segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Boletim nº 89 - Outubro 2020

 

ISACOM: «ENFRENTAR OS DESAFIOS IMPOSTOS PELA LUTA»

Aminatou Haidar é hoje uma figura de referência na luta de emancipação do povo saharauí, estatuto este que lhe é reconhecido internacionalmente através de múltiplos prémios recebidos. A sua mensagem de coragem e determinação está presente na nova organização de defesa do direito internacional e direitos humanos recentemente criada.

Aminatou Haidar

Em 2008 recebeu o Robert F. Kennedy Human Rights Award, o que representou um incentivo para, no seu regresso ao Sahara Ocidental, se empenhar na organização desse trabalho tendo-se envolvido, nesse mesmo ano, na criação da Associação Saharauí de Defensores dos Direitos Humanos, vulgarmente conhecida, e reconhecida, pela sigla CODESA (de Colectivo de Defensores de Derechos Humanos). A sua direcção, presidida por Haidar, era assegurada por uma junta composta por 12 pessoas, depois 11, após o falecimento de Muhammad Faazel Kaud.
O CODESA tornou-se uma fonte de informação imprescindível para os que procuravam acompanhar a situação dos direitos humanos naquela colónia marroquina. Nos últimos anos, porém, a sua acção tornou-se mais esporádica e aleatória e a razão para tal não residia exclusivamente na repressão policial a que os seus activistas estavam sujeitos. Essas dificuldades de afirmação do seu trabalho foram agora esclarecidas com a notícia da sua auto-dissolução no início do passado mês de Setembro.
De acordo com o sítio EL CONFIDENCIAL SAHARAUI, «Tendo em conta a insatisfação de mais de metade dos membros da junta directiva com a persistência do actual modus operandi do colectivo, que com o tempo foi perdendo o seu ânimo; e apesar de já há dois anos não se realizarem reuniões e consultas, ao contrário do que deveria ter acontecido, comunicados de imprensa e relatórios atribuídos ao CODESA continuaram a ser publicados ilegalmente, em flagrante violação dos estatutos do colectivo dos defensores de D.H.
«A decisão de continuar a publicar relatórios e notas informativas foi tomada contra a vontade da maioria dos membros da sua junta directiva e sem a sua consulta prévia. (...), convém chamar a atenção para a falta de legitimidade para a publicação dos referidos documentos pelo CODESA.
«Como podemos saber de fontes próximas, alguns membros desse grupo têm tentado desde há muito tempo deslegitimar a sua fundadora, a conhecida activista Aminatou Haidar.»
Três semanas depois era anunciada a constituição de uma nova associação, a Instancia Saharaui Contra la Ocupación Marroquí (ISACOM), formada por «pessoas conhecidas pela sua militância cheia de abnegação e que praticaram o activismo pelos direitos humanos, tornando-se os seus dirigentes nas últimas duas décadas. Entre eles, houve pessoas agraciadas com prémios internacionais em reconhecimento pelo seu trabalho e pelo seu esforço para difundir a cultura dos Direitos Humanos.»
Diz a ISACOM no seu comunicado de apresentação:
«Depois de cumpridas todas as condições para a constituição – nomear uma comissão técnica para a preparação de uma base de orientação, um estatuto e um código de conduta – e após uma discussão aprofundada dos documentos, os militantes reunidos, homens e mulheres, anunciam o seguinte:
  • «A constituição de uma instituição saharaui que designámos por “Instância Saharaui contra a ocupação marroquina”.
  • «A nossa constante vontade de lutar pela liberdade e independência do povo saharauí e defender a dignidade saharauí por meios pacíficos e legítimos, considerando que este direito constitui a base e o espírito de todos os direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais, reconhecidos a todos os povos pelo direito internacional e pelo direito africano.
  • «Repudiamos todas as soluções duvidosas promovidas por Marrocos e por alguns interesses internacionais ou locais, que não garantam ao povo saharaui o exercício do seu direito à autodeterminação, direito inalienável, imprescritível e inquebrável.
  • «Condenamos o actual impasse e reafirmamos que a MINURSO é uma missão internacional cuja missão é a descolonização do Sahara Ocidental como a última colónia de África e não pode tornar-se um guarda-chuva para a protecção da ocupação.
