terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Boletim nº 68 - Dezembro 2018


GENEBRA: O DIÁLOGO É POSSÍVEL?

Vai realizar-se em Genebra a reunião que se propõe a difícil tarefa de relançar o processo negocial para o problema da descolonização do Sahara Ocidental. Aparentemente Marrocos mantém-se inflexível. Como Portugal há 50 anos e a Indonésia há 30.

ONU: agora sim?

 
Em 5 e 6 de Dezembro vão encontrar-se em Genebra (Suíça) delegações de Marrocos e da Frente POLISARIO numa iniciativa das Nações Unidas na procura de uma saída para um conflito que se arrasta desde 1975.
Na resolução adoptada pela ONU em Outubro o Secretário-geral António Guterres não conseguiu fazer passar a sua proposta de renovação do mandato da MINURSO por um ano, como era até recentemente a tradição, e como desejaria igualmente a França. Vingou a posição dos EUA, adoptada pela primeira vez em Abril de 2018, de um período de seis meses. A resolução foi aprovada com 12 votos a favor e 3 abstenções. O argumento então invocado – e agora repetido - era o de que assim se aumentaria a pressão sobre os intervenientes directos de modo a obrigá-los a sentar-se à mesa das negociações e a procurar uma saída de compromisso entre as partes.
E, na verdade, as Nações Unidas, pela mão de Horst Koëhler, conseguiu comprometer os intervenientes directos a estarem presentes no encontro em Genebra.
Em comunicado publicado no próprio dia da aprovação da resolução, «a Frente POLISARIO (...) toma nota do apelo do Conselho de Segurança às duas partes, Frente POLISARIO e Marrocos, para que retomem as negociações sob os auspícios do Secretário-geral sem condições prévias e de boa-fé com vista a alcançar um processo justo e duradouro e uma solução política aceitável por acordo mútuo, que permitirá a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental. (…). É essencial que o Conselho de Segurança defenda inequivocamente o estatuto jurídico do território e preserve a sua integridade territorial, conforme o tem solicitado a União Africana (…)».
E mais à frente: «A Frente POLISARIO lembra que os seus compromissos em relação ao cessar-fogo se baseiam nos acordos alcançados com a MINURSO, incluindo o Acordo Militar Nº. 1, de 1997, que vincula ambas as partes no âmbito da implementação do cessar-fogo de 1991. Portanto, é essencial que o Conselho de Segurança garanta a total adesão e respeito pelos termos do cessar-fogo e do Acordo Militar Nº. 1, que são partes integrantes do Plano de Resolução da ONU e, por isso, os pilares que sustentam todo o processo de paz da ONU no Sahara Ocidental».
A concluir: «O Conselho de Segurança também deve assegurar que a MINURSO funcione de acordo com as regras básicas e princípios gerais aplicáveis às operações de manutenção da paz da ONU e que a Missão tenha um mandato para monitorizar a situação dos direitos humanos nos territórios ocupados do Sahara Ocidental, onde os abusos bem documentados dos direitos humanos são constantes. É urgente que o Conselho de Segurança exija que Marrocos se abstenha de todas as suas acções desestabilizadoras nos territórios ocupados do Sahara Ocidental e que cesse o saque dos recursos naturais do território do Sahara Ocidental».
Com esta reunião na Suíça, a ONU procura também envolver mais os países vizinhos – Argélia e Mauritânia – o que é uma concessão parcial a Marrocos que sempre procurou mostrar que a questão do Sahara Ocidental não tem nada a ver com a descolonização mas é um problema bilateral entre ela e o seu vizinho argelino.
Foi com este tema, aliás, que o rei Mohamed VI abriu o seu tradicional “discurso à nação” a propósito da passagem de mais um aniversário da chamada “marcha verde”, em 6 de Novembro. O primeiro terço da sua intervenção pretende ser uma piscadela de olho aos governantes da Argélia. Começando por afirmar que a política externa marroquina assenta «em princípios de clareza e de ambição», centra-se depois «sobre o estado de divisão e discórdia que ocorre actualmente no espaço magrebino. Inscreve-se numa oposição flagrante e sem sentido ao que une os nossos povos: laços de fraternidade, uma identidade religiosa, de língua e de história, um destino comum».
«Anteriormente, o apoio dado pelo Reino à Revolução argelina ajudou a fortalecer as relações entre o trono marroquino e a resistência argelina. Foi igualmente um elemento fundador da consciência e da acção política magrebina comum».
«Durante longos anos e até ao restabelecimento da independência, lado a lado, levantámo-nos contra o colonizador num combate comum; e conhecemo-nos bem. Aliás, são numerosas as famílias marroquinas e argelinas que partilham laços de sangue e de parentesco.
