segunda-feira, 6 de maio de 2019

Boletim nº 73 - Maio 2019


PARA «IMPEDIR A EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS DO SAHARA OCIDENTAL»

O saque das riquezas de um território tem sido um dos objectivos políticos centrais dos colonialismos ao longo dos tempos. A luta contra essa prática torna-se assim também um objectivo central dos movimentos de libertação.

SADC: conferência de solidariedade

Em 25 e 26 de Março passado realizou-se em Pretória, na República da África do Sul, a Conferência de Solidariedade com o Sahara Ocidental promovida pela Southern African Development Community (SADC).
Além dos países membros da organização - Angola, Botsuana, República Democrática do Congo, Reino de Eswatini, Lesoto, Malawi, Maurícia, Moçambique, Namíbia, Seychelles, República da África do Sul, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabué - estiveram ainda representados os seguintes países «com opinião semelhante»: Argélia, Cuba, Timor-Leste, Alemanha, Nicarágua, Nigéria, Quénia, República Árabe Saharauí Democrática, São Tomé e Príncipe, Uganda e Venezuela. Aos Estados associaram-se também organizações da sociedade civil.
A iniciativa de realizar uma Conferência de Solidariedade «como forma de expressar o apoio (...) à descolonização e autodeterminação do Sahara Ocidental com base nos valores e princípios que guiaram a obtenção da independência em toda a África», nasceu na Cimeira da SADC de Agosto de 2017.
O longo texto aprovado inventaria o caminho seguido pela questão e os documentos que o consubstanciam no campo do direito internacional, assim como os compromissos que têm vindo a ser construídos e os obstáculos que têm sido enfrentados para a sua realização.
Três pontos são particular e insistentemente referenciados: o saque dos recursos naturais do Sahara Ocidental, a violação dos direitos humanos no território ocupado e o apoio aos refugiados nos acampamentos em Tindouf (Argélia).
Logo na introdução os «Chefes de Estado e de Governo» manifestam-se «PREOCUPADOS com a continuação da ocupação ilegal e a exploração dos recursos naturais do Sahara Ocidental» e «AINDA PREOCUPADOS com a deterioração dos direitos humanos e da situação humanitária nos territórios ocupados, conforme observado pela Comissão Africana sobre a Resolução dos Direitos Humanos e dos Povos, ACHPR / Res. 340 (LVIII) de 2016».
Dizem, depois, na declaração:
«IV.- Solicitamos ao Conselho de Segurança da ONU que amplie o mandato da MINURSO para incluir a monitorização da situação dos direitos humanos no Sahara Ocidental;
«V.- Exortamos a comunidade internacional a continuar a prestar ajuda humanitária no Sahara Ocidental e nos campos de refugiados na Argélia;
«VI.- Solicitamos a todas as partes interessadas que se abstenham de explorar os recursos naturais do Sahara Ocidental, tendo em conta a opinião do Conselho Jurídico das Nações Unidas, de Fevereiro de 2002, de que tal actividade viola o direito internacional, salvo expressa autorização do povo saharauí. Além disso, observamos que tal exploração prejudica a futura reconstrução e desenvolvimento do Sahara Ocidental e o seu potencial para se tornar um estado viável; (…).»
E detalham: «X.- Exortamos as Nações Unidas e a Unidade Africana a implementarem imediatamente um mecanismo de monitorização destinado a impedir a exploração dos recursos do Sahara Ocidental. O mecanismo deverá ter sanções e outras medidas de reparação para resolver quaisquer violações da moratória sobre a exploração dos recursos do Sahara Ocidental; (…).»
Sobre o apoio ao povo saharauí:
«XII.- Instamos a comunidade internacional a oferecer apoio material e moral, incluindo bolsas de estudo educacionais para o povo do Sahara Ocidental;
«XIII.- Exortamos a comunidade internacional e a UA a avaliar as necessidades humanitárias imediatas, especialmente das mulheres e crianças do Sahara Ocidental que vivem em campos de refugiados e a mobilizar recursos materiais para ajudar nesse sentido; (…).
«XVI.- Apelamos ao total respeito pelo direito internacional dos direitos humanos nos territórios ocupados do Sahara Ocidental e instamos o Conselho de Segurança das Nações Unidas a incluir um mecanismo de monitorização dos direitos humanos no mandato da MINURSO, com o objectivo de acabar com a impunidade de tais violações e abusos que actualmente não são relatados; (...)».