  • «Reafirmamos a adesão do povo saharaui ao exercício da sua soberania sobre a totalidade do seu território nacional, de acordo com o seu direito fundamental garantido em todas as leis, tratados e convenções internacionais e continentais, em especial nas resoluções pertinentes das Nações Unidas e da União Africana e nos acórdãos do Tribunal Internacional de Justiça de 1975.
  • «Apelamos a todas as organizações e agências internacionais, forças democráticas e consciências vivas de todo o mundo, para que se coloquem ao nosso lado, nos apoiem na luta para exigir a libertação de todos os presos políticos saharauís nas prisões marroquinas e acabar com as contínuas violações dos nossos direitos por parte da potência ocupante.
  • «Exigimos às Nações Unidas e à União Africana que intervenham imediatamente para impedir a pilhagem sistemática e ilegítima dos recursos naturais do Sahara Ocidental pelo regime de ocupação e por empresas multinacionais e outros Estados e organizações envolvidas nos contratos de espoliação com o regime marroquino.
  • «Apelamos à comunidade internacional para que pressione o Estado ocupante a desmantelar o muro militar da vergonha e a fazer a sua desminagem, e para que Marrocos assine o Tratado de Otava sobre a proibição das minas antipessoal.
  • «Exigimos às Nações Unidas, à União Europeia, à União Africana e a outras agências e organizações internacionais e continentais, que se comprometam com o apoio humanitário aos refugiados saharauis, que desde 1975 têm sofrido as devastações do exílio pela expulsão das suas terras devido aos crimes da ocupação marroquina e à incapacidade das Nações Unidas em cumprir com as suas obrigações e compromissos de descolonizar o seu território ocupado.
«E para terminar, dirigimo-nos a todas as associações e quadros nacionais dos Territórios Ocupados e convidamo-los a cerrar fileiras e a reforçar a coesão e o fortalecimento da militância; para enfrentar os desafios impostos pela natureza da luta em que todos estamos empenhados contra os planos do regime marroquino e as suas políticas perniciosas. Apelamos também à população saharaui para que cumpra com a responsabilidade nacional que lhe foi confiada e cumpra o seu dever de luta através da participação intensa em todas as formas de militância que exijam o fim da ocupação, a libertação da terra e dos saharauís, e a protecção de todos os seus direitos.»
As autoridades marroquinas não perderam tempo a reagir. Segundo o jornal La Vanguardia, citando um despacho da agência EFE, «o Procurador-Geral do Tribunal de Recurso de El Aaiún» disse em comunicado que «o Congresso constitutivo da nova organização independentista [ISACOM] é “uma clara incitação a cometer actos contrários ao Código Penal”» e «que irão ser tomadas as medidas “adequadas” para preservar a ordem pública, assim como as “sanções legais” adequadas ao delito de atentar contra a integridade territorial de Marrocos.»
A Right Livelihood Foundation, por sua vez, não ignorou este comportamento de Rabat. Num comunicado de imprensa publicado em 30 de Setembro condenou «veementemente a campanha online de difamação que os meios de comunicação marroquinos têm conduzido contra Aminatou Haidar, a laureada do [prémio] Right Livelihood de 2019, e os seus companheiros activistas de direitos humanos, bem como a abertura de uma investigação judicial em resposta à recente criação de Instancia Saharaui contra la Ocupación Marroquí (ISACOM), uma nova organização criada em El-Ayoun e dirigida por Haidar.»
O comunicado refere depois exemplos desta campanha: «Artigos publicados na imprensa marroquina afirmam que a Right Livelihood Foundation foi solicitada por advogados espanhóis e membros da comunidade internacional de direitos humanos a retirar o Prémio Right Livelihood, concedido a Haidar no ano passado. Outros argumentam que a carta aberta recentemente enviada por 22 Laureados da Right Livelihood ao Secretário-geral da ONU, denunciando a situação dos direitos humanos no Sahara Ocidental, é o resultado de uma manipulação de Haidar, que os convenceu a porem-se ao “serviço da Frente POLISARIO”. Negamos veementemente essas acusações, bem como qualquer intenção de retirar o Prémio concedido a Haidar ou o termos sido solicitados a fazê-lo.»