segunda-feira, 4 de maio de 2020

Boletim nº 84 - Maio 2020


NAÇÕES UNIDAS: À ESPERA DE GODOT ?

No passado dia 9 de Abril o Conselho de Segurança das Nações Unidas debruçou-se sobre a questão do Sahara Ocidental. Sob a presidência rotativa da República Dominicana, o Conselho reuniu em modo de videoconferência. Resultados? Aparentemente nada de novo. A ONU está à espera de quê? À espera de quem?

Contribuições ”inocentes”?

Havia alguma curiosidade em saber se da reunião iria sair o nome do novo Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU para o problema. Há um ano que se aguarda a nomeação de um substituto para o ex-presidente da Alemanha Horst Köehler, que em Maio de 2019 apresentou a demissão invocando razões de saúde, mas que os meios oficiosos marroquinos gostam de insinuar como um produto “made in Rabat”. O agora ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros da Eslováquia tem sido referido como um dos nomes possíveis.
Mas, aparentemente pelo menos, nada de relevante saiu da reunião. Isso mesmo foi expresso pela Frente POLISARIO no comunicado que divulgou no seu final, afirmando que «A passividade do Conselho de Segurança ameaça a paz e a segurança no Sahara Ocidental»:
«A Frente POLISARIO lamenta profundamente que o Conselho de Segurança da ONU não tenha enviado hoje um sinal claro sobre seu apoio (...) ao processo de paz liderado pela ONU no Sahara Ocidental. As consultas de hoje (...) proporcionaram outra oportunidade para o Conselho apoiar firmemente o direito internacional e revitalizar o processo político paralisado. Em vez disso, o Conselho optou pela inacção e não tomou nenhuma acção ou produziu um resultado concreto.
«(…) o Conselho de Segurança não fez nada para reactivar o processo de paz (...) ou impedir Marrocos de sabotar o processo. Pelo contrário, o Conselho de Segurança permaneceu de braços cruzados enquanto Marrocos, o poder ocupante no Sahara Ocidental, empreendeu descaradamente uma série de acções desestabilizadoras e provocatórias que incluem, entre outras, a abertura ilegal dos chamados "consulados" por entidades estrangeiras no Sahara Ocidental ocupado.»
A F. POLISARIO denuncia igualmente a permissividade do Conselho de Segurança face às manobras «por parte de Marrocos e permitiu que estabelecesse condições e resistências em relação à nomeação do próximo Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU.»
«A falta de progresso no processo político, bem como o silêncio e a inacção do Secretariado da ONU e do Conselho de Segurança ante as acções ilegais e desestabilizadoras de Marrocos, acentuaram ainda mais a perda de fé por parte do povo saharauí no processo de paz. (...).
«A Frente POLISARIO continua comprometida com uma solução pacífica do conflito. No entanto, reafirmamos que em nenhum caso seremos parceiros num processo que não disponha nem respeite totalmente o exercício do povo do Sahara Ocidental do seu direito inalienável à autodeterminação e independência, de acordo com as resoluções relevantes da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança. O direito do nosso povo à autodeterminação e independência é inalienável e inegociável, e usaremos todos os meios legítimos para defendê-lo.»
Dias depois, um outro acontecimento veio chamar a atenção da opinião pública para o funcionamento das Nações Unidas. A notícia de que o presidente da Assembleia Geral, o nigeriano Tijjani Muhammad-Bande, tinha nomeado o embaixador marroquino Omar Hilale (Representante Permanente de Marrocos na ONU) como co-facilitador no processo de reforma do sistema de tratados sobre direitos humanos.
Mais de 200 organizações internacionais — integrando o Grupo de Apoio de Genebra para a Protecção e a Promoção dos Direitos Humanos no Sahara Ocidental – escreveram uma carta aberta ao presidente da Assembleia manifestando a sua «profunda preocupação» por verem as Nações Unidas nomear como um dos co-facilitadores do processo de «Fortalecimento e melhoria do funcionamento efectivo do sistema de órgãos criados em virtude de tratados de direitos humanos» um diplomata marroquino cujo país tem sido muitas vezes acusado de violações sistemáticas daqueles mesmos direitos no Sahara Ocidental.
A carta, enviada com conhecimento ao Secretário-geral António Guterres, à Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos Michelle Bachelet e ao Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados Filippo Grandi, lembra que «Apesar de todos os esforços legislativos e de comunicação desenvolvidos pelas autoridades, o Reino de Marrocos continua a ser um lugar onde se violam constantemente as liberdades e os direitos fundamentais, incluindo a liberdade de expressão e a liberdade de reunião pacífica e, por isso, está entre os países com o pior registo de direitos humanos do mundo.»
Enumera em seguida alguns dos comportamentos das autoridades marroquinas nesta área, citando relatórios das próprias instituições das Nações Unidas, como o Comité contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, o Relator Especial para a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes — onde este denuncia o uso da «tortura e maus-tratos (…) para obter confissões» – o Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária, que «No seu parecer mais recente (nº 67/2019), publicado em 31 de Março, (…) considerou que a prisão dos Estudantes [saharauís] era, e é, arbitrária».
A carta aborda depois a figura do embaixador Hilale, «um diplomata que foi pessoal e amplamente acusado de actos de corrupção e espionagem contra o pessoal das Nações Unidas enquanto servia como Representante Permanente do Reino de Marrocos em Genebra.»
«Deve-se lembrar aqui que, no período de Navy Pillay como Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Hilale foi acusado, com base em vários documentos oficiais divulgados por um denunciante marroquino (http://www.arso.org/ColemanPaper.htm), de corromper alguns dos principais funcionários das Nações Unidas, principalmente o sueco Anders Kompass e o senegalês Bacre Waly Ndiaye, além de utilizar o paquistanês Athar Sultan Khan como fonte de informação no gabinete do Sr. António Guterres, ex-Alto Comissário do ACNUR [Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados].»
«De acordo com esses documentos oficiais, o Sr. Hilale utilizava esses três funcionários das Nações Unidas para servir os interesses do seu país, manipulando os mecanismos das Nações Unidas e comprometendo os esforços feitos naquele momento pelo Enviado Pessoal do Secretário-geral das Nações Unidas, o Exmo. Sr. Christopher Ross. De facto, essa acção minou anos de esforços da ONU para encontrar uma solução para o processo de descolonização no Sahara Ocidental.»
Finalmente, a carta «salienta que a reputação e a neutralidade da ONU já estão seriamente prejudicadas no Sahara Ocidental, onde a sua Missão é uma testemunha impotente das graves violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos pelo ocupante marroquino.»
Apesar de todo este empenhamento que cidadãs e cidadãos do mundo vêm fazendo, as Nações Unidas têm mostrado uma enorme dificuldade em corrigir este modus operandi. Veja-se o caso do ACNUDH (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos), presidido pela ex-Presidente do Chile Michelle Bachelet — a quem foi enviada, como assinalámos, uma cópia da carta aberta! – que segundo informações agora divulgadas recebe subvenções anuais marroquinas no valor de 1 milhão de dólares. Nestas circunstâncias torna-se difícil garantir a idoneidade da instituição e de todos aqueles que nela procuram fazer respeitar os direitos humanos.