segunda-feira, 2 de março de 2020

Boletim nº 82 - Março 2020


ONU: TÃO LENTA QUE PARECE PARADA

Desde 23 de Maio de 2019 que se aguarda a nomeação pelo Secretário-geral das Nações Unidas do seu novo Enviado Pessoal para a questão do Sahara Ocidental.

A hipótese Miroslav Lajcak

Nesse dia o ex-presidente alemão Horst Köhler, apresentou a sua demissão invocando “razões de saúde”. Para os que acompanham este já longo conflito foi uma surpresa, tanto mais que Köhler tinha, aparentemente, conseguido introduzir uma nova dinâmica na resolução do último processo colonial que ainda humilha o continente africano.
Graças ao seu empenhamento, a ONU conseguiu voltar a sentar à mesa de negociações não só a Frente POLISARIO, representante da população do território, e o seu ocupante, o reino de Marrocos, como também os Estados limítrofes, a Argélia e a Mauritânia. E empenhou-se, igualmente, em restituir à União Africana um papel relevante na resolução deste diferendo.
Passado quase um ano sobre a sua renúncia, muito do impulso por ele trazido ao processo de descolonização perdeu-se. Pelas políticas e compromissos coloniais franco-marroquinos, pelas hesitações e embaraços da ONU.
Finalmente, em princípios de Fevereiro último, um nome começou a ser ventilado para o desempenho daquele complexo cargo, o de Miroslav Lajcak. O sítio ECSAHARAUI apresenta-o assim: «Lajcak, de 56 anos, é um diplomata de carreira que ocupou vários cargos antes de se tornar Ministro dos Negócios Estrangeiros [da Eslováquia]. Foi presidente da Assembleia Geral da ONU de Setembro de 2017 a Setembro de 2018. Em 2006 ajudou a negociar, organizar e supervisionar para a União Europeia um referendo sobre a independência do Montenegro, antes de servir como alto representante da comunidade internacional na Bósnia.»
ECSAHARAUI cita o canal France 24 que chamava a atenção para que, embora as Nações Unidas não se tivessem ainda pronunciado oficialmente sobre esta possível nomeação, havia informações extra-oficiais da existência de um certo consenso em torno do nome em questão, aguardando-se apenas a anuência das partes, Frente POLISARIO e Marrocos. Segundo o ECSAHARAUI, «Encontrar um sucessor para Kohler foi complicado para o Secretário-geral da ONU, António Guterres. Vários candidatos recusaram-se a preencher a vaga quando solicitados ou foram rejeitados por uma das partes no conflito, disseram diplomatas à agência AFP.»
Aquando da cimeira da União Africana realizada entre 8 e 10 de Fevereiro em Adis Abeba, António Guterres teve a oportunidade de se encontrar com Brahim Gali, Secretário-geral da Frente POLISARIO, onde, de acordo com as agências noticiosas, a nomeação de um novo Enviado Pessoal foi um dos temas abordados. Na ocasião, Gali expressou o seu desapontamento pela actuação da ONU, reafirmando que a Frente «não participará em nenhum processo que não respeite o inalienável direito do povo saharauí à autodeterminação e independência, conforme exigido pelas resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança.(…). António Guterres expressou o compromisso da ONU de trabalhar para fazer avançar o processo político no Sahara Ocidental, expressando a sua esperança de poder nomear um Enviado Pessoal o mais rápido possível.»

No dia 21 de Fevereiro, o Secretário-geral das Nações Unidas presidiu à abertura da sessão de 2020 do Comité Especial da ONU sobre descolonização. Na sua intervenção, António Guterres disse que «as Nações Unidas devem continuar a ser o local onde as suas preocupações [das populações dos Territórios não-autónomos] podem ser ouvidas», de acordo com uma nota informativa do Secretariado das Nações Unidas.
«“A descolonização é um processo que precisa de ser guiado pelas aspirações e necessidades das comunidades que vivem nos Territórios [não-autónomos]. As preocupações dos povos dos Territórios são variadas, e é nossa responsabilidade colectiva ampliar as suas vozes ”, afirmou.
«"Devemos continuar a servir como um fórum para um diálogo significativo entre os povos dos Territórios e as Potências que os administram para permitir que os povos tomem decisões informadas sobre o seu futuro."»
Guterres aproveitou a oportunidade para lembrar «a sua profunda ligação ao tema». «“Na verdade, nunca posso esquecer o facto de que foi graças aos movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau e da sua luta pela independência que o Exército Português desencadeou a revolução de Abril (1974) que conduziu à democracia no meu próprio país ”, disse.» E lembrou que «As pessoas que vivem nos Territórios não-autónomos "ainda estão à espera de que a promessa de autodeterminação seja cumprida"».
«Sendo Timor-Leste o último a atingir esse marco há quase 20 anos, o chefe da ONU descreveu a “agenda de descolonização” como lenta, mas mesmo assim a avançar».