quinta-feira, 8 de abril de 2021

Boletim nº 95 - Abril 2021

A CORAGEM DE AFRONTAR A REPRESSÃO SILENCIADA

A repressão exercida pelo regime marroquino sobre a população saharaui extremou-se desde Novembro do ano passado. As denúncias desta situação e os apelos à intervenção, quer das Nações Unidas, quer de organismos internacionais como a Cruz Vermelha, têm-se multiplicado. Com pouco eco.

Sultana Jaya sob ameaça (espacioseuropeos.com)

A AAPSO foi uma das organizações que chamou a atenção para a situação que se vive nos territórios ocupados do Sahara Ocidental. Preocupação que, neste momento, não se restringe às organizações da sociedade civil. O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido deu conta que o governo britânico acompanha a situação, «especificamente a relacionada com a defensora dos direitos humanos saharauí, Sultana Sid Ibrahim Jaya».
O diário El Pais publicou um artigo do seu correspondente em Rabat, Francisco Peregil, onde é abordada a situação dos que enfrentam o regime marroquino e as consequências dessa coragem. E nesse combate contra este regime retrógrado estão unidos marroquinos e saharauis. Traduzimo-lo a seguir na íntegra.
«Activistas saharauis denunciam um aumento da "repressão" por parte das autoridades marroquinas no Sahara Ocidental desde 13 de Novembro. Nesse dia houve uma troca de tiros entre o exército marroquino e membros da Frente POLISARIO na zona saharaui de El Guerguerat que quebrou o cessar-fogo estabelecido por ambas as partes desde 1991. A Frente POLISARIO decretou o estado de guerra e, desde então, vários activistas alertam para a vigilância de agentes marroquinos sobre as suas casas e a limitação dos seus movimentos no Sahara Ocidental.
A organização internacional Human Rights Watch (HRW) investigou o caso de Sultana Jaya, uma activista de 40 anos cuja casa na cidade de Bojador, no Sahara Ocidental, está sob vigilância pelas autoridades marroquinas há mais de três meses, de acordo com um comunicado da ONG divulgado no último dia 5. Isso indica que as forças da ordem impediram “sem qualquer justificação” que várias pessoas a visitassem na sua casa. Esta vigilância e a “violação do direito de associação na própria casa”, segundo a HRW, são “emblemáticas da intolerância” das autoridades de Rabat aos apelos à autodeterminação no Sahara Ocidental. A HRW solicitou informações sobre o caso à Delegação Interministerial de Direitos Humanos (DIDH) e este órgão respondeu por carta que "nem ela nem a sua família estão a ser submetidas a qualquer tipo de assédio ou vigilância".
Jaya disse a este jornal numa conversa telefónica no dia 5 que a sua casa, onde mora com a irmã, a mãe e outro activista, está sob vigilância desde 19 de Novembro de 2020. “Tornou-se numa prisão onde ninguém pode entrar ou sair”. Garante que mais de 20 pessoas a vigiam regularmente, com e sem uniforme. "Estamos em prisão domiciliária há 108 dias", disse ela. “Cada vez que tentamos sair ou documentar o que estamos a sofrer, somos vítimas de agressões físicas, humilhações e insultos”. Jaya afirma também sofrer uma “feroz campanha de difamação” nas redes sociais e nos meios de comunicação do Estado marroquino.
A HRW indica que, desde 19 de Novembro, Jaya deixou a sua casa "menos de uma dezena de vezes", para andar alguns metros, filmar membros das forças de segurança com o seu telemóvel e depois voltar para casa. Especifica que apenas uma vez se aventurou a caminhar 150 metros além de sua casa. Segundo contou a activista à organização, vários agentes cercaram-na naquele momento. “Não me prenderam nem me tocaram, mas senti-me ameaçada, temi pela minha vida e voltei para casa”, disse ela.
“PRESSIONAR” OS OPOSITORES
Eric Goldstein, responsável da HRW para o Médio Oriente e o Norte de África, destacou no referido comunicado que nada justifica o bloqueio de uma casa sem base legal. Para Goldstein, a vigilância sobre Jaya visa pressionar, "psicologicamente também", aqueles que se opõem à soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental.
O activista saharaui El Mami Amar Salem, de 42 anos, contou-nos numa conversa telefónica a partir da cidade de Dakhla, no sul do Sahara Ocidental, que no dia 18 de Fevereiro foi impedido de viajar para o Bojador, a três horas e meia de carro, por causa da polícia que o deteve com outro amigo. “Queríamos visitar Sultana [Jaya] para lhe mostrar a nossa solidariedade. A polícia já nos esperava no primeiro controle da cidade, acompanhada por agentes dos serviços de segurança. Pediram-nos a documentação do carro. E depois de duas horas e meia de espera, devolveram a documentação e impediram-nos de seguir”.