«Sabemos, também, que o interesse dos nossos povos reside na sua unidade, na sua complementaridade, na sua integração; sem qualquer necessidade que uma terceira parte desempenhe entre nós o papel de intercessor ou de mediador».
A seguir, o estender de mão: «É pois, com toda a clareza e responsabilidade, que declaro hoje a disposição de Marrocos para um diálogo directo e franco com a irmã Argélia, a fim de que sejam ultrapassados os diferendos conjunturais e objectivos que entravam o desenvolvimento das nossas relações.
«Para este efeito proponho aos nossos irmãos na Argélia a criação de um mecanismo político conjunto de diálogo e de concertação. O nível de representação no seio desta estrutura, o seu formato, a sua natureza serão mutuamente acordados.
«Marrocos está aberto a eventuais propostas e iniciativas emanando da Argélia para erradicar o bloqueio no qual se encontram as relações entre os dois países irmãos vizinhos.
«Em virtude do seu mandato, este mecanismo deverá empenhar-se em examinar todas as questões bilaterais, com franqueza, objectividade, sinceridade e boa-fé, sem condições nem excepções, segundo uma agenda aberta.»
E a concluir este ponto: «Movidos pelo afecto e estima que temos pela Argélia, pela sua direcção e pelo seu povo, não pouparemos esforços para firmar as nossas relações bilaterais em sólidas bases de confiança, de solidariedade e de boa vizinhança (…).»
O resto do discurso é um longo e fastidioso enaltecimento da colonização marroquina do Sahara Ocidental. Com um ponto interessante: «a implementação operacional da regionalização avançada contribui para o surgimento de uma verdadeira elite política, que garante uma representação democrática eficaz dos habitantes do Sahara e que, num clima de liberdade e estabilidade, os coloca em condições de exercer o seu direito a uma gestão autónoma dos assuntos locais e a um desenvolvimento integrado da região.»
A Frente POLISARIO aproveitou a oportunidade dada pelo rei para chamar, mais uma vez, a atenção para o seu carácter afunilado, um obstáculo à procura de uma solução «realista» para o conflito. Num comunicado tornado público no dia seguinte ao do discurso, afirma: «Não existem princípios ou referências para a resolução do conflito no Sahara Ocidental que não sejam os definidos na Carta e nas resoluções das Nações Unidas e da União Africana (UA), como um problema de descolonização, caso contrário, é (...) um obstáculo aos esforços da ONU para resolver o conflito».
E volta a afirmar que, condenando estas práticas de dominação, está preparada no entanto para implementar a decisão da UA e trabalhar com o Reino de Marrocos para resolver a disputa como dois membros da organização continental.
Abdelkader Taleb Omar, embaixador da República Árabe Saharauí Democrática na Argélia, ao participar num fórum organizado pelo diário argelino El-Chaab apontou para as contradições do discurso de 6 de Novembro, nomeadamente quando declara o apoio aos esforços do Secretário-geral da ONU e do seu emissário pessoal Horst Köhler e fixa, em contrapartida, condições prévias à resolução do conflito como o limitar a discussão à proposta marroquina de “autonomia”. «As negociações significam a procura de soluções conformes às referências reconhecidas pelo direito internacional», disse.
Citou outra contradição: a afirmação do empenhamento de Marrocos na UA e a recusa em permitir a visita de uma delegação desta estrutura continental à capital do Sahara Ocidental no âmbito da cooperação com a MINURSO.
O embaixador valorizou as posições dos E.U.A. no Conselho de Segurança, «pois contrariamente a Washington, que quer dar às missões da ONU alguma credibilidade, a França procura manter o status quo para servir os interesses de Marrocos». «Todos os que tentam entravar uma solução rápida e duradoura para o conflito não fazem mais do que glorificar a colonização e promover a guerra», acrescentou.
Em fins de Novembro o Bureau Permanente do Secretariado Nacional da Frente POLISARIO anunciou a composição da delegação negociadora que participará no encontro de Genebra. A delegação será presidida pelo presidente do Parlamento saharauí, Jatri Adduh, e integrará o presidente da Comissão de Relações Internacionais da Frente POLISARIO, Mhamed Khaddad; a Secretária-geral da União Nacional das Mulheres Saharauís, Fatma Mehdi; o representante da Frente POLISARIO em Nova Iorque, Sidi Mohamed Omar e o conselheiro do Secretariado Geral da Frente POLISARIO, Mohamed Ali Zerwal.
O Bureau renovou o compromisso da parte saharauí e a sua disposição de participar num processo de negociações de boa-fé e sem condições prévias. Expressou a esperança de que os esforços da comunidade internacional tenham êxito em permitir ao povo saharauí exercer o seu direito inalienável à livre determinação e independência.
 

