovens, excluí-los, empurrá-los para a imigração ilegal ou para as fileiras de grupos terroristas, como o confirmam todos os relatórios internacionais.»
Não foi tornada pública qualquer decisão desta reunião do Conselho de Segurança. Sidi M. Omar, representante da Frente POLISARIO nas Nações Unidas, lamentou que o Conselho tenha optado «pela inacção», não apresentando «resultados substantivos».