quinta-feira, 4 de abril de 2019

Boletim nº 72 - Abril 2019


PROCESSO NEGOCIAL: DEVAGAR SE VAI LONGE ?

Delegações da Frente POLISARIO e de Marrocos voltaram a encontrar-se em Genebra numa nova ronda negocial para o processo de descolonização do Sahara Ocidental. Com «muito trabalho pela frente» ...

Köhler em Genebra

Em finais de Fevereiro passado foi divulgado que Horst Köhler, o enviado pessoal do Secretário-geral das Nações Unidas para o processo de descolonização do Sahara Ocidental, iria encontrar-se, nos princípios do mês seguinte, em Berlim, com uma delegação da Frente POLISARIO. Com esta reunião Köhler iniciava os contactos bilaterais com as partes directamente envolvidas no conflito (Marrocos e F. POLISARIO) e com os Estados vizinhos (Mauritânia e Argélia). A reunião, preparatória da 2ª ronda negocial, aconteceu em 5 de Março. Na semana anterior teve uma reunião com uma delegação marroquina em Paris.
No encontro de Dezembro Marrocos recusara discutir a proposta de construção de “medidas de confiança” onde os representantes saharauís tinham inscrito a libertação dos presos políticos, a autorização da presença de observadores dos direitos humanos nos territórios ocupados e o fim da pilhagem dos recursos naturais do Sahara Ocidental. Na altura a Frente POLISARIO considerou esta recusa como um sinal de «falta de interesse em fazer avançar o processo».
Segundo declarou posteriormente o embaixador alemão na ONU Christoph Heusgen, existiria um largo apoio no Conselho de Segurança para a adopção de medidas de confiança, como a desminagem da zona tampão que separa o território ocupado do território libertado e para a unificação das famílias separadas pela ocupação.
O encontro da 2ª ronda teve lugar no Castelo de Le Rosey, nos arredores de Genebra, na Suíça, em 21 e 22 de Março, com a Mauritânia e a Argélia a participarem como observadores.
Lembremos que à saída da reunião de Dezembro Horst Köhker tinha na conferência de imprensa manifestado a sua convicção de que seria «possível» encontrar uma solução «pacífica» para o conflito do Sahara Ocidental, sublinhando que ninguém ganhava em manter o actual status quo, estando ele «firmemente convencido que é do interesse de todos resolver este conflito».
Agora, nas vésperas da reunião, «fontes próximas da delegação da Frente POLISARIO reiteraram a plena vontade da delegação saharauí de trabalhar num clima construtivo que tenha como objectivo respeitar as aspirações do povo saharauí à autodeterminação e à independência», segundo declararam à agência SPS.
No final dos dois dias de trabalho Köhler voltou a reunir com a comunicação social para lhes dar conta do sucedido.
«Tenho o prazer de informar que acabamos de concluir a segunda mesa redonda sobre o Sahara Ocidental. (…).
«Como resultado das nossas discussões dos últimos dois dias, as delegações concordaram numa declaração conjunta que vos irei ler. Antes, porém, permitam-me tecer alguns comentários pessoais.
«A primeira mesa redonda realizada aqui em Genebra, em Dezembro, foi vista como um pequeno passo, mas encorajador, na busca de uma solução para o conflito no Sahara Ocidental. Desta vez, a minha intenção era consolidar a dinâmica positiva criada pela primeira reunião e começar a tratar de questões mais substantivas. Não será uma surpresa para ninguém quando digo que isso não é, e não será, fácil. Ainda há muito trabalho pela frente das delegações. Ninguém deve esperar um resultado rápido, porque muitas posições permanecem fundamentalmente divergentes. Ao mesmo tempo, poderem ouvir-se um ao outro mesmo quando as coisas são controversas, é um passo importante na construção de confiança. Esforços genuínos são necessários para criar a confiança necessária para progredir. Por isso, incentivei as delegações a explorar gestos de boa fé e acções concretas que possam ir além da mesa redonda.
«Esta reunião mostrou que todas as delegações estão cientes de que muitas pessoas, particularmente aquelas cujas vidas são directamente afectadas pelo conflito, depositam a sua esperança neste processo. Os custos deste conflito, em termos de sofrimento humano, falta de perspectivas para os jovens e riscos de segurança, são demasiado elevados para serem aceites.
«Portanto, não devemos ceder na nossa procura de um compromisso. Com todos os inevitáveis altos e baixos, não devemos perder de vista o facto de que o povo do Sahara Ocidental necessita e merece que esse conflito termine. Neste espírito, agradeço que as delegações tenham concordado em dar continuidade a este processo e reunir-se de novo neste formato».
Após esta introdução Köhler passou à leitura do comunicado conjunto.
«A convite do enviado pessoal do Secretário-geral para o Sahara Ocidental, o ex-presidente da Alemanha Horst Köhler, as delegações de Marrocos, da Frente POLISARIO, da Argélia e da Mauritânia reuniram-se numa segunda mesa-redonda em 21 e 22 de Março de 2019, perto de Genebra, de acordo com a resolução 2440 do Conselho de Segurança. As delegações envolveram-se de forma cortês e aberta, numa atmosfera de respeito mútuo.
«As delegações saudaram o novo impulso criado pela primeira mesa-redonda realizada em Dezembro do ano passado e prometeram continuar a participar no processo de maneira séria e respeitosa. As delegações concordaram que era necessário criar confiança adicional.
«As delegações efectuaram discussões aprofundadas sobre como alcançar uma solução política mutuamente aceitável para a questão do Sahara Ocidental que fosse realista, viável, duradoura, baseada em compromissos, justos e duradouros, e que permitisse a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental em conformidade com a resolução 2440 (2018) do Conselho de Segurança. A este respeito, concordaram em continuar o debate para determinar os elementos de convergência.
«Houve consenso de que todo o Magrebe beneficiaria enormemente de uma solução para a questão do Sahara Ocidental. As delegações também reconheceram que a região tinha uma responsabilidade especial de contribuir para uma solução.
«As delegações saudaram a intenção do enviado pessoal de as convidar a reunirem-se de novo no mesmo formato.»
Recorde-se que o actual mandato da MINURSO, a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental, termina no próximo dia 30 de Abril e até lá o enviado especial do Secretário-geral deverá apresentar ao Conselho de Segurança o relatório sobre o evoluir do processo negocial.