LOBBY MARROQUINO CONDICIONA LEGALIDADE EUROPEIA

A batalha jurídica em torno da extensão ao Sahara Ocidental dos acordos UE-Marrocos tem vindo a agudizar-se, com a descoberta de compromissos de eurodeputados com os lobbies marroquinos.

MEP Patricia Lalonde

 
Entre 19 e 20 de Outubro decorreu em Gonfreville l’Orcher (Normandia/França) uma conferência internacional abordando a soberania sobre os recursos naturais e a aplicação do direito internacional ao caso do Sahara Ocidental.
Os acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em 21 de Dezembro de 2016 e 27 de Fevereiro de 2018 vieram mudar as relações de parceria entre Marrocos e a União Europeia (UE). Tanto no que toca à liberalização das trocas comerciais como à renovação do acordo de pescas, ao decidir que o Sahara Ocidental não faz parte do Reino de Marrocos e que o território do Sahara Ocidental deve ser considerado como “uma parte terceira” e que a sua população deve poder dar o seu consentimento a todo o acordo com a UE.
A conferência reuniu um largo espectro de especialistas, académicos e responsáveis associativos que durante dois dias abordaram as manobras das instituições europeias, Comissão e Conselho, para contornar o conteúdo destes acórdãos a fim de preservar as relações com Marrocos e não prejudicar os seus interesses nem os dos 27 Estados membros da UE.
Os conferencistas chamaram a atenção para o facto de os elementos da Comissão encarregues do assunto se empenharem em contestar a representatividade da Frente POLISARIO e as decisões do TJUE, ao mesmo tempo que procuram o apoio de associações jurídicas marroquinas.
Entre as acções previstas pelos participantes está o acompanhar dos trabalhos do intergrupo do Parlamento Europeu (PE) «Paz no Sahara Ocidental», a fim de contribuir para que no momento do voto pela renovação dos acordos UE-Marrocos, em Janeiro de 2019, se adoptem as decisões respeitadoras da legalidade europeia e do direito internacional.
Em 5 de Novembro passado a eurodeputada francesa Patricia Lalonde do grupo liberal apresentou na Comissão de Comércio Internacional do PE (INTA) o seu relatório sobre a extensão do acordo comercial aos territórios do Sahara Ocidental ocupados por Marrocos. Justificou a extensão pelos benefícios que traria às «populações locais» e pelo desenvolvimento do território que assim seria promovido. Reivindicou ter testemunhado em primeira mão esse desenvolvimento. Mas nunca se referiu ao querer da população do território.
O Western Sahara Resource Watch (WSRW) chama a atenção para o facto das preferências comerciais concedidas a Marrocos só se aplicarem à parte do Sahara Ocidental que é ocupada por Marrocos e não à parte sob controlo da Frente POLISARIO, a leste da barreira militar. A deputada Lalonde não abordou esta questão nem as implicações deste redesenhar de fronteiras e como ele se coaduna com o dever da UE de respeitar a integridade territorial do Sahara Ocidental. No debate que se seguiu à apresentação do relatório dois pontos foram objecto de crítica: o povo do Sahara Ocidental não tinha dado o seu consentimento ao proposto acordo comercial para o seu território e não estavam previstos mecanismos que permitissem clarificar a verdadeira origem dos produtos exportados do território. Alguns eurodeputados questionaram directamente a relatora. «O TJUE pediu o consentimento do povo do Sahara Ocidental. Então, o que disse a Frente POLISARIO?» «A MEP Lalonde diz que está em contacto com o enviado da ONU para o Sahara Ocidental. O que diz ele? Esta proposta alimentará o conflito ou ajudará a resolvê-lo?». Uma das três eurodeputadas que fez parte do grupo que se deslocou ao território, mas ficou com uma opinião diferente da de Patricia Lalonde, comentou: «Penso que muito poucos de nós considerariam normal estabelecer um acordo comercial com a Rússia para a Crimeia».
Já a representante da Comissão, Sabine Henzler, disse que não é por a ONU considerar a Frente POLISARIO como o representante político do povo do Sahara Ocidental que a POLISARIO pode ser considerada o representante em assuntos de comércio, considerando que a Comissão fez «tudo o que é possível e viável» para ter o consentimento do povo através de um exercício de consulta.
A 23 de Novembro veio a saber-se que a relatora Patricia Lalonde é um dos membros do Conselho de Administração (CA) da Fundação EuroMedA, que se apresenta como uma fundação internacional de utilidade pública, sediada em Bruxelas nos escritórios do gabinete de lobby Hill + Knowlton Strategies e cujo principal cliente é o Estado marroquino. O seu vice-presidente é Salaheddine Mezouar, antigo MNE de Marrocos. Do CA fazem igualmente parte outros ministros e altos funcionários do Ministério da Agricultura de Marrocos, assim como os eurodeputados Frédérique Ries, belga (ALDE), e a romena Ramona Manescu (PPE).
«O papel da eurodeputada Lalonde enquanto membro do conselho de administração desta fundação levanta sérias dúvidas quanto à legitimidade das suas funções de relatora parlamentar sobre o acordo comercial proposto para o Sahara Ocidental ocupado. As suas afirmações só podem ser entendidas como tendenciosas» comentou o WSRW.
No âmbito desta batalha pelo direito internacional o Presidente do Parlamento saharauí, Jatri Adduh, deslocou-se a Estrasburgo com o objectivo de reiterar a posição da Frente POLISARIO contra os intentos do PE de eludir as sentenças do TJUE. A delegação era composta também pelo ministro delegado da POLISARIO junto da UE, Mohamed Sidati, e os deputados Salek Elmehdi e Chaba Seini. A delegação manteve encontros e consultas com os legisladores europeus durante as sessões do Parlamento Europeu.
Jatri Adduh afirmou que a Frente POLISARIO continuará a sua batalha legal nos tribunais contra quem ousar explorar as riquezas naturais saharauís e, se os Governos europeus renovarem os acordos comerciais agrícola e de pesca com Marrocos, recorrerá de novo ao TJUE.
No âmbito desta batalha jurídica contra o saque dos recursos naturais do Sahara Ocidental promovido pelo regime colonial marroquino, a Frente POLISARIO entregou, em 31 de Outubro, uma intimação à Companhia Francesa de Seguros para o Comércio Externo (COFACE) para que cessasse todas as suas actividades no território, submetendo-se aos acórdãos do TJUE.
M'hamed Khaddad, presidente da Comissão de Relações Internacionais da Frente POLISARIO, informou que seis outros grupos franceses exercendo ilegalmente as suas actividades no Sahara Ocidental foram objecto de acções idênticas. São eles: o BNP Paribas, a Société Générale, o Crédit Agricole, a Axa Assurances, a Transavia e o grupo UCPA. As queixas apresentadas baseiam-se no «crime de colonização» previsto pelo artigo 461-26 do Código Penal francês.

