sábado, 15 de setembro de 2018

Boletim nº 65 - Setembro 2018

ONU RELANÇA PROCESSO NEGOCIAL

Contrariando as expectativas de Rabat, a proposta de Horst Köhler de realizar uma nova ronda negocial entre Marrocos e a Frente POLISARIO antes do final do ano foi bem acolhida pelo Conselho de Segurança da ONU.


Relançar o processo negocial

No dia 8 de Agosto decorreu uma reunião no Conselho de Segurança das Nações Unidas onde o Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU para a questão do Sahara Ocidental, Horst Köhler, apresentou o relatório da sua visita à região — não só Marrocos e Sahara Ocidental, mas também Argélia e Mauritânia — assim como os esforços que está a desenvolver para conseguir sentar à mesa de negociações, até ao final do ano, as partes em conflito.
Na continuação da sua linha política de preservar a sua colonização do Sahara, Rabat tentou obstaculizar o encontro de Köhler com o Conselho de Segurança. Dois dias antes da reunião o seu embaixador junto das Nações Unidas, Omar Hilale, escreveu uma carta aos quinze membros do Conselho onde desvalorizava o seu âmbito — «será apenas» uma oportunidade para apresentar «um relatório objectivo da sua visita à região em Junho passado» – acrescentando que «Marrocos teria preferido que esta terceira apresentação do representante pessoal tivesse ocorrido numa fase posterior».
Hilale destaca ainda na sua carta que Köhler «realizou livremente, nos lugares de sua escolha, reuniões com todos os interlocutores que queria encontrar. No final da sua visita, o Enviado Pessoal expressou, antes da sua partida de El Aaiún, satisfação com a sua primeira visita ao Sahara».
E termina a carta aos membros do Conselho de Segurança, afirmando: «Finalmente, o Reino de Marrocos conta com a sua compreensão e o seu apoio para assegurar que estas consultas de 8 de Agosto não conduzam a nenhum resultado».
A “compreensão” e o “apoio”, porém, expressaram-se de forma diferente do esperado pelo embaixador de Marrocos. «A sua abordagem e proposta para ver se pode reunir as partes antes do final do ano conta com muito apoio no Conselho de Segurança», afirmou o vice-embaixador do Reino Unido na ONU, Jonathan Allen, após a reunião. Allen, cujo país ocupava a presidência do Conselho de Segurança em Agosto, disse aos jornalistas que Köhler em breve realizará consultas com «todas as partes envolvidas» sobre a organização da reunião. Segundo outra fonte diplomática citada pela agência EFE, o ex-presidente alemão pretende enviar em Setembro os convites para a reunião, que deverá ocorrer antes do fim do ano, provavelmente nos fins de Outubro ou princípios de Novembro. Recorde-se que as negociações directas entre as partes estão bloqueadas desde Março de 2012, quando a Frente POLISARIO e Marrocos se sentaram à mesa das negociações em Manhasset, nos Estados Unidos.
No próprio dia 8, ao final do dia, a Frente POLISARIO divulgou um comunicado onde «reitera o seu compromisso de cooperar plenamente com o Enviado Especial no âmbito do Processo Político das Nações Unidas e está disposta a participar no processo de negociação convocado pelo Conselho de Segurança».
«A Frente POLISARIO sente-se encorajada pelos esforços do Enviado Especial, desde que assumiu o seu cargo, e insta as Nações Unidas e, em particular, os membros do Conselho de Segurança a cumprirem a sua responsabilidade de acordo com os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas, respeitando plenamente o direito inalienável do povo saharauí à autodeterminação e à independência».
Dias depois, o chefe da Comissão de Relações Externas da Frente POLISARIO e coordenador para a MINURSO, Mohamed Khaddad, esclareceu que o Enviado Pessoal da ONU tinha feito chegar às partes do conflito, a Frente POLISARIO e o Reino de Marrocos, bem como às partes observadoras – Argélia e Mauritânia — um convite para participar numa ronda de negociações que começará em Outubro próximo.