MARROCOS: E A ARGÉLIA AQUI TÃO PERTO ...

Marrocos não vem nos cabeçalhos dos jornais ou não figura nas aberturas dos telejornais mas isso não impede a realidade de ir, discretamente, fazendo o seu caminho na transformação daquela sociedade. Por vontade de sectores da sua população.

Mohammed VI em Riad

Em meados de Dezembro passado o Fundo Monetário Internacional (FMI) tornou público um acordo assinado com as autoridades de Rabat para a concessão de uma «linha de precaução e liquidez no montante de 2,7 mil milhões de dólares» americanos, a fim de reforçar a capacidade de resposta às necessidades de liquidez em divisas estrangeiras. Tratou-se do quarto acordo em seis anos assinado pelas partes, o primeiro dos quais em Agosto de 2012.
Segundo a ATTAC/CADTM Marrocos, esta linha de crédito «mostra a dependência e a fragilidade estrutural da economia marroquina». «Com efeito, Marrocos corre o risco de ser confrontado com uma subida nos preços do petróleo, que representa uma parte importante das suas importações, uma queda nos preços das suas principais exportações para os mercados internacionais, e em particular europeus (produtos agrícolas, de pesca, mineiros como os fosfatos), uma queda das transferências dos marroquinos residentes no estrangeiro, das receitas turísticas e do investimento directo estrangeiro, etc. (...). Esta linha de precaução e de liquidez servirá também para apaziguar os receios das agências de notação internacionais face aos grandes desequilíbrios financeiros de que sofre o orçamento de Marrocos».
E a ATTAC/CADTM conclui: «Estas reformas liberais facilitam a transferência de riqueza e de capitais para os grandes capitalistas estrangeiros e locais, agravando o défice orçamental e logo o recurso ao endividamento com os custos elevados que ele implica». Mas esta deterioração da situação financeira não trava a política de militarização em que o regime continua empenhado. Segundo informações divulgadas pela CIA Marrocos gastou 3,28% do PIB em despesas militares em 2016, ocupando o 26º lugar a nível mundial, logo atrás dos EUA.
Perante a degradação das condições de vida da população as forças sindicais tentam enquadrar o mal-estar social. Quer a CDT (Confédération Démocratique du Travail) quer a UMT (Union Marocaine du Travail) semearam o mês de Janeiro de iniciativas — integradas na campanha “o mês da ira” – visando levar o governo a respeitar os direitos sindicais que são frequentemente violados em Marrocos. Os protestos incluíram manifestações, concentrações, desfiles e greves. As reivindicações centrais eram a institucionalização do “diálogo tri-partido” e o respeito pelas convenções da OIT.
O movimento sindical responsabiliza as autoridades governamentais por aquilo que dizem ser a sua inoperância em resolver um vasto conjunto de problemas sociais entre os quais incluem a subida do custo de vida, a deterioração dos serviços sociais, a violação dos direitos dos pensionistas, a falta de oportunidades para a juventude e a subida da taxa de desemprego. Queixa-se igualmente da repressão nas fábricas a que as autoridades, diz, fecham os olhos. Cita os exemplos recentes das multinacionais fabricantes de componentes automóveis APTIV (antiga Delphi), YAZAKI e SEBN-MA que despediram dezenas de dirigentes e delegados sindicais perante a indiferença das autoridades.
Para além dos pontos referidos anteriormente, o caderno reivindicativo das organizações dos trabalhadores inclui também um aumento salarial de $630 Dirham (aproximadamente 63,00 €) para os funcionários públicos, um aumento de 10% no salário mínimo, uma redução nos impostos com as pensões isentas de pagamento e o respeito pela liberdade de associação.
Uma outra luta que tem marcado a actualidade marroquina pela sua longevidade e pelo seu carácter inovador, quer pelos objectivos fixados, quer pelas formas organizativas adoptadas, é a dos habitantes da vila de Imider, no sudeste marroquino, no monte Alban.