sábado, 10 de novembro de 2018

Boletim nº 67 - Novembro 2018


ONU: PROCESSO NEGOCIAL EM MARCHA

As Nações Unidas marcaram negociações directas entre Marrocos e a Frente POLISARIO para 5 e 6 de Dezembro próximo, em Genebra, para discutir o processo de autodeterminação do Sahara Ocidental.

A Argélia e a Mauritânia também foram convidadas e aceitaram participar, embora não seja ainda clara qual a modalidade da sua participação. Nem da reunião. Marrocos procura desvalorizar a sua natureza. Segundo a edição francófona de Voice of America, citando uma fonte anónima, «não se trataria de “uma reunião de negociações” mas antes de “uma mesa redonda”».
Já António Guterres classificou-a simplesmente de «discussões preliminares» no relatório que entregou ao Conselho de Segurança no passado dia 3 de Outubro.
Na reunião de trabalho que Horst Köhler teve com o Conselho em Agosto passado explicou que estas primeiras conversações tinham por objectivo discutir o quadro geral que vai servir de base às negociações seguintes que deverão abordar as questões de fundo.
Outra questão com que o Conselho de Segurança se confronta são as recomendações do Secretário-geral sobre o funcionamento da MINURSO visando torná-la mais eficaz. António Guterres tinha encomendado uma auditoria independente às actividades da Missão após a renovação do mandato em Abril último. A análise consta do já referido relatório do Secretário-geral e põe em destaque o papel por ela desempenhado na prevenção de conflitos no Sahel. Diz que um regresso às hostilidades em caso de não renovação do mandato custaria muito mais caro às Nações Unidos do que os 53 milhões de dólares anuais que hoje gasta para financiar as actividades da MINURSO. A auditoria salienta igualmente a necessidade de modernizar a Missão dotando-a de meios tecnológicos mais capazes para melhor assegurar o cessar-fogo.
Esta informação deu suporte ao SG da ONU para propor ao Conselho de Segurança o regresso aos mandatos anuais: «Recomendo ao Conselho estender o mandato do MINURSO por um ano, até 31 de Outubro de 2019, a fim de conceder ao meu enviado pessoal espaço e tempo para criar as condições necessárias para o avanço do processo político». «O papel da MINURSO foi fundamental para permitir ao meu enviado pessoal, graças aos intensos esforços feitos nos últimos seis meses, fazer progressos significativos na busca de uma solução política para a questão do Sahara Ocidental», escreveu o SG da ONU para justificar o seu pedido. António Guterres argumentou que «manter condições pacíficas e estáveis é essencial para promover uma retomada do processo político» e que «a MINURSO continua a ser um elemento-chave das Nações Unidas para obter uma solução política justa, sustentável e mutuamente aceitável». Alguns observadores, porém, alertaram para o facto de ser pouco provável que os E.U.A. dessem o seu acordo a esta alteração da duração do mandato já que foram eles que se bateram pelo encurtamento para seis meses. O que veio a acontecer.
Neste quadro de relançamento do processo negocial o representante da Frente POLISARIO nas Nações Unidas, Sidi Mohamed Omar, reuniu-se com Sacha Llorenti Soliz, representante permanente da Bolívia junto das Nações Unidas e actual presidente do Conselho de Segurança. O encontro, que teve lugar na sede do Conselho de Segurança, faz parte das várias reuniões que Sidi M. Omar está actualmente a realizar com os membros do Conselho na sequência da apresentação do relatório do Secretário-geral.
No princípio do mês de Outubro o Conselho de Segurança teve uma reunião à porta fechada com os representantes dos países que disponibilizam contingentes militares e funcionários policiais para a Missão da ONU no Sahara Ocidental e para a qual convidou Colin Stewart, chefe desta Missão, que apresentou uma exposição e a debateu com os presentes.
Recorde-se que o último ciclo de negociações directas entre Marrocos e a Frente POLISARIO sobre o problema do Sahara Ocidental remonta a Março de 2012, data a partir da qual Rabat bloqueou a continuação do processo de descolonização.
 

