sábado, 5 de setembro de 2020

Boletim nº 88 - Setembro 2020

FRENTE POLISARIO: ROMPER O «BLOQUEIO EXTERNO EXISTENTE»

No dia 21 de Agosto, em Tifariti nos territórios libertados, Brahim Ghali inaugurou a Universidade de Verão, tendo aproveitado a ocasião para anunciar - «na presença de personalidades nacionais e de grande número de residentes da região» - «uma nova estratégia para a reconstrução e repovoamento das áreas libertadas».

Brahim Ghali: «uma nova estratégia»

«A República Saharaui (RASD) é uma realidade irreversível e o país avançará com passos firmes na reconstrução permanente do Estado saharaui nas suas zonas libertadas.
«A construção das infra-estruturas para o Estado Saharaui não é temporária e hoje, no nosso território libertado, as construímos para que permaneçam para sempre.
«O Presidente da República disse que a situação actual obriga-nos a dar passos e a tomar outras decisões na reconstrução de outros locais noutros pontos da RASD e na construção das infra-estruturas do Estado saharaui.»
Em reacção a estas declarações Jorge Suárez Saponaro, Director do Diario El Minuto do Chile, escreveu dias depois um longo artigo com o sugestivo título “Sahara Occidental: El potencial económico de las ‘Zonas Liberadas’”, onde apresenta uma caracterização da região do Sahara Ocidental sob administração da Frente POLISARIO. Segundo ele, as zonas libertadas ocupam uma área aproximada de 90.000 km2 e, segundo estudos realizados pelas Nações Unidas e por ONG, nelas vive de modo permanente uma população entre 12.000 a 15.000 pessoas, «não só ligada à presença do Exército Saharaui, ao pastoreio transumante, mas também ao facto de terem a sua residência permanente em várias localidades localizadas na área.» Lembra-nos que «O estado saharaui realizou o XII Congresso [e o XV também] da Frente POLISARIO em Tifariti em 2007, com a presença de mais de 1.500 pessoas, entre as quais convidados da América, África e Europa. Existe, portanto, uma base sobre a qual se pode explorar o desenvolvimento de certas actividades económicas e até mesmo aumentar a presença da RASD nesta área, pois existe uma série de localidades e povoações:
  • Bir Lehlú, capital provisória da República e sede da declaração de independência, onde funciona a escola José Carlos Diego Aguirre, um posto de saúde que atende nómadas e um grupo de comerciantes com presença permanente.
  • Tifariti, a cidade mais importante, a tal ponto que a primeira universidade saharaui leva o seu nome, tem instalações sanitárias e militares e a presença de população permanente. Nas suas proximidades existe um parque arqueológico pré-histórico. Em tempos, com a ONG ASPS Sevilla, estava prevista a construção de 400 casas.
  • Mheiriz, com uma escola e um pequeno posto de saúde, construído com o apoio espanhol.
  • Miyek. Possui poço de água e instalações da MINURSO.
  • Agüenit, a cem quilómetros de Zuerat, uma importante cidade da Mauritânia. Tem um poço de água com um fluxo importante, com um posto de saúde.
  • Zug. Presença de população, graças à proximidade com a fronteira com a Mauritânia.»
E Saponaro conclui: «O desenvolvimento das zonas libertadas, o promover a radicação da população, o desenvolvimento das actividades económicas, culturais e políticas, mostrará que este espaço não é uma terra de ninguém, mas sim o espaço que pertence a um Estado soberano que se esforça por recuperar o resto do seu território sob ocupação militar desde 1976.»