Segundo o novo jornal de Angola na sua edição de 29 de Março, Luanda foi representada pelo vice-Presidente da República, Bornito de Sousa, que afirmou a urgência do processo de descolonização do Sahara Ocidental. «A região da SADC não pode ficar indiferente à situação prevalecente no território da antiga colónia espanhola (...). Angola considera que a independência, a soberania, a unidade do Estado, a democracia e o primado da lei e do direito, assim como a observância do direito internacional, são hoje princípios cuja violação deve preocupar todas as nações.»
Conforme relata o jornalista Borralho Ndomba daquele jornal, «Na mesma data em que a SADC realizou a cimeira de solidariedade para com o povo saharauí, cujo território é o único não descolonizado no continente, o Reino de Marrocos, que é o “invasor”, realizou em paralelo, na segunda-feira, 25, em Marraquexe, uma Conferência Ministerial Africana sobre o “apoio da União Africana ao processo político das Nações Unidas relativo ao diferendo regional sobre o Sahara”. Segundo a nota de imprensa da Embaixada de Marrocos em Angola, cerca de 40 países africanos estiveram no seu evento, incluindo a SADC, reafirmaram“a escolha estratégica dos seus chefes de Estado e de Governo com vista a superar as causas de divisões”. As autoridades marroquinas são também acusadas de boicotar reuniões sobre o Sahara, chegando mesmo a incluir agressões físicas a membros da delegação saharauí. O embaixador da RASD em Angola, Bah Cheilch Mohamed, disse que a intenção de Marrocos visou impedir que a cimeira de Pretória não tivesse impacto diplomático, político e mediático.»
Como ressalta do texto aprovado em Pretória, a Frente POLISARIO continua a fazer da luta pela defesa dos recursos naturais do Sahara Ocidental um dos eixos centrais do seu combate pela independência. Conforme declarou à agência noticiosa russa Sputnik o responsável pelas relações externas do movimento de libertação Emhamed Khaddad, a Frente iria apresentar em meados do mês passado uma queixa perante o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) contra o recém assinado acordo de pesca entre a UE e Marrocos, que inclui o Sahara Ocidental, contrariando os acórdãos deste Tribunal.
«Temos a convicção de que temos um dossier muito sólido nesse contexto e que o Tribunal rejeitará totalmente esses acordos porque carecem de base legal», afirmou.
Esta decisão política segue-se à decisão do Supremo Tribunal britânico de Justiça que, em resposta a uma queixa apresentada pelo Western Sahara Campaign UK (WSCUK), sentenciou que «Os bens e produtos provenientes do Sahara Ocidental não podem ser considerados originários de Marrocos, no âmbito de direitos aduaneiros preferenciais, nem qualquer outra vantagem concedida aos produtos marroquinos pelo Acordo de Associação.»
Na decisão é igualmente indicado que o Departamento britânico do ambiente, da alimentação e dos assuntos rurais (DEFRA) «não podia atribuir legalmente quotas de pesca aos navios de pesca britânicos ao largo do Sahara Ocidental.» Rosa Curling, advogada do gabinete de advogados de direito público Leigh Day declarou que «o governo britânico não pode mais ignorar os direitos dos povos do Sahara Ocidental nas suas relações com Marrocos. Esperamos que esta vitória do Tribunal marque uma mudança na abordagem do Governo britânico, e dos Estados-Membros da União Europeia em geral, sobre esta importante questão dos direitos humanos.»
Este ponto da defesa dos recursos naturais do território constou igualmente da agenda do encontro entre Katrin Jakobsdóttir, Primeira-ministra da Islândia, quando recebeu o Presidente da República Saharaui e Secretário-geral da Frente POLISARIO, Brahim Ghali, que aproveitou a ocasião para denunciar a inclusão do Sahara Ocidental nos acordos comerciais entre a União Europeia e o Reino de Marrocos, apelando ao cancelamento imediato destes acordos, que comprometem os povos europeus em actividades ilegais, em violação do direito internacional humanitário e dos acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Na reunião no parlamento islandês, Ghali expôs de novo a actual situação e os seus desenvolvimentos e apelou aos parlamentares islandeses, instituições europeias e internacionais para que pusessem fim às graves violações dos direitos humanos cometidas pelas autoridades de ocupação marroquinas nos territórios ocupados, exigindo a libertação de todos os presos políticos saharauís e a cessação da exploração ilegal e do saque marroquino dos recursos naturais do território.
Recorde-se que em Março passado, o parlamento islandês tinha ratificado a decisão adoptada em 2014, na qual solicitava ao governo que trabalhasse nos fora internacionais para garantir o direito do povo saharauí à autodeterminação, conforme estipulado nas resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral das Nações Unidas.