O SAHARA OCIDENTAL EM PORTUGAL

A questão saharauí conheceu neste final de Outubro um conjunto de iniciativas em Portugal que nos vieram lembrar que o país tem um desafio colonial às suas portas, na sua margem sul.

Entre 18 e 28 de Outubro decorreu em Lisboa a 16ª edição do Festival Internacional de Cinema, o doclis’18, onde uma das sessões da secção “Cinema de Urgência” foi dedicada à Equipe Média.
Na sessão foi exibido o filme de 2017 3 Stolen Cameras – que foi censurado no Festival Internacional do Filme de Beirute naquele ano e é inspirado no documentário 5 Stolen Cameras sobre a luta de libertação palestiniana - e mais três documentários que focavam a repressão policial. No fim houve um debate animado pela presença de um elemento deste grupo, Sabbar Bani.
A Equipe Média foi constituída em Junho de 2009 em El Aaiún, capital do Sahara Ocidental, por um grupo de jornalistas saharauís conscientes «do papel determinante dos media na cobertura informativa dos acontecimentos que se desenrolam nos territórios ocupados e da parcialidade dos media marroquinos dependentes das autoridades de ocupação, e tendo em consideração a importância e a necessidade de um ponto de encontro e de concertação dos jornalistas para a difusão de uma informação independente.»
«A Equipe Média não quer ser ‘mais uma’ organização na paisagem mediática mas propõe-se defender a qualidade e o rigor informativo.» Formada por elementos (homens e mulheres) dos quais 4 estão neste momento em Espanha devido às perseguições das forças de segurança marroquinas, contribuíram para «a cobertura mediática do maior protesto popular saharauí nos territórios ocupados, o acampamento de Gdeim Izik», em Outubro de 2010. Cita o caso de 16 elementos do grupo, todos na casa dos 20 anos, como exemplos marcantes das violações dos direitos humanos. Entre eles está Hassana Alya que, por estar em Espanha quando a polícia o foi prender, foi julgado à revelia e condenado a prisão perpétua. E afirmam querer «melhorar a todos os níveis: gama dos tópicos abordados, amplitude da informação, qualidade da pesquisa, redacção das notícias ou dos relatórios.»
Mas a presença da causa saharauí em Portugal não se limitou no final deste mês de Outubro ao doclisboa.