Sugere em seguida um conjunto diversificado de políticas e de medidas, para concluir: «A nossa proposta estabelece uma série de pontos destinados a promover um debate construtivo, destinado a que o desenvolvimento das zonas libertadas se torne mais um instrumento de libertação e unidade nacional saharaui. A experiência dos Campos de Refugiados em diversos empreendimentos sociais pode servir de base para a sua aplicação nas localidades das áreas libertadas.
«O desenvolvimento das zonas libertadas permitirá à RASD a médio e longo prazo dispor de recursos próprios, o que reduzirá a sua dependência de outros actores, com as suas consequências políticas, aumentando a margem de manobra do governo saharaui.»
De acordo com o Sahara Press Service, «o plano apresentado pelo presidente saharaui foi saudado por várias organizações e entidades internacionais envolvidas em importantes projectos de apoio ao povo saharaui nos campos de refugiados e nas zonas libertadas.»
«Diferentes organizações, coordenadas na “MESA DE LOS TERRITORIOS LIBERADOS DEL SAHARA OCCIDENTAL”, emitiram um comunicado no qual expressam publicamente o seu entusiasmo pelas declarações do presidente saharaui e destacam “a decisão do povo saharaui de ocupar os territórios libertados e neles exercer correspondente plena soberania, desde a fronteira argelina até La Güerra, bem como o restante território saharaui e os seus recursos terrestres e marítimos.»
A plataforma de organizações «recorda que “na sua reunião inaugural, a 4 de Novembro de 2019, na cidade de Tifariti e na sua segunda reunião, promovida pela delegação saharaui para a Andaluzia, na cidade de Sevilha, a 8 de Fevereiro de 2020, as diferentes organizações concordaram em "intensificar as acções de apoio para promover o desenvolvimento dos TTLL do Sahara Ocidental".»
O Diario de Noticias de Pamplona do passado dia 25 noticiava que «Uma numerosa delegação chefiada pelo ministro saharaui para a Reconstrução e Repovoamento das áreas libertadas, Salem Lebsir, deu início a uma viagem a estas regiões para implementar o plano anunciado este fim-de-semana pelo dirigente da Frente POLISARIO e presidente da República Árabe Saharauí Democrática (RASD), Brahim Ghali.»
De acordo com este Diário, «A delegação política e militar chefiada por Lebsir iniciou na localidade de Bir Lehlu, considerada pela POLISARIO como a "capital provisória da RASD", uma série de encontros com autoridades municipais e militares para averiguar das suas necessidades e prioridades, avaliar a situação e recolher as suas propostas.
«“Por um lado, a consolidação da soberania saharauí nos territórios, ou seja, mais e melhor presença administrativa da RASD, e por outro lado, realizar esforços concretos para dignificar a vida do povo saharauí: ou seja, mais e melhores serviços sociais para a população dos territórios libertados”, explicou (...) à agência EFE Mohamad Zrug, diplomata saharaui integrado no projecto.
«“Por outro lado, creio que há aqui uma leitura política clara, isto é, dado o bloqueio externo existente que se opõe a uma solução justa e conforme com o direito internacional para a questão saharauí e o claro conluio de certos países com a política marroquina de ignorar essa solução, os saharauís têm o direito de apostar em soluções que não ponham em risco o seu futuro ”, acrescentou.
«“É uma solução mais desejada por todos do que a outra opção que também existe, que é recorrer à resistência por outras vias legítimas”, disse, referindo-se à possibilidade de um regresso às armas.»