COMO IMPOR A MARROCOS O RESPEITO PELOS DIREITOS HUMANOS ?

A persistência da violação dos direitos humanos por parte do regime marroquino no seu processo de anexação e ocupação do Sahara Ocidental tem sido uma constante ao longo dos quase 44 anos que ele dura.

Presos políticos de Gdeim Izik

Há que reconhecer que o regime teve o cuidado de, ao negociar o acordo de cessar-fogo que conduziu à criação da MINURSO (United Nations Mission for the Referendum in Western Sahara - Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental), ter conseguido impedir que esta tivesse a função de acompanhar o respeito pelos direitos humanos.
De há anos a esta parte que várias organizações e instituições, que assumiram a responsabilidade de auditar e validar esse respeito por parte das autoridades de ocupação, assim como os meios de comunicação social independentes, têm chamado a atenção para a situação que se vive no território e o desempenho, não só das autoridades coloniais como também dos próprios colonos marroquinos, na sua relação com a população saharauí. O tema tem estado presente na agenda das reuniões do Conselho de Segurança onde é discutida a situação no Sahara Ocidental e a prorrogação do mandato da MINURSO. Têm-se multiplicado as insistências junto da ONU para rever e actualizar o âmbito da MINURSO de modo a contemplar esta valência.
Basta olhar para o quotidiano da população saharauí para percebermos um dos “porquês” desta oposição de Rabat — e dos governos amigos de Paris e Madrid — a atribuir esta função à Missão das Nações Unidas, a única que foi colocada nesta ingrata situação: o ver e não poder agir.
Passemos em revista as últimas semanas. Comecemos pelas “libertações”. O preso político Mbarek Daoudi foi ”libertado” em 28 de Março passado após cumprir 5 anos e meio de prisão. Teve vários julgamentos sem nunca terem sido apresentadas provas de qualquer crime cometido. Esteve em greve de fome por diversas ocasiões, uma das quais durante mais de 50 dias. O seu processo jurídico está repleto de atropelos à própria lei marroquina com várias condenações sucessivas que não têm em conta o tempo em detenção arbitrária. O seu estado de saúde deteriorou-se durante o tempo de detenção, devido à negligência médica sistemática a que os presos políticos estão sujeitos.
No mesmo dia foi igualmente ”libertado” Mohammed Mansour Salama Benno depois de passar um mês e cinco dias na cadeia de El Aaiun, a capital do Sahara Ocidental. Benno foi detido em 23 de Fevereiro após ter participado numa manifestação exigindo a autodeterminação do povo saharauí. Em 6 de Março foi presente ao Tribunal de primeira instância onde foi condenado a dois meses de prisão. A 28 o Tribunal de recurso libertou-o, diminuindo a sentença que havia recebido no tribunal de primeira instância. A condenação não se baseou em nenhuma prova sobre qualquer crime cometido. Os tribunais confiaram apenas nos documentos da policia elaborados durante e após os maus-tratos a que Mohammed Benno foi submetido. Acrescente-se que nenhuma investigação sobre o comportamento das autoridades policiais durante os interrogatórios foi levada a cabo pelo aparelho judicial marroquino.
Nas vésperas destas “libertações” dezenas de populares saharauís concentraram-se junto ao bairro de Al-Wifaq, na capital do Sahara Ocidental, exigindo o fim da ocupação e a cessação do saque dos recursos naturais do território. Foram dispersos pela polícia de choque. Simultaneamente, um grupo de mulheres activistas saharauís, lideradas por Aminatou Haidar, dirigente da associação CODESA (Colectivo Saharauí dos Defensores dos Direitos Humanos), reuniu-se no centro de El Aaiún, erguendo bandeiras da RASD e cantando slogans em apoio à Frente POLISARIO. As forças de ocupação dispersaram-nas e obrigaram-nas a abandonar o local.
