sábado, 10 de novembro de 2018

Boletim nº 67 - Novembro 2018


ONU: PROCESSO NEGOCIAL EM MARCHA

As Nações Unidas marcaram negociações directas entre Marrocos e a Frente POLISARIO para 5 e 6 de Dezembro próximo, em Genebra, para discutir o processo de autodeterminação do Sahara Ocidental.

A Argélia e a Mauritânia também foram convidadas e aceitaram participar, embora não seja ainda clara qual a modalidade da sua participação. Nem da reunião. Marrocos procura desvalorizar a sua natureza. Segundo a edição francófona de Voice of America, citando uma fonte anónima, «não se trataria de “uma reunião de negociações” mas antes de “uma mesa redonda”».
Já António Guterres classificou-a simplesmente de «discussões preliminares» no relatório que entregou ao Conselho de Segurança no passado dia 3 de Outubro.
Na reunião de trabalho que Horst Köhler teve com o Conselho em Agosto passado explicou que estas primeiras conversações tinham por objectivo discutir o quadro geral que vai servir de base às negociações seguintes que deverão abordar as questões de fundo.
Outra questão com que o Conselho de Segurança se confronta são as recomendações do Secretário-geral sobre o funcionamento da MINURSO visando torná-la mais eficaz. António Guterres tinha encomendado uma auditoria independente às actividades da Missão após a renovação do mandato em Abril último. A análise consta do já referido relatório do Secretário-geral e põe em destaque o papel por ela desempenhado na prevenção de conflitos no Sahel. Diz que um regresso às hostilidades em caso de não renovação do mandato custaria muito mais caro às Nações Unidos do que os 53 milhões de dólares anuais que hoje gasta para financiar as actividades da MINURSO. A auditoria salienta igualmente a necessidade de modernizar a Missão dotando-a de meios tecnológicos mais capazes para melhor assegurar o cessar-fogo.
Esta informação deu suporte ao SG da ONU para propor ao Conselho de Segurança o regresso aos mandatos anuais: «Recomendo ao Conselho estender o mandato do MINURSO por um ano, até 31 de Outubro de 2019, a fim de conceder ao meu enviado pessoal espaço e tempo para criar as condições necessárias para o avanço do processo político». «O papel da MINURSO foi fundamental para permitir ao meu enviado pessoal, graças aos intensos esforços feitos nos últimos seis meses, fazer progressos significativos na busca de uma solução política para a questão do Sahara Ocidental», escreveu o SG da ONU para justificar o seu pedido. António Guterres argumentou que «manter condições pacíficas e estáveis é essencial para promover uma retomada do processo político» e que «a MINURSO continua a ser um elemento-chave das Nações Unidas para obter uma solução política justa, sustentável e mutuamente aceitável». Alguns observadores, porém, alertaram para o facto de ser pouco provável que os E.U.A. dessem o seu acordo a esta alteração da duração do mandato já que foram eles que se bateram pelo encurtamento para seis meses. O que veio a acontecer.
Neste quadro de relançamento do processo negocial o representante da Frente POLISARIO nas Nações Unidas, Sidi Mohamed Omar, reuniu-se com Sacha Llorenti Soliz, representante permanente da Bolívia junto das Nações Unidas e actual presidente do Conselho de Segurança. O encontro, que teve lugar na sede do Conselho de Segurança, faz parte das várias reuniões que Sidi M. Omar está actualmente a realizar com os membros do Conselho na sequência da apresentação do relatório do Secretário-geral.
No princípio do mês de Outubro o Conselho de Segurança teve uma reunião à porta fechada com os representantes dos países que disponibilizam contingentes militares e funcionários policiais para a Missão da ONU no Sahara Ocidental e para a qual convidou Colin Stewart, chefe desta Missão, que apresentou uma exposição e a debateu com os presentes.
Recorde-se que o último ciclo de negociações directas entre Marrocos e a Frente POLISARIO sobre o problema do Sahara Ocidental remonta a Março de 2012, data a partir da qual Rabat bloqueou a continuação do processo de descolonização.
 

O SAHARA OCIDENTAL EM PORTUGAL

A questão saharauí conheceu neste final de Outubro um conjunto de iniciativas em Portugal que nos vieram lembrar que o país tem um desafio colonial às suas portas, na sua margem sul.

Entre 18 e 28 de Outubro decorreu em Lisboa a 16ª edição do Festival Internacional de Cinema, o doclis’18, onde uma das sessões da secção “Cinema de Urgência” foi dedicada à Equipe Média.
Na sessão foi exibido o filme de 2017 3 Stolen Cameras – que foi censurado no Festival Internacional do Filme de Beirute naquele ano e é inspirado no documentário 5 Stolen Cameras sobre a luta de libertação palestiniana - e mais três documentários que focavam a repressão policial. No fim houve um debate animado pela presença de um elemento deste grupo, Sabbar Bani.
A Equipe Média foi constituída em Junho de 2009 em El Aaiún, capital do Sahara Ocidental, por um grupo de jornalistas saharauís conscientes «do papel determinante dos media na cobertura informativa dos acontecimentos que se desenrolam nos territórios ocupados e da parcialidade dos media marroquinos dependentes das autoridades de ocupação, e tendo em consideração a importância e a necessidade de um ponto de encontro e de concertação dos jornalistas para a difusão de uma informação independente.»
«A Equipe Média não quer ser ‘mais uma’ organização na paisagem mediática mas propõe-se defender a qualidade e o rigor informativo.» Formada por elementos (homens e mulheres) dos quais 4 estão neste momento em Espanha devido às perseguições das forças de segurança marroquinas, contribuíram para «a cobertura mediática do maior protesto popular saharauí nos territórios ocupados, o acampamento de Gdeim Izik», em Outubro de 2010. Cita o caso de 16 elementos do grupo, todos na casa dos 20 anos, como exemplos marcantes das violações dos direitos humanos. Entre eles está Hassana Alya que, por estar em Espanha quando a polícia o foi prender, foi julgado à revelia e condenado a prisão perpétua. E afirmam querer «melhorar a todos os níveis: gama dos tópicos abordados, amplitude da informação, qualidade da pesquisa, redacção das notícias ou dos relatórios.»
Mas a presença da causa saharauí em Portugal não se limitou no final deste mês de Outubro ao doclisboa.

Como nos contou o deputado José Manuel Pureza, «No dia em que o Presidente da Câmara dos Representantes de Marrocos visitou a Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda expressou a sua solidariedade com o povo do Sahara Ocidental e a sua luta pela autodeterminação. Este gesto simbólico pretendeu dar visibilidade a esta luta e associar a sua voz à exigência do fim da ocupação e do cumprimento do Direito Internacional naquele território.»
Também o Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP) teve uma iniciativa inovadora ao subscrever um protocolo de colaboração académica com a Universidade de Tifariti, nos territórios libertados do Sahara Ocidental, com o objectivo de desenvolver projectos entre as duas instituições.
O reitor da Universidade de Tifariti, Prof. Jatari Anda-la Ahmed Salem, havia participado na 1ª Conferência CEAUP “Sistemas Educativos na África Ocidental” onde expôs a situação vivida pelo povo saharauí. A Universidade é um projecto único no mundo, já que se encontra nos campos de refugiados em pleno deserto.
A conferência e o estabelecimento do protocolo deram a oportunidade de docentes e estudantes da Universidade do Porto conhecerem a realidade vivida pela população saharauí e o empenho do respectivo governo no apoio e desenvolvimento de um ensino de qualidade. Os campos de refugiados existem desde 1975 quando ocorreu a invasão militar de Marrocos do território do Sahara Ocidental e são a única zona de África com uma taxa de alfabetização que supera os 90% e com uma escolaridade obrigatória desde os 3 anos de idade.
O Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, actualmente presidido pela Professora La Salete Coelho, é uma organização de investigação e cooperação multidisciplinar formada em Novembro de 1997. Reúne investigadores, docentes e estudantes de instituições nacionais e estrangeiras.
Segundo Miguel Silva, da direcção do CEAUP, este protocolo não é simplesmente um acto simbólico, mas o início de uma cooperação efectiva visando a instalação de um centro de estudos sociais na Universidade de Tifariti que contribua para a formação de competências nestas áreas entre os estudantes daquela universidade saharauí. Uma delegação do CEAUP, encabeçada pelo Prof. José Maciel, visitou os campos de refugiados no início deste ano.
O Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto junta-se assim a várias universidades de Espanha, EUA, Cuba, Venezuela, Polónia, Alemanha, Áustria, Argentina e Argélia com quem a Universidade saharauí já tem programas de colaboração.

 

ONU: O DIFÍCIL FIM DO COLONIALISMO

Decorreram em Outubro passado, em Nova Iorque, os trabalhos da 73ª sessão da 4ª Comissão da ONU (dedicada às políticas especiais e à descolonização). Apesar das intenções manifestadas, o fim do colonialismo não está próximo.




