quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Boletim nº 90 - Novembro 2020

ONU: ENTRE A COMPLACÊNCIA E A IMPOTÊNCIA

Como era esperado, o Conselho de Segurança das Nações Unidas prorrogou o mandato da MINURSO, a sua Missão para a organização de um referendo no Sahara Ocidental, por mais um ano. Sem, contudo, propor caminhos para a realização dessa missão. Não admira que haja saharauís que se interroguem: será que a ONU começa a ser irrelevante neste processo?

ONU: obstáculo ou via para a paz?

Com a data de 23 de Setembro foi divulgado o Relatório do Secretário-geral das Nações Unidas ao Conselho de Segurança sobre a situação no Sahara Ocidental. Na preocupação de esconder a sua incapacidade em responder ao objectivo para que foi criada — e que está bem expresso na sua designação, Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental — o documento inventaria um conjunto de pontos de atrito e choque de posições, evitando, no entanto, dar o seu parecer sobre esses pontos de divergência.
Refere no seu § 6 que «Entre 19 de Dezembro 2019 e 12 de Março de 2020 o Burundi, Comores, Costa do Marfim, Djibouti, Gabão, Gâmbia, Guiné, Libéria, República Centro-Africana e São Tomé e Príncipe inauguraram “consulados gerais” em Laayoune e Dakhla. Nas suas cartas para mim em 3 de Julho de 2019, 20 de Novembro de 2019, 7 de Janeiro de 2020, 17 de Janeiro de 2020 e 18 de Fevereiro de 2020, o Secretário-geral da Frente POLISARIO, Brahim Ghali, qualificou a instalação dessas representações diplomáticas de "violação do direito internacional e […] [de] minar o status legal do Sahara Ocidental como um território não-autónomo”.» Porém, nada é dito sobre a leitura do SGONU sobre estas instalações, se considera que violam, ou não, o direito internacional.
Esse mesmo posicionamento esteve presente na conferência de imprensa do porta-voz Dujarric do SG ONU de 29 de Outubro passado. Perguntou o jornalista: «Tenho duas perguntas, ambas sobre a violação do direito internacional. (…). Os Emiratos Árabes Unidos decidiram abrir um consulado no disputado território do Sahara Ocidental, que ainda não foi resolvido, reconhecendo assim a soberania de Marrocos sobre este território. O que tem a dizer sobre isso, (...)?» Resposta: «Olhe, gostaria apenas de reiterar as nossas posições. Sobre o Sahara Ocidental, têm sido regularmente expostas pelo Secretário-geral nos seus relatórios. Sugiro-lhe que os consulte.»
Sobre a situação dos direitos humanos, o relatório não faz qualquer referência ao comentário da Alta Comissária Michelle Bachelet que lamentou recentemente que as missões técnicas não tenham visitado o território nos últimos cinco anos, acções que «eram vitais para identificar os problemas críticos dos direitos humanos» no território. Mas talvez tenha havido receio que isso levantasse a questão de a MINURSO ser a única Missão das Nações Unidas que não engloba no seu mandato o acompanhamento da situação dos DH. Diz apenas no § 84: «Reitero o meu apelo às partes para que respeitem e promovam os direitos humanos de todas as pessoas no Sahara Ocidental, inclusive resolvendo questões pendentes nesta área e fortalecendo a sua cooperação com o HCDH [Alto Comissariado] e com os mecanismos das Nações Unidas encarregados dos direitos humanos e facilitando as suas missões de monitorização.»
Este comportamento das Nações Unidas semeia a desconfiança na parte saharauí, como aliás o relatório reconhece no seu § 28. «A leste do muro, as forças militares da Frente POLISARIO têm sido muito menos cooperantes do que no passado.» E no § 54: «A falta de progressos no processo político levou a Frente POLISARIO a endurecer as críticas à MINURSO e à ONU.» Por outro lado, admite no § 55 que: «Não tendo acesso a interlocutores locais a oeste do muro [a parte ocupada por Marrocos], a Missão dispôs de meios muito limitados para recolher de forma independente informações fiáveis sobre a situação, bem como para avaliar a evolução da situação na área sob a sua responsabilidade e prestar contas sobre ela.»
«Desde que assumiu o cargo, o actual Secretário-geral das Nações Unidas António Guterres é, na verdade, o pior dos Secretários-gerais em relação à solução do conflito no Sahara Ocidental. Desde que assumiu a chefia do Secretariado-geral das Nações Unidas, Guterres inclinou-se mais para o lado marroquino e, como é europeu, ao contrário dos seus antecessores, o SG da ONU tradicionalmente aborda a questão saharaui segundo orientações políticas gerais da União Europeia, que evidentemente favorecem Marrocos e o apoiam na sua actual política de repressão e violação dos direitos humanos, tanto no próprio Marrocos como nas partes da ex-colónia espanhola que ocupa.