O diplomata saharauí explicou que «é verdade que há uma nova dinâmica no processo, um interesse crescente desde Abril passado com a linha seguida pelo Conselho de Segurança, que reduziu o período de extensão da MINURSO de um ano para seis meses, e tudo indica que isso será repetido. Em menos de dois meses, o Enviado Pessoal da ONU voltou ao Conselho de Segurança e fez outra exposição». Khaddad disse que «esta dinâmica não agrada a Marrocos, tem medo porque a sua aposta é manter o status quo no Conselho de Segurança, apoiado pela França, que não deixava que nada se mexesse sobre o assunto». Quanto ao apoio de outros países membros permanentes no Conselho de Segurança, observou que «a Rússia fez (...) uma boa declaração de apoio às negociações».
Analisando a nova dinâmica que o problema tem vindo a ganhar nos últimos tempos Carlos Ruiz Miguel, professor catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela, levanta a possibilidade de o conflito estar a aproximar-se do fim.
Situa simbolicamente em 21 de Dezembro de 2016 – data em que o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu «claramente que Marrocos não tem soberania sobre o Sahara Ocidental e não pode concluir tratados que incluam este território» – o início desta nova dinâmica. Outro factor que a veio reforçar foi a escolha, em Agosto de 2017, de «Horst Köhler, ex-presidente da Alemanha, (…) como o novo Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU para o Sahara Ocidental». Segundo Ruiz Miguel, Köhler trouxe com ele uma outra visão do conflito: «1) a ocupação marroquina do Sahara Ocidental teve em vista a exploração económica do território para fazer negócios, principalmente com a União Europeia; 2) Marrocos entrou (...) na União Africana em Janeiro de 2017, aceitando a Carta da UA que obriga a respeitar a soberania dos seus Estados-membros ... entre os quais a República Saharaui, (…) com isto envolvendo a UE e a UA na gestão do conflito do Sahara Ocidental».
Ainda outro factor impulsionador foi «a resolução 2414 do Conselho de Segurança, de 27 de Abril de 2018» que impôs a redução do mandato da MINURSO e «representou uma reviravolta na política seguida pelo Conselho desde 2008». E enquanto Marrocos escrevia cartas aos membros do Conselho de Segurança, Köhler encontrava-se «com John Bolton, o Conselheiro de Segurança Nacional do presidente Donald Trump», um homem que conhece bem o processo do Sahara Ocidental já que foi o braço direito de James Baker quando este exerceu o cargo que agora é desempenhado por Köhler.
Finalmente, a indiferença demonstrada pelo Conselho de Segurança às iniciativas intimidatórias de Rabat, culminando com as declarações de 15 de Agosto do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova que, numa nota para a imprensa divulgada pela Sputnik, escreveu: «Notamos com satisfação que o enviado do Secretário-geral da ONU, o ex-presidente alemão Sr. Köhler, está a promover o processo de paz relançando as negociações directas sem pré-condições entre os dois protagonistas com a participação dos vizinhos Argélia e Mauritânia como observadores».
A terminar Ruiz Miguel deixa várias perguntas em aberto:
  1. «Que posição assumirá a diplomacia do novo Presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez Pérez-Castejón?
  2. «A nova invasão de imigrantes permitida pelas autoridades marroquinas foi a tentativa de pressionar a Espanha a apoiar Marrocos neste novo cenário?
  3. «A França vai apoiar desta vez o Makhzen opondo-se aos EUA, Rússia ... e Alemanha (pátria de Köhler)?
  4. «Será que o Makhzen vai conseguir impedir a retomada das negociações directas entre Marrocos e a Frente POLISARIO para resolver de uma vez por todas o conflito no Sahara Ocidental?»
Veremos as respostas que os intervenientes nos darão no futuro próximo.

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