quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Boletim nº 87 - Agosto 2020

MAHFOUDA LEFKIR: «SAÍ DA PRISÃO PEQUENA APENAS PARA ENTRAR NA GRANDE PRISÃO»

Mahfouda Lefkir é uma activista saharauí dos direitos humanos do Colectivo Akdim Izik e da Associação Marroquina de Direitos Humanos (AMDH). Saída recentemente da prisão concedeu uma entrevista à Equipe Media onde relata a sua experiência nas prisões marroquinas. É essa entrevista que aqui transcrevemos parcialmente.

Mahfouda Lefkir (Foto www.resumenlatinoamericano.org)
«(…). Em 16 de Novembro de 2019, um juiz marroquino ordenou a sua detenção, quando assistia ao julgamento de outros activistas, por ter protestado contra a sentença por ele proferida, considerada injusta. Teve então de cumprir uma pena de seis meses de prisão em condições deploráveis em El Aaiun, a capital do território.
«As autoridades de ocupação não atenderam aos apelos lançadas por organizações internacionais que exigiam que fosse libertada. ONG como a Front Line Defenders, a Organização Mundial contra a Tortura e a Federação Internacional dos Direitos Humanos, denunciaram a sua prisão arbitrária e pediram a sua libertação. Libertada em Maio (após o cumprimento da sentença), a Equipe Media conversou com Mahfouda Bamba Lefkir sobre a sua prisão e a perseguição política de que é alvo.
«Equipe Media (EM): Em 15 de Novembro de 2019, foi detida durante um julgamento contra activistas. Pode explicar-nos o porquê dessa prisão e descrever-nos a sua experiência sob custódia policial?
«Mahfouda Bamba Lefkir (MBL): Assisti ao julgamento dos activistas saharauis Mansour Otman El Moussaoui e Mohammed Habadi Gargar, que haviam sido presos por terem participado na celebração pública realizada em El Aaiun quando a selecção nacional da Argélia venceu a Taça das Nações Africanas. Fui presa por protestar na audiência contra os maus-tratos e o julgamento que os detidos tiveram de suportar.
«Não foi a primeira vez que assisti a um processo por razões políticas. Anteriormente, assisti aos testemunhos do grupo de Gdeym Izik e dos estudantes saharauis. Detiveram-me pela minha posição política em favor da independência do Sahara Ocidental.
«Inicialmente, fiquei refém no gabinete do Procurador Real no Tribunal de Primeira Instância. Mas no mesmo dia fui transferida para as instalações da polícia. Fui lançada para uma cela muito pequena e fedorenta, húmida, escura e fria, sem cobertores e com insectos. Sou asmática e sofri crises de ansiedade e ataques de asma, passando uma noite horrível. Além disso, tive que lidar com provocações e ameaças de delinquentes detidos numa cela vizinha. Então levaram-me para uma sala de interrogatórios onde me despiram completamente e deixaram-me nua por duas vezes, enquanto me interrogavam. Verificaram o meu telemóvel e copiaram todo o seu conteúdo, fotos, vídeos, contactos e conversas.
«Interrogaram-me sobre o meu relacionamento com a Frente POLISARIO, as minhas actividades políticas, a minha participação em reuniões de protesto, as reivindicações que apareciam nas paredes de El Aaiun. Passar um dia inteiro sem comer nem beber água também me fez passar por uma pressão psicológica considerável.
«EM: De que foi acusada quando compareceu perante o tribunal? E como foi o seu relacionamento com os outros presos e as condições na prisão depois disso?
«MBL: No dia 16 desse mês fui levada ao Tribunal de Primeira Instância. Ali fiquei retida durante 8 horas, sem comer nem beber e sofri agressões físicas e psicológicas.
«Num julgamento sem ninguém para me defender e à minha família, que também não estava presente, o próprio promotor que me tinha detido na noite anterior mandou-me para a prisão por "obstruir e humilhar a justiça". Os mesmos torturadores que nos maltrataram, a mim e a outras mulheres, durante os nossos protestos, tiraram fotos e provocaram-me na própria sala do tribunal.
«Às 21 horas, dois polícias disseram-me que me levariam para a esquadra para continuar o interrogatório. No caminho, fiquei surpreendida quando a polícia parou o carro à porta da Prisão Negra. Caí à entrada e magoei-me. Na recepção houve buscas corporais e interrogatório. Fui lançada numa cela de 15 metros quadrados com sete delinquentes comuns. Era uma cela mal cheirosa devido a um banheiro que tinha, sem ventilação e sem luz natural.
«(...). Apesar de não me sentir nada bem, fui proibida de tomar ou receber o meu medicamento. (...). A administração da prisão ordenou a outros presos que me provocassem e exercessem pressão sobre mim dentro da cela durante os seis meses que lá passei. (...). Estas colegas de cela forçaram-me a usar um melhfa (o traje tradicional das mulheres saharauis), mas nas cores da bandeira marroquina, para que uma delegação de funcionários marroquinos me visse assim, numa visita à prisão.
«Propuseram-me que pedisse perdão mas recusei porque não sou criminosa e não cometi nenhum crime.
«A minha família era o que mais me preocupava, principalmente os meus filhos. O meu marido disse-me, numa conversa por telefone, que o meu filho de 11 anos queria ir para a rua e, quando enfrentava a polícia, gritava "Viva o Sahara Livre!". Para assim ser preso e ver-me. Não aguentava a minha ausência.
«EM: O coronavírus chegou às prisões marroquinas. Como foi viver com a pandemia durante o tempo na prisão?
«MBF: Impediram-me de controlar as minhas coisas pessoais, especialmente as relacionadas com a higiene, os medicamentos e os alimentos. E eu precisava de comida, já que as refeições servidas pela prisão eram intragáveis e o meu corpo rejeitava-as. Sou uma pessoa vulnerável em relação a doenças, como asma e alergias. Foi uma situação vergonhosa.
«EM: Como foi sair em liberdade?
«MBF: Saí da prisão pequena apenas para entrar na grande prisão. Muitos polícias rodeavam a prisão. As suas câmaras filmaram-me a abraçar os meus filhos e outros membros da família. Seguiram-me até à casa da nossa família em El Wefaq, onde haviam preparado um cerco para impedir a organização da minha recepção. Essas medidas impediram os saharauis que se apresentaram para me receber em liberdade. Foi uma libertação incompleta. Agora estou confinada na casa dos meus pais e não posso ir para a minha casa e os visitantes também não podem visitar-me. Não posso sair e ninguém pode entrar. Muitas pessoas foram agredidas pelos bandidos da polícia apenas por tentarem visitar-me.»