Em entrevista à Équipe Média – a que realizou o documentário Três câmaras roubadas que passou no festival DocLisboa 2018 – Aminatou Haidar contou que «as reivindicações dos saharauís que participaram nas manifestações (...) foram muito claras em relação à ocupação, à liberdade e à total independência.»
Entretanto, na noite de 11 de Abril, a polícia marroquina prendeu Ali Saadoni, um conhecido activista que esteve detido de 2016 até 2018 devido à sua luta pela autodeterminação do Sahara Ocidental e durante a qual fez várias greves de fome em protesto contra a sua situação. Saadoni pertence a um grupo de jovens saharauís que se recusam a ter nacionalidade marroquina e defende publicamente o direito à autodeterminação do seu povo.
Em greve de fome estão dois outros presos saharauís. Hussein Bachir Brahim, o estudante detido na prisão de Marraquexe após ter sido deportado pelo governo de Madrid para Marrocos - não obstante ter solicitado asilo político - entrou em greve de fome em 6 de Abril. Brahim ainda não foi presente a julgamento e protesta assim contra as más condições a que está sujeito e à proibição de receber visitas dos familiares.
Por sua vez Mohamed Bourial, preso político do grupo de Gdeim Izik, entrou no passado dia 20 de Março em greve de fome. Segundo a família, encontrava-se em estado de grande debilidade mas não recebeu a visita de qualquer médico, nem a administração prisional ou outras autoridades entraram em contacto com ele desde que a iniciou.
Neste quadro não surpreende que as violações dos direitos humanos nos territórios ocupados e a situação dos presos políticos sejam destacadas na cópia antecipada do Relatório semestral de Abril do Secretário-geral da ONU sobre a situação no Sahara Ocidental para informação dos membros do Conselho de Segurança.
O Secretário-geral observa que as lacunas na elaboração de relatórios sobre a situação dos direitos humanos no Sahara Ocidental persistem devido à falta de acesso do ACNUDH (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos) ao território. Na resolução 2440 (2018), o Conselho de Segurança incentivou a cooperação reforçada com o ACNUDH, inclusive por meio da facilitação de visitas à região.
Em referência aos presos políticos do grupo de Gdeim Izik, o SG informa que a tortura e os maus-tratos a presos saharauís em Marrocos continuaram a ser denunciados. O ACNUDH recebeu várias comunicações de advogados e/ou membros das famílias deste grupo de presos alegando que vários dos seus membros foram submetidos a tortura, confinamento solitário prolongado, negligência médica, negação tanto de visitas de familiares como de acesso a mecanismos de acompanhamento independentes. O SG também menciona as greves de fome, algumas com uma duração de mais de 30 dias, o que resultou em alguns destes prisioneiros, consequentemente, desenvolverem condições críticas de saúde.
O relatório aborda igualmente a expulsão ou a recusa de acesso de defensores dos direitos humanos, investigadores, advogados e representantes de organizações não governamentais internacionais ao território do Sahara Ocidental pelas autoridades marroquinas. Recorde-se que desde Janeiro deste ano já foram expulsos 17 estrangeiros do Sahara Ocidental ocupado.




Sem comentários:

Enviar um comentário