Durante o decorrer das sessões uma centena de intervenções abordaram e denunciaram a continuação do flagelo do colonialismo em que a questão do Sahara Ocidental foi a mais frequentemente citada. Deste ponto de vista, só uma dúzia de Estados não a referiram explicitamente, alguns dos quais de grande peso geopolítico (casos da China, da Índia, do Reino Unido e do Paquistão). O embaixador chinês fez, porém, uma observação cheia de sabedoria: as heranças coloniais são complexas e o «pensamento colonial» permanece vivo nos 17 territórios não autónomos que ainda figuram na respectiva lista das Nações Unidas aguardando a conclusão do seu processo de autodeterminação.
Dos Estados que referiram a situação no Sahara mais de 60% defenderam a política de Marrocos. Com destaque para os colonizados francófonos – Benim, Costa do Marfim, Gabão, Gâmbia, Senegal, … - que saudaram «as iniciativas tomadas pelas altas autoridades marroquinas concedendo um alto grau de autonomia às populações locais, os investimentos em matéria de infra-estruturas para o desenvolvimento sócio-económico do Sahara, a implementação das medidas preconizadas pela resolução 2414, em matéria dos direitos humanos, assim como a necessidade imperativa de proceder ao recenseamento das populações, especialmente nos campos de [refugiados em] Tindouf.» Recorde-se que a UNHCR, a agência das Nações Unidas para os refugiados, publicou em Maio deste ano o relatório «Sahrawi Refugees in Tindouf, Algeria: Total In‐Camp Population» que respondeu, precisamente, a esta “necessidade”.
Outros foram mais discretos, defendendo a «abordagem positiva, construtiva e sustentável» do Reino de Marrocos para resolver de maneira pacífica o «conflito regional» do Sahara Ocidental.
Houve outros Estados – Arábia Saudita, Koweit, Qatar – que defenderam a retirada de Israel dos territórios palestinianos ocupados e o direito do seu povo à autodeterminação e depois defenderam a integração do Sahara em Marrocos. E as Ilhas Maurício, que apoiou «a iniciativa de autonomia proposta por Marrocos» para mais à frente afirmar que o mandato da MINURSO «não deveria limitar-se à manutenção da paz e deveria permitir organizar o referendo.» As vias das relações internacionais são mais sinuosas que as vias do Senhor!
A defesa do direito internacional e do respeito pela autodeterminação dos povos colonizados foi feita por países dos continentes africano – de herança colonial inglesa (África do Sul, Nigéria, Zimbabué, Lesoto, Etiópia, …) e portuguesa (Angola e Moçambique) – e latino-americano (México, Costa Rica, Equador, Uruguai, Cuba, …). Saliente-se ainda Timor-Leste, o único Estado da região Ásia-Pacífico que assumiu de forma clara os direitos do povo saharauí.
No que respeita às intervenções de elementos da sociedade civil a defesa do direito saharauí à autodeterminação foi mais numerosa do que a defesa da proposta marroquina de autonomia.
Rabat, à semelhança dos anos anteriores, preparou cuidadosamente a sessão. Pelo menos dois dos seus peticionários eram funcionários de conhecidas firmas de lobby norte-americanas. Depois recorreu a uma arma a que os colonialismos vulgarmente recorrem. Pelo menos o português e o indonésio fizeram larga utilização dela. A de utilizar os assimilados, que se apresentam como ”libertados” graças à acção civilizadora do colono.
O seu alvo principal foi a situação das populações nos acampamentos de refugiados no sul da Argélia para atingir com esse “retrato” a Frente POLISARIO. «A ausência de solução empurra a juventude que vive nos acampamentos para actividades ilegais tais como o contrabando de armas, de seres humanos e de droga e a considerar o terrorismo como um modo de vida», disseram. Invocaram as cumplicidades do movimento de libertação com o Hezbollah, que o armaria e treinaria, dando como fonte das suas informações o Centro de Estudos Estratégicos Begin-Sadat em Israel. Responsabilizaram ainda a Frente POLISARIO pela situação de carência vivida nos acampamentos pois acusam-na de corrupção e apropriação da ajuda alimentar para a vender no mercado negro em outros países africanos.
Não surpreende que um peticionário tenha declarado no início da sua intervenção que não era um lobbyste e que nem ele nem as suas despesas haviam sido pagos por um governo ou uma empresa. «Estou curioso em saber quem paga a presença de alguns outros oradores», acrescentou.
Os peticionários que intervieram em defesa do direito do povo saharauí à autodeterminação tiveram o discurso facilitado. Não precisaram de mentir, de inventar ou de ignorar. Focaram-se na defesa dos direitos humanos – e tiverem relatórios como o da Amnistia Internacional divulgado neste princípio de Outubro nos quais se basear – e na denúncia do roubo dos recursos naturais do Sahara Ocidental, onde puderam lembrar as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Não será ainda em 2020, quando termina a terceira década internacional de eliminação do colonialismo, que se conseguirá pôr fim a esta relação de dominação dos povos.

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