A mina de Imider é a maior mina de prata de todo o continente africano com uma produção anual de 240 toneladas. Pertence, obviamente, à família real! Em volta da mina não existem serviços de água ou de electricidade, nem infra-estruturas ou serviços sociais destinados à população que ali vive. Desde há sete anos que a população bloqueou o fornecimento de água à mina e ocupou os terrenos em volta. Numa entrevista concedida por Omar Moujane, ex-preso político marroquino e activista numa comuna rural com cerca de 4.000 habitantes a 5 kms da mina, este explica as razões da luta daquela comunidade que, segundo diz, «dura há mais de quarenta anos».
Sobre a fase actual da luta lembra: «Houve uma primeira manifestação em 1 de Agosto de 2011. Os estudantes protestaram por a mina recusar dar-lhes trabalho, tal como tinha sido estipulado nos acordos de 2004 (…). Em 2 de Agosto, as mulheres e os jovens desempregados saíram, espontaneamente, à rua juntando-se aos estudantes em manifestação pela água. E a população seguiu-os».
Sobre o papel das mulheres no movimento, Moujane diz: «Para nós essa questão está ultrapassada. As mulheres são parte integrante do movimento e participam nas assembleias gerais que são os órgãos de decisão».
Questionado sobre a reacção das autoridades, dividiu-a em duas vertentes: a repressiva, muito real, e a virtual, vaga nas suas promessas. A real é a mesma que ocorre em todo o Marrocos. Prisões, torturas, julgamentos-farsa com acusações pré-fabricadas, por vezes mesmo morte. «Um dos presos morreu a seguir à sua libertação. Tinha sido torturado, ficou doente e faleceu logo a seguir à sua libertação».
À pergunta sobre se o movimento era específico a Imider, respondeu: «Todos os movimentos sociais têm pontos em comum, como têm hoje com os Coletes Amarelos. Existem problemas comuns, como a espoliação da riqueza natural, a exclusão. (...). Há uma questão de identidade para Imider. A questão da identidade põe-se aos povos do Sul como aos povos do Norte. Porque um estado central é construído à custa das pessoas. Uma das técnicas dos poderes centrais é afastar os povos autóctones para que eles não possam cristalizar as suas reivindicações. A política colonial baseia-se no princípio da separação dos povos das suas terras (...). Com o movimento do Rif temos em comum a questão da espoliação da riqueza; o nosso movimento nasce da espoliação da riqueza mineral e da água, a do Rif das riquezas marinhas; no Rif, os mesmos problemas sociais e de identidade colocam-se como a nós».
Sobre o diálogo com outros movimentos contou que «Em 2011, houve o surgimento do movimento de 20 de Fevereiro. Este movimento entrou em contacto connosco, veio visitar-nos. Eles queriam que nós integrássemos o movimento deles. Houve um ano de diálogo. No final das discussões, recusámos aderir ao movimento, porque o esboço da nova Constituição não aborda a questão do roubo de terras e as nossas exigências vão muito para além das propostas daquele movimento. As nossas expectativas não podem ser diluídas em reformas simples. Mas permanecemos abertos a eles. Os debates não ficaram circunscritos ao movimento de 20 de Fevereiro. Estamos a realizar debates noutros lugares. Com outras lutas e movimentos e em vários níveis. A questão dos presos políticos tem sido um ponto comum entre vários focos de luta. (...). Sobre a questão da terra, organizámos uma conferência em Abril de 2017 em Imider. (...). E visitámos outros sectores em luta em Marrocos».
A nível internacional Omar Moujane cita as acções comuns que têm desenvolvido com os activistas do Hawai (EUA) em defesa da água, assim como com organizações tunisinas. E têm recebido visitas de interessados europeus e de militantes argelinos em luta contra o gás de xisto no seu país e pela justiça climática no norte de África.
Quanto aos trabalhadores da mina de prata de Imider, Moujane reconhece que a relação é difícil pois o sindicato (o CDT, um dos organizadores do “mês da ira”) não reconhece o movimento contestatário da população. Em Novembro de 2011 escreverem uma carta ao sindicato explicando o sentido da sua luta. O sindicato assinou um protocolo com a entidade que explora a mina, a SMI – Sociedade Metalúrgica de Imider, onde é garantido o emprego preferencial aos filhos dos mineiros.
Quem escreveu que o caminho se faz caminhando?





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