«Todos os relatórios deste Secretário-geral (Guterres) sobre o Sahara Ocidental, desde a sua tomada de posse até agora, são uma espécie de tentativa de marroquinizar o Sahara Ocidental. Guterres nunca chegou ao cerne do conflito e deixou-se envolver em conceitos marginais que não tocam a profundidade e a substância do problema, que é uma questão de descolonização.»
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https://www.ecsaharaui.com/2020/10/los-saharauis-califican-el-ultimo.html.
«A ONU tornou-se, ao longo do tempo, uma organização inútil, cara, corrupta e injusta, funcionando mais como um obstáculo do que como uma via para a paz. O seu Conselho de Segurança, onde a França tem direito de veto, é um monumento escandaloso à desigualdade e preferência, enquanto a sua Assembleia Geral é o espaço utilizado por Estados ditadores e criminosos para se sentarem em igualdade de condições com democratas e pessoas honestas.(…).»
«Hoje, a única solução que os saharauis vêem para desbloquear a situação e obrigar Marrocos a mudar é o regresso à luta armada, algo que a própria ONU e o Conselho de Segurança evitam a todo o custo, mas não fazem mais. Com as suas resoluções e passividade perante Marrocos perpetuam e prolongam o conflito, agravando assim a situação dos saharauís e, consequentemente, esgotando a sua paciência.(…).
«45 anos, uma missão especial da ONU, 6 Secretários-gerais, 4 Enviados Pessoais, 100 relatórios do Conselho de Segurança das Nações Unidas, 99 relatórios de diferentes Secretários-gerais da ONU e a situação do povo saharauí permanece a mesma de 1975.(…).
«A realidade é que o conflito saharauí e a questão do último país africano não descolonizado têm sido um fracasso colossal, absoluto e sem precedentes para as Nações Unidas, por mais que tentem disfarçá-lo. (…). Cada saharaui deve rever o passado e verificar se realmente progrediram no conflito ou se este se agravou.»
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https://www.ecsaharaui.com/2020/10/sahara-occidental-la-actual-protesta.html.
No dia 30 o Conselho de Segurança aprovou a prorrogação do mandato da MINURSO por mais um ano agitando como “bandeira de esperança” «que a obtenção de uma solução política para esta disputa de longa data e o reforço da cooperação entre os Estados-Membros da União Árabe do Magrebe contribuiria para a estabilidade e a segurança, o que, por sua vez, geraria empregos, crescimento e oportunidades para todos os povos da região do Sahel.»
Tanto a Rússia como a República da África do Sul, à semelhança do que tinham feito em 2019, abstiveram-se na votação, com o último destes países a tecer duras críticas ao Conselho de Segurança pelos seus métodos de abordagem da questão, afirmando que o processo de negociação do projecto de Resolução, através do Grupo de Amigos do Sahara Ocidental - constituído pelos E.U.A., que redige a proposta de texto, a Rússia, a França, o Reino Unido e a Espanha - continua a ser «um obstáculo para fazer progressos no processo do Sahara Ocidental e mina os métodos de trabalho do Conselho.»
Segundo a comunicação da embaixada da RASD no Botsuana que estamos a citar, «A África do Sul revelou que geralmente “um texto preliminar é apresentado [pelos países do Grupo de Amigos] aos membros do Conselho, que têm de aceitá-lo como facto consumado, apesar de a maioria de nós ter sido eleita para servir no Conselho de Segurança e ter a responsabilidade de se envolver em todos os assuntos sobre a agenda do Conselho.”
«A África do Sul sublinhou ainda que “este é o único mandato que é negociado desta forma e que não leva em consideração as opiniões, particularmente as dos Estados-Membros africanos, que estão excluídos do Grupo de Amigos. Nesse sentido, ao contrário de outros resultados do Conselho, mais uma vez não houve uma tentativa real de chegar a um acordo sobre os parágrafos contenciosos, para que pudessemos ter certeza de chegar a um texto equilibrado que reflectisse as opiniões de todos os membros do Conselho. Vamos deixar claro que não houve a tentativa de chegar a um consenso ”.»