Como nos contou o deputado José Manuel Pureza, «No dia em que o Presidente da Câmara dos Representantes de Marrocos visitou a Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda expressou a sua solidariedade com o povo do Sahara Ocidental e a sua luta pela autodeterminação. Este gesto simbólico pretendeu dar visibilidade a esta luta e associar a sua voz à exigência do fim da ocupação e do cumprimento do Direito Internacional naquele território.»
Também o Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP) teve uma iniciativa inovadora ao subscrever um protocolo de colaboração académica com a Universidade de Tifariti, nos territórios libertados do Sahara Ocidental, com o objectivo de desenvolver projectos entre as duas instituições.
O reitor da Universidade de Tifariti, Prof. Jatari Anda-la Ahmed Salem, havia participado na 1ª Conferência CEAUP “Sistemas Educativos na África Ocidental” onde expôs a situação vivida pelo povo saharauí. A Universidade é um projecto único no mundo, já que se encontra nos campos de refugiados em pleno deserto.
A conferência e o estabelecimento do protocolo deram a oportunidade de docentes e estudantes da Universidade do Porto conhecerem a realidade vivida pela população saharauí e o empenho do respectivo governo no apoio e desenvolvimento de um ensino de qualidade. Os campos de refugiados existem desde 1975 quando ocorreu a invasão militar de Marrocos do território do Sahara Ocidental e são a única zona de África com uma taxa de alfabetização que supera os 90% e com uma escolaridade obrigatória desde os 3 anos de idade.
O Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, actualmente presidido pela Professora La Salete Coelho, é uma organização de investigação e cooperação multidisciplinar formada em Novembro de 1997. Reúne investigadores, docentes e estudantes de instituições nacionais e estrangeiras.
Segundo Miguel Silva, da direcção do CEAUP, este protocolo não é simplesmente um acto simbólico, mas o início de uma cooperação efectiva visando a instalação de um centro de estudos sociais na Universidade de Tifariti que contribua para a formação de competências nestas áreas entre os estudantes daquela universidade saharauí. Uma delegação do CEAUP, encabeçada pelo Prof. José Maciel, visitou os campos de refugiados no início deste ano.
O Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto junta-se assim a várias universidades de Espanha, EUA, Cuba, Venezuela, Polónia, Alemanha, Áustria, Argentina e Argélia com quem a Universidade saharauí já tem programas de colaboração.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Boletim nº 66 - Outubro 2018


MARCELO REBELO DE SOUSA EM NOVA IORQUE

A 73ª sessão da Assembleia Geral da ONU, que decorreu sob o lema Making the United Nations Relevant for All People: Global Leadership and Shared Responsibility for Peaceful, Equitable and Sustainable Societies, concluiu os seus trabalhos no passado dia 1 de Outubro. A questão do Sahara Ocidental foi um ausente presente.

Portugal foi representado pelo Presidente da República. «Na sua intervenção – relatou a imprensa - Marcelo Rebelo de Sousa reiterou o apoio de Portugal à acção e às prioridades do Secretário-geral desta organização, António Guterres, "no seu lúcido, dinâmico e excepcional mandato"».
Para o Presidente da República, existem «duas visões diferentes sobre a realidade universal: uma de curto prazo, é unilateralista ou minilateralista, proteccionista, virada para um discurso interno eleitoralista (...)». Esta visão «está, sobretudo, atenta à prevenção dos conflitos e à manutenção da paz onde e quando, pontualmente, lhe interessa, e interessa, sobretudo, em termos de poder económico mais do que político». Opõe-se à de Portugal, que olha «para o direito internacional, a Carta [das Nações Unidas] e os direitos humanos como valores e princípios e não como meios ou conveniências. (...). Visões de curto prazo, por muito apelativas que pareçam ser, constituem um fogo-fátuo, que não dura, não durará, não resolverá os verdadeiros problemas do mundo».
E para dar verdade à sua intervenção, para a despir de pretensas leituras académicas, o PR enumerou uma extensa lista de conflitos residentes em África e no Médio Oriente. Não referiu, porém, aquele que mais sentido dava ao seu discurso, que mais apoio o Secretário-geral da ONU necessita para levar “a bom porto”. O do Sahara Ocidental.
Quando Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse como Presidente um conjunto de personalidades escreveu-lhe uma carta aberta lembrando-lhe a urgência da resolução do conflito. «Tem esta missiva como objectivo chamar a atenção de V. Exa. para o momento ímpar que atravessa a questão do Sahara Ocidental, visitado há poucos dias pelo Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, que reiterou o seu empenho na “criação de um ambiente propício ao reatamento das conversações entre Marrocos e a Frente POLISARIO” e na “necessidade de encontrar uma solução que permita ao povo saharauí exercer o seu direito à autodeterminação”».
Que papel poderia – e deveria – desempenhar a diplomacia portuguesa neste problema já longo de quatro décadas?
«Portugal está numa posição privilegiada para contribuir para este desfecho, respeitador do Direito Internacional e ambicionado pela Comunidade Internacional desde que em 1991 foi firmado o Acordo entre Marrocos e a Frente POLISARIO, no qual ambas as partes aceitaram as bases para a celebração do mencionado referendo:
  • Foi Potência Administrante e desempenhou um papel fulcral no processo que conduziu à independência de Timor-Leste, podendo hoje testemunhar como tal situação tem beneficiado o contexto regional e as relações entre Díli e Jacarta.
  • Mantém um relacionamento excepcional com o Estado Espanhol, que deveria reassumir o seu estatuto e responsabilidades de Potência Administrante do Sahara Ocidental, colaborando directa e activamente com as Nações Unidas.
  • E é amigo de longa data do Reino de Marrocos, que ganharia paz e estabilidade, e pouparia muitíssimos recursos, aceitando como país vizinho a República Árabe Saharauí Democrática.»
E a concluir a carta: «Confiamos, Senhor Presidente, no seu alto sentido de Estado e de respeito pelo Direito Internacional, assim como no seu desejo e possibilidade real de contribuir para o fim do conflito e para o início de uma nova era de paz, entendimento e cooperação, política e económica, entre antigos beligerantes».
Seis meses depois os signatários receberam uma simpática missiva de um assessor do PR onde lhes era lembrado que «Atendendo ao teor da comunicação, levo ao conhecimento de V.Exa de que as competências do Presidente da República, em matéria de relações internacionais, estão previstas no artigo 135º da Constituição da República Portuguesa, sendo ao Governo que cabe delinear e conduzir a política externa portuguesa. Neste contexto, mais informo que foi enviada cópia da carta de V.Exa ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, que é a entidade pública com competência na matéria abordada por V.Exa.» E nós, ingratos, não agradecemos esta lição de direito constitucional que nos foi graciosamente oferecida!
Fazemos nossas as palavras do PR na 73ª sessão da Assembleia Geral da ONU: a questão do Sahara Ocidental é «Para nós, uma questão estrutural, em que não mudamos com modas e protagonistas de curto prazo».