OMAR RADI: «A LIBERDADE CHEGARÁ, INEVITAVELMENTE»

As autoridades marroquinas continuam empenhadas na destruição, física e psicológica, do jornalista e activista dos direitos humanos Omar Radi. Mas hoje ele não está sozinho. Nem em Marrocos nem no mundo.

Omar Radi (Foto eupoliticalreport.eu)

Que conhecemos nós de Marrocos, pergunta Soaz Jolivet? E responde: «De Marrocos conhecemos as férias, o sol, o acolhimento, os tagines e o cuscuz ... Uma espécie de Dolce Vita se aceitarmos fechar os olhos à falta de democracia, à miséria e ao sofrimento de uma grande parte da população que apenas consegue sobreviver. Há vozes que se fazem ouvir, as de jornalistas independentes. Elas e eles pagam por isso com a sua liberdade.»
Referia-se, entre outros, a Omar Radi que uma investigação da Amnistia Internacional veio mostrar aos olhos do mundo como tendo sido um dos profissionais de informação a ser objecto de espionagem por parte das autoridades marroquinas através do Pegasus, um programa desenvolvido por uma empresa sediada em Israel.
Desde Junho que tem sido submetido a um processo de intimidação e perseguição que culminou no dia 29 de Julho com a sua convocatória — pela 10ª vez — para mais uma sessão de interrogatórios na Brigada Nacional da Polícia Judiciária (BNP). Foi directamente transferido para o Tribunal de Recurso de Casablanca tendo ficado detido na prisão de Okacha na mesma cidade.
Nas vésperas desta convocação, receando o que lhe pudesse acontecer, Radi deixou um comunicado com o pedido expresso de não ser publicado salvo se não pudesse voltar a comunicar em liberdade. É esse documento que aqui traduzimos, em solidariedade com Omar Radi e todas e todos os que lutam, em Marrocos, pelo respeito dos direitos humanos.
«Sábado, 25 de Julho, imediatamente após sair de um interrogatório pela Brigada Nacional da Polícia Judiciária
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«sob as suspeitas de "espionagem" e "financiamento estrangeiro" pelas quais tem sido objecto de investigação preliminar desde Junho passado, e pelas quais actualmente está a ser processado sob custódia», lembra Myriam Bourgy da ATTAC Marrocos.
, a Associação Marroquina dos Direitos Humanos (AMDH) informou-me, através do seu escritório central em Rabat, que uma mulher se dirigiu à sua sede para os informar sobre a apresentação de uma queixa acusando-me de estupro na noite de 12 para 13 de Julho. A reclamante solicitou o apoio da AMDH. Posteriormente, pude relatar à AMDH a minha versão dos factos.
«Em 26 de Julho, ou seja, um dia depois, fui convocado pela Royal Gendarmerie em companhia de uma pessoa presente no momento dos factos a que se refere a denúncia acima mencionada. Apresentámo-nos na Gendarmerie em 27 de Julho e fui interrogado durante cerca de dez horas. A pessoa que me acompanhava também foi ouvida como testemunha.
«Embora seja obrigado a respeitar o sigilo da investigação e da instrução do processo, considero que é meu dever prestar os seguintes esclarecimentos, que só chegarão à opinião pública na eventualidade em que já não o possa fazer pelos meus próprios meios:
  • «Durante a investigação, refutei firmemente as acusações falsas e enganosas feitas contra mim. Assegurei aos investigadores que se tratava de uma denúncia maliciosa e que, ao contrário das alegações da queixosa, naquela noite ela e eu fizemos sexo consensual por duas vezes. Também apresentei aos investigadores evidências de aceitação mútua dessa relação, bem como outras evidências que me reservo o direito de não divulgar neste momento e que serão apresentadas à opinião pública oportunamente.
  • «Durante a acareação entre mim e a queixosa na presença da testemunha, defendi a minha inocência e confrontei a queixosa com as múltiplas contradições da sua versão. Sentindo-se em dificuldade, contestou a testemunha, que também apresentou elementos contra o seu relato, ameaçando-a com processo por intenção criminosa. No entanto, esta não tem qualquer envolvimento neste assunto, para além da sua presença no momento dos acontecimentos que deram origem a esta queixa infundada.
«Além dos dados muito resumidos compartilhados neste comunicado, explicados pelo facto de a investigação ainda estar a decorrer, gostaria de chamar a atenção da opinião pública para os seguintes pontos:
  • «Tenho a certeza absoluta que a opinião pública nacional e internacional, assim como todos os que me conhecem, sejam amigos, colegas ou camaradas, não se deixarão enganar pelas mentiras e calúnias que me dirigem. E ninguém pode acreditar que a activação desta denúncia maliciosa, neste preciso momento, seja apenas uma coincidência inocente, ou um assunto totalmente distinto do assédio judicial de que sou alvo. Todos se lembram da armadilha que recentemente me foi estendida com o jornalista Imad Stitou.
  • «Fui vítima de um golpe sabiamente orquestrado, preparado durante meses. Os esforços para me arrastar para esta armadilha duraram semanas a fio, em conjunto com as minhas repetidas convocações, que me esgotaram tanto física como psicologicamente. Assumo total responsabilidade pelas decisões relativas à minha vida privada, bem como às minhas relações enquanto adulto, de acordo com as convicções que sempre defendi, em particular durante o inquérito sobre a minha liberdade em manter relações consentidas. Asseguro à opinião pública que o meu único crime neste processo/golpe montado é o exercício da minha liberdade individual com uma certa indiferença face aos perigos que me espiavam, e uma imprudência perante os opressores que me perseguiam dia e noite, registavam as minhas deslocações e movimentos. Seja qual for o resultado deste caso, não me deixarei abater. Vou manter a cabeça erguida. Não tenho medo nem inquietações. Não prejudiquei ninguém e não traí os meus princípios, nem os fundamentos da minha educação, nem os meus referenciais políticos, nem a confiança dos meus amigos e amigas.
  • «A opressão não é um horizonte. A liberdade virá, inevitavelmente. Se chegou a hora de pagar o preço pelos meus compromissos, em nome da jovem geração atormentada nascida entre o antigo regime de Hassan II e o suposto novo regime de Mohammed VI, estou pronto a pagá-lo com coragem e irei rumo ao meu destino, tranquilo, sorridente e de consciência tranquila.»
A acusação de estupro provocou uma reacção por parte de um colectivo independente de feministas marroquinas que lançaram um abaixo-assinado sob o título “Contra a instrumentalização dos combates feministas”. Nele, depois de passarem em revista as variadas acusações que pesam sobre Radi, escrevem: «Porque a luta contra a violação e as violências sexuais está no centro do nosso combate feminista, a temporalidade na qual esta última questão emerge interroga-nos. Lutamos para que a palavra das mulheres seja ouvida e para que as sanções mais severas sejam infligidas aos predadores sexuais. Em compensação, denunciamos firmemente toda a instrumentalização das violências feitas às mulheres com fins políticos e securitários. Denunciar a violação, as violências sexuais e a instrumentalização dos corpos das mulheres passa também pela recusa de as ver utilizadas e instrumentalizadas nos assuntos políticos.» E a concluir: «Não aceitaremos ser desapossadas das nossas lutas nem que os nossos combates feministas sejam excluídos dos combates mais vastos nos quais eles se inscrevem: a luta contra a dominação, a injustiça e as desigualdades.»
A solidariedade com Radi generalizou-se a outros sectores sociais. Num manifesto intitulado “Esta sombra está aí” subscrito por 400 artistas e actores marroquinos, estes denunciam a repressão policial e a difamação como arma política que impera no país. O texto aponta para «diversos casos de prisão e perseguição política, entre os quais os jornalistas Omar Radi e Hajar Raissouni, bem como a repressão sofrida pelos movimentos sociais.» «A situação agravou-se com a pandemia do COVID-19 e o estado de emergência sanitária imposto ao país.» Entre os seus subscritores encontram-se os escritores Abdellatif Laâbi e Abdellah Taïa, o cineasta Faouzi Bensaïdi e a cantora Oum Kalthoum. O manifesto salienta ainda que «os meios de “difamação”, próximos do aparelho policial estatal, desempenharam um papel importante nas flagrantes violações» dos direitos humanos, de que o último exemplo é «o assédio sofrido por Omar Radi».
O manifesto clama pela «libertação de todos os presos políticos e pelo direito da população a inquirir, discutir, analisar, criticar (...) sem ser difamada, criminalizada» ou «acossada».
Pouco antes da publicação do manifesto dos 400, duas organizações – a Federação Internacional dos Direitos Humanos e a Organização Mundial de Luta contra a Tortura – expressaram a sua preocupação pela detenção de Radi num «contexto de assédio judicial contínuo e prolongado (...) por parte das autoridades marroquinas».


 


 


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