Um dos porta-vozes do grupo de jornalistas saharauis Equipe Media, que pede o anonimato, indica de El Aaiún que desde 13 de Novembro passado, "quando Marrocos quebrou o cessar-fogo", uma vintena de saharauis viram as suas casas serem colocadas sob vigilância durante dois meses. Todos eles residem em El Aaiún, a capital administrativa do Sahara Ocidental. “Entre eles encontrava-se a activista Aminatu Haidar. Agora, esses activistas continuam a ser vigiados, mas não por 24 horas; não como a Sultana”, diz a fonte citada.
A activista El Ghalia Djimi, de 60 anos, tem uma mensagem em espanhol no seu perfil no WhatsApp que diz: “Somos todos Sultana Jaya”. De El Aaiún, garante por telefone que várias viaturas policiais rodearam a sua casa no dia 6. Refere ainda que na passada segunda-feira, Dia Internacional da Mulher, em que várias mulheres saharauis se manifestaram em El Aaiún, foi seguida por uma motocicleta das oito da manhã até às duas da tarde.
Djimi afirma ter estado debaixo de "vigilância e perseguição policial" durante três meses, desde que a 20 de Setembro participou na criação da Instância Saharaui contra a Ocupação Marroquina [ISACOM]. “Tenho vídeos e matrículas dos carros que me seguiram. Deixaram de me perseguir desde 25 de Dezembro. Mas daquele dia em diante abriram um café ao lado da minha casa e os informadores marroquinos aparecem todas as tardes a fingir que estão a jogar. Reconhecemo-los porque, embora usem roupas civis, comunicam via rádio”.
Djimi explica que, se os activistas saharauis não reivindicam a autodeterminação, a situação pode parecer perfeita, “apesar da presença militar e policial nas ruas”. “Mas, assim que uma pessoa tenta falar, já sabe que a discriminação, a intimidação e a marginalização económica a aguarda. É o que acontece com Sultana e a sua família. Sou uma defensora pacífica dos direitos humanos e da autodeterminação do Sahara. Marrocos não deve obrigar-nos a aceitar a ocupação. Tem que ter a coragem de convencer os saharauís da sua presença no Sahara ocupado”.
A organização estatal Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), equivalente em alguns aspectos à instituição espanhola do Provedor de Justiça, foi consultada por este jornal sobre a situação no Sahara Ocidental a partir de 13 de Novembro. Uma porta-voz referiu-se a um breve comunicado que o CNDH publicou depois de Sultana Jaya ter denunciado nas redes sociais ter sido ferida numa vista em Fevereiro devido a uma pedra atirada por um polícia. O comunicado conclui dizendo que, devido às "versões contraditórias" sobre o ocorrido, o CNDH enviou uma carta ao Ministério Público na qual recomendava a realização de uma investigação sobre os factos denunciados. Este jornal tentou, sem sucesso, obter a versão das autoridades marroquinas através dos Ministérios do Interior e da Comunicação.
PROTESTO A FAVOR DE UM INTELECTUAL MARROQUINO PRESO DISPERSO PELA POLÍCIA
Polícias marroquinos dispersaram um protesto em frente ao Parlamento em Rabat na tarde de sexta-feira [5 de Março], no qual cerca de 50 manifestantes pediram a libertação do historiador e activista marroquino Maati Monjib, de 60 anos. Abdellatif El Hamamouchi, presidente da comissão de apoio ao intelectual, disse a este jornal que várias pessoas ficaram feridas. "Entre elas, eu, numa perna", disse.
Monjib está em greve de fome desde quinta-feira, 4 de Março, com o objectivo de lançar um "apelo de socorro" à opinião pública face à "perseguição e injustiça" que declara sofrer do Estado, de acordo com uma carta divulgada pelos seus advogados.
O historiador está preso desde 29 de Dezembro, acusado de "fraude e atentado à segurança do Estado". Monjib declara-se inocente e ressalta que a verdadeira causa da sua prisão são os seus artigos de crítica ao Estado.
A dispersão do protesto pelas forças da ordem foi filmada e divulgada nas redes sociais. Monjib cumprirá 11 dias de greve de fome nesta segunda-feira [15 de Março]. "Receamos pela sua vida", disse Hamamouchi. “Ele é diabético e sofre de arritmias cardíacas. Já perdeu cinco quilos. E disse aos seus advogados que não vai desistir da greve de fome".»
Face ao movimento internacional de solidariedade o historiador marroquino acabou por ser libertado no passado dia 24 de Março. Foi, entretanto, para a Alemanha por motivos de saúde onde confirmou à comunicação social as perseguições que sofreu por parte das autoridades de Rabat.