PROCESSO NEGOCIAL: ONU PROPÕE ENCONTRO EM DEZEMBRO

Köehler propôs a Marrocos e à Frente POLISARIO um encontro em Genebra nos princípios de Dezembro e para o qual também foram convidados a Mauritânia e a Argélia.

No final de Setembro um despacho da France Press noticiava que Köehler tinha enviado convites a Marrocos e à Frente POLISARIO, assim como à Mauritânia e à Argélia, para um encontro a realizar em Genebra em 4 e 5 de Dezembro próximo. Segundo a agência noticiosa, citando fontes diplomáticas, Köehler teria solicitado uma resposta até ao dia 20 de Outubro.
Enquanto a parte saharauí tem sempre afirmado a sua disponibilidade para se encontrar, sem condições prévias, com o ocupante do seu território, Marrocos tem procurado semear de obstáculos o caminho do diálogo.
Neste mesmo mês de Setembro a MINURSO concluiu o seu primeiro mandato de seis meses, preparando-se agora o Conselho de Segurança para decidir este mês a renovação do mandato. Visando armar o Conselho para esta decisão, o seu chefe, o canadiano Colin Stewart, terá entregue o seu relatório com o balanço de actividades da Missão.
Conforme refere o jornalista Jesús Cabaleiro Larrán, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, em 30 de Junho passado, o orçamento operacional da MINURSO para o ano de 2018-19, no valor de 52,3 milhões de dólares (45,1 milhões de euros). E cita um relatório da Fundação Heritage, um centro de estudos com sede em Washington (E.U.A.), segundo a qual a MINURSO, criada em 1991, custou até hoje às Nações Unidas a quantia de 1.255.915.013 dólares (1.083,5 milhões de euros). Com a agravante de não incluir no seu desempenho a monitorização dos direitos humanos no território, sendo a única das missões da ONU com esta limitação.
Lárran lembra-nos também que Colin Stewart foi acusado por Rabat de “falta de neutralidade” por, aquando do falecimento do representante da Frente POLISARIO nas Nações Unidas, se ter deslocado ao território libertado e ter deixado no livro de condolências a mensagem: «Pela morte do meu colega Embaixador Ahmed Boukhari, apresento em meu nome e em nome das Nações Unidas e do Secretário-geral, António Guterres, as nossas mais profundas condolências à família, amigos e colegas do falecido», levando o MNE marroquino Nasser Bourita a chamá-lo para lhe apresentar um protesto formal. Mas Lárran conta-nos que esta atitude esteve conforme com a seguida por António Guterres que enviou a seguinte mensagem: «Boukhari foi um representante entusiasta, respeitador e de princípios que trabalhou incansavelmente por uma solução pacífica para o conflito no Sahara Ocidental e deu um contributo significativo com os seus esforços diplomáticos em Nova Iorque. O seu desaparecimento é uma grande perda para a Frente POLISARIO e para a população do Sahara Ocidental».
Stewart é um diplomata com uma longa experiência, tendo tido a oportunidade de acompanhar o processo de autodeterminação de Timor-Leste.
Entretanto a Chanceler Angela Merkel visitou a Argélia e numa conferência de imprensa com o Primeiro-ministro argelino, Ahmed Ouyahia, enalteceu os esforços de Horst Köehler, Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU e ex-presidente da Alemanha, para a resolução do problema do Sahara Ocidental, considerando-os muito positivos. A questão constava do programa de discussões de Merkel com o governo de Argel a realizar durante a visita, juntamente com a situação na Líbia, no Mali e no Sahel, assim como a crise no Médio Oriente.
 

sábado, 15 de setembro de 2018

Boletim nº 65 - Setembro 2018

ONU RELANÇA PROCESSO NEGOCIAL

Contrariando as expectativas de Rabat, a proposta de Horst Köhler de realizar uma nova ronda negocial entre Marrocos e a Frente POLISARIO antes do final do ano foi bem acolhida pelo Conselho de Segurança da ONU.


