quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Boletim nº 66 - Outubro 2018


MARCELO REBELO DE SOUSA EM NOVA IORQUE

A 73ª sessão da Assembleia Geral da ONU, que decorreu sob o lema Making the United Nations Relevant for All People: Global Leadership and Shared Responsibility for Peaceful, Equitable and Sustainable Societies, concluiu os seus trabalhos no passado dia 1 de Outubro. A questão do Sahara Ocidental foi um ausente presente.

Portugal foi representado pelo Presidente da República. «Na sua intervenção – relatou a imprensa - Marcelo Rebelo de Sousa reiterou o apoio de Portugal à acção e às prioridades do Secretário-geral desta organização, António Guterres, "no seu lúcido, dinâmico e excepcional mandato"».
Para o Presidente da República, existem «duas visões diferentes sobre a realidade universal: uma de curto prazo, é unilateralista ou minilateralista, proteccionista, virada para um discurso interno eleitoralista (...)». Esta visão «está, sobretudo, atenta à prevenção dos conflitos e à manutenção da paz onde e quando, pontualmente, lhe interessa, e interessa, sobretudo, em termos de poder económico mais do que político». Opõe-se à de Portugal, que olha «para o direito internacional, a Carta [das Nações Unidas] e os direitos humanos como valores e princípios e não como meios ou conveniências. (...). Visões de curto prazo, por muito apelativas que pareçam ser, constituem um fogo-fátuo, que não dura, não durará, não resolverá os verdadeiros problemas do mundo».
E para dar verdade à sua intervenção, para a despir de pretensas leituras académicas, o PR enumerou uma extensa lista de conflitos residentes em África e no Médio Oriente. Não referiu, porém, aquele que mais sentido dava ao seu discurso, que mais apoio o Secretário-geral da ONU necessita para levar “a bom porto”. O do Sahara Ocidental.
Quando Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse como Presidente um conjunto de personalidades escreveu-lhe uma carta aberta lembrando-lhe a urgência da resolução do conflito. «Tem esta missiva como objectivo chamar a atenção de V. Exa. para o momento ímpar que atravessa a questão do Sahara Ocidental, visitado há poucos dias pelo Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, que reiterou o seu empenho na “criação de um ambiente propício ao reatamento das conversações entre Marrocos e a Frente POLISARIO” e na “necessidade de encontrar uma solução que permita ao povo saharauí exercer o seu direito à autodeterminação”».
Que papel poderia – e deveria – desempenhar a diplomacia portuguesa neste problema já longo de quatro décadas?
«Portugal está numa posição privilegiada para contribuir para este desfecho, respeitador do Direito Internacional e ambicionado pela Comunidade Internacional desde que em 1991 foi firmado o Acordo entre Marrocos e a Frente POLISARIO, no qual ambas as partes aceitaram as bases para a celebração do mencionado referendo:
  • Foi Potência Administrante e desempenhou um papel fulcral no processo que conduziu à independência de Timor-Leste, podendo hoje testemunhar como tal situação tem beneficiado o contexto regional e as relações entre Díli e Jacarta.
  • Mantém um relacionamento excepcional com o Estado Espanhol, que deveria reassumir o seu estatuto e responsabilidades de Potência Administrante do Sahara Ocidental, colaborando directa e activamente com as Nações Unidas.
  • E é amigo de longa data do Reino de Marrocos, que ganharia paz e estabilidade, e pouparia muitíssimos recursos, aceitando como país vizinho a República Árabe Saharauí Democrática.»
E a concluir a carta: «Confiamos, Senhor Presidente, no seu alto sentido de Estado e de respeito pelo Direito Internacional, assim como no seu desejo e possibilidade real de contribuir para o fim do conflito e para o início de uma nova era de paz, entendimento e cooperação, política e económica, entre antigos beligerantes».
Seis meses depois os signatários receberam uma simpática missiva de um assessor do PR onde lhes era lembrado que «Atendendo ao teor da comunicação, levo ao conhecimento de V.Exa de que as competências do Presidente da República, em matéria de relações internacionais, estão previstas no artigo 135º da Constituição da República Portuguesa, sendo ao Governo que cabe delinear e conduzir a política externa portuguesa. Neste contexto, mais informo que foi enviada cópia da carta de V.Exa ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, que é a entidade pública com competência na matéria abordada por V.Exa.» E nós, ingratos, não agradecemos esta lição de direito constitucional que nos foi graciosamente oferecida!
Fazemos nossas as palavras do PR na 73ª sessão da Assembleia Geral da ONU: a questão do Sahara Ocidental é «Para nós, uma questão estrutural, em que não mudamos com modas e protagonistas de curto prazo».

PROCESSO NEGOCIAL: ONU PROPÕE ENCONTRO EM DEZEMBRO

Köehler propôs a Marrocos e à Frente POLISARIO um encontro em Genebra nos princípios de Dezembro e para o qual também foram convidados a Mauritânia e a Argélia.

No final de Setembro um despacho da France Press noticiava que Köehler tinha enviado convites a Marrocos e à Frente POLISARIO, assim como à Mauritânia e à Argélia, para um encontro a realizar em Genebra em 4 e 5 de Dezembro próximo. Segundo a agência noticiosa, citando fontes diplomáticas, Köehler teria solicitado uma resposta até ao dia 20 de Outubro.
Enquanto a parte saharauí tem sempre afirmado a sua disponibilidade para se encontrar, sem condições prévias, com o ocupante do seu território, Marrocos tem procurado semear de obstáculos o caminho do diálogo.
Neste mesmo mês de Setembro a MINURSO concluiu o seu primeiro mandato de seis meses, preparando-se agora o Conselho de Segurança para decidir este mês a renovação do mandato. Visando armar o Conselho para esta decisão, o seu chefe, o canadiano Colin Stewart, terá entregue o seu relatório com o balanço de actividades da Missão.
Conforme refere o jornalista Jesús Cabaleiro Larrán, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, em 30 de Junho passado, o orçamento operacional da MINURSO para o ano de 2018-19, no valor de 52,3 milhões de dólares (45,1 milhões de euros). E cita um relatório da Fundação Heritage, um centro de estudos com sede em Washington (E.U.A.), segundo a qual a MINURSO, criada em 1991, custou até hoje às Nações Unidas a quantia de 1.255.915.013 dólares (1.083,5 milhões de euros). Com a agravante de não incluir no seu desempenho a monitorização dos direitos humanos no território, sendo a única das missões da ONU com esta limitação.
Lárran lembra-nos também que Colin Stewart foi acusado por Rabat de “falta de neutralidade” por, aquando do falecimento do representante da Frente POLISARIO nas Nações Unidas, se ter deslocado ao território libertado e ter deixado no livro de condolências a mensagem: «Pela morte do meu colega Embaixador Ahmed Boukhari, apresento em meu nome e em nome das Nações Unidas e do Secretário-geral, António Guterres, as nossas mais profundas condolências à família, amigos e colegas do falecido», levando o MNE marroquino Nasser Bourita a chamá-lo para lhe apresentar um protesto formal. Mas Lárran conta-nos que esta atitude esteve conforme com a seguida por António Guterres que enviou a seguinte mensagem: «Boukhari foi um representante entusiasta, respeitador e de princípios que trabalhou incansavelmente por uma solução pacífica para o conflito no Sahara Ocidental e deu um contributo significativo com os seus esforços diplomáticos em Nova Iorque. O seu desaparecimento é uma grande perda para a Frente POLISARIO e para a população do Sahara Ocidental».
Stewart é um diplomata com uma longa experiência, tendo tido a oportunidade de acompanhar o processo de autodeterminação de Timor-Leste.
Entretanto a Chanceler Angela Merkel visitou a Argélia e numa conferência de imprensa com o Primeiro-ministro argelino, Ahmed Ouyahia, enalteceu os esforços de Horst Köehler, Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU e ex-presidente da Alemanha, para a resolução do problema do Sahara Ocidental, considerando-os muito positivos. A questão constava do programa de discussões de Merkel com o governo de Argel a realizar durante a visita, juntamente com a situação na Líbia, no Mali e no Sahel, assim como a crise no Médio Oriente.
 

 

A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO SAHARA OCIDENTAL

Por ocasião da 39ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos, que decorreu em Genebra (Suíça) entre 10 e 28 de Setembro, as Nações Unidas apresentaram um relatório sobre a situação no território do Sahara Ocidental ocupado por Marrocos.

Aí chama-se a atenção para o facto de «vários grupos saharauís de defesa dos direitos humanos continuarem a confrontar-se com dificuldades no exercício das suas actividades. Com efeito, não são reconhecidos juridicamente, não tendo o governo marroquino dado provimento aos seus pedidos de registo».
E são referidos três casos de violação clara desses direitos. O de Naâma Asfari, condenado a 30 anos de prisão no processo de Gdeim Izik, colocado em isolamento entre 13 de Fevereiro e 13 de Março deste ano e privado das visitas da esposa Claude Mangin, que já por quatro vezes se viu impedida de se encontrar com o marido. O relatório sublinha que, neste caso, Marrocos é responsável pela violação dos artigos da Convenção internacional contra a tortura e os tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, que entraram em vigor em 1987.
Outro caso referido é o de El Ghalia Djimi, militante da Associação Saharauí das Vitimas de violações graves dos direitos humanos cometidas pelo Estado marroquino (ASVDH) que foi impedida em 2017 de sair de Marrocos para participar nos trabalhos da sessão do Conselho dos DH em Genebra. O relatório afirma, baseado nas observações feitas pelo relator especial para a situação dos defensores dos direitos humanos Michel Forst, que «este caso está longe de ser um caso isolado».
Finalmente o relatório manifesta a sua preocupação pela situação de uma outra mulher saharauí, Mina Baali, vítima da violência e da intimidação por parte das forças de segurança marroquinas.
E poderíamos acrescentar o drama vivido por El Wafi Wakari, estudante saharauí e preso político do grupo Companheiros de El Wali, impedido de receber tratamento médico desde a sua detenção em Janeiro de 2018, apesar de os médicos marroquinos terem informado que ele necessita de cirurgia urgente. Depois de inúmeras queixas da família às autoridades marroquinas e ao CNDH (Comissão Nacional de Direitos Humanos da Marrocos), aos mecanismos da ONU para os direitos humanos e também várias intervenções feitas no parlamento europeu por deputados sobre este caso, a situação médica não melhorou e as autoridades marroquinas continuam a recusar-lhe tratamento médico.
A advogada francesa que agora representa este preso político, Marie Roch, enviou uma queixa detalhada às autoridades de Rabat, enfatizando a violação da própria lei marroquina.
Entretanto, segundo a Asociación Canaria de Amistad con el Pueblo Saharaui e a Comunidade Saharauí residente em Tenerife, mais de uma centena de saharauís ficaram feridos durante os protestos que ocorreram em El Aaiún aquando da visita delegação da Comissão Europeia para denunciar a espoliação dos recursos naturais do Sahara por parte do regime marroquino.
Entre as vítimas desses confrontos está Sultana Jaya, que asseguram terá sido encontrada inconsciente e com sinais de espancamento após a polícia marroquina ter dispersado as manifestações. Sultana é conhecida pelo seu activismo, mas principalmente notabilizou-se durante os protestos dos estudantes saharauís que tiveram lugar em Marraquexe, em 2007, quando centenas de estudantes saharauís protestaram contra o tratamento diário de que eram alvo por parte de professores e polícias.
Foi então presa pelas forças de segurança de Marrocos e levada para interrogatório, durante o qual perdeu um dos olhos. Como a sua história foi divulgada na Internet, tornou-se de imediato um símbolo da resistência saharauí contra a ocupação e as violações dos direitos humanos por parte de Marrocos.
Vários poetas e cantores saharauís têm escrito poemas e canções sobre a sua experiência e testemunho. Esteve em Espanha onde foi sujeita a uma delicada cirurgia ocular. Desde então, recebeu muitos prémios de direitos humanos, continua a participar em diferentes conferências e prossegue o seu activismo contra a ocupação marroquina.

 

 

 

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