Relançar o processo negocial

No dia 8 de Agosto decorreu uma reunião no Conselho de Segurança das Nações Unidas onde o Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU para a questão do Sahara Ocidental, Horst Köhler, apresentou o relatório da sua visita à região — não só Marrocos e Sahara Ocidental, mas também Argélia e Mauritânia — assim como os esforços que está a desenvolver para conseguir sentar à mesa de negociações, até ao final do ano, as partes em conflito.
Na continuação da sua linha política de preservar a sua colonização do Sahara, Rabat tentou obstaculizar o encontro de Köhler com o Conselho de Segurança. Dois dias antes da reunião o seu embaixador junto das Nações Unidas, Omar Hilale, escreveu uma carta aos quinze membros do Conselho onde desvalorizava o seu âmbito — «será apenas» uma oportunidade para apresentar «um relatório objectivo da sua visita à região em Junho passado» – acrescentando que «Marrocos teria preferido que esta terceira apresentação do representante pessoal tivesse ocorrido numa fase posterior».
Hilale destaca ainda na sua carta que Köhler «realizou livremente, nos lugares de sua escolha, reuniões com todos os interlocutores que queria encontrar. No final da sua visita, o Enviado Pessoal expressou, antes da sua partida de El Aaiún, satisfação com a sua primeira visita ao Sahara».
E termina a carta aos membros do Conselho de Segurança, afirmando: «Finalmente, o Reino de Marrocos conta com a sua compreensão e o seu apoio para assegurar que estas consultas de 8 de Agosto não conduzam a nenhum resultado».
A “compreensão” e o “apoio”, porém, expressaram-se de forma diferente do esperado pelo embaixador de Marrocos. «A sua abordagem e proposta para ver se pode reunir as partes antes do final do ano conta com muito apoio no Conselho de Segurança», afirmou o vice-embaixador do Reino Unido na ONU, Jonathan Allen, após a reunião. Allen, cujo país ocupava a presidência do Conselho de Segurança em Agosto, disse aos jornalistas que Köhler em breve realizará consultas com «todas as partes envolvidas» sobre a organização da reunião. Segundo outra fonte diplomática citada pela agência EFE, o ex-presidente alemão pretende enviar em Setembro os convites para a reunião, que deverá ocorrer antes do fim do ano, provavelmente nos fins de Outubro ou princípios de Novembro. Recorde-se que as negociações directas entre as partes estão bloqueadas desde Março de 2012, quando a Frente POLISARIO e Marrocos se sentaram à mesa das negociações em Manhasset, nos Estados Unidos.
No próprio dia 8, ao final do dia, a Frente POLISARIO divulgou um comunicado onde «reitera o seu compromisso de cooperar plenamente com o Enviado Especial no âmbito do Processo Político das Nações Unidas e está disposta a participar no processo de negociação convocado pelo Conselho de Segurança».
«A Frente POLISARIO sente-se encorajada pelos esforços do Enviado Especial, desde que assumiu o seu cargo, e insta as Nações Unidas e, em particular, os membros do Conselho de Segurança a cumprirem a sua responsabilidade de acordo com os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas, respeitando plenamente o direito inalienável do povo saharauí à autodeterminação e à independência».
Dias depois, o chefe da Comissão de Relações Externas da Frente POLISARIO e coordenador para a MINURSO, Mohamed Khaddad, esclareceu que o Enviado Pessoal da ONU tinha feito chegar às partes do conflito, a Frente POLISARIO e o Reino de Marrocos, bem como às partes observadoras – Argélia e Mauritânia — um convite para participar numa ronda de negociações que começará em Outubro próximo.
O diplomata saharauí explicou que «é verdade que há uma nova dinâmica no processo, um interesse crescente desde Abril passado com a linha seguida pelo Conselho de Segurança, que reduziu o período de extensão da MINURSO de um ano para seis meses, e tudo indica que isso será repetido. Em menos de dois meses, o Enviado Pessoal da ONU voltou ao Conselho de Segurança e fez outra exposição». Khaddad disse que «esta dinâmica não agrada a Marrocos, tem medo porque a sua aposta é manter o status quo no Conselho de Segurança, apoiado pela França, que não deixava que nada se mexesse sobre o assunto». Quanto ao apoio de outros países membros permanentes no Conselho de Segurança, observou que «a Rússia fez (...) uma boa declaração de apoio às negociações».
Analisando a nova dinâmica que o problema tem vindo a ganhar nos últimos tempos Carlos Ruiz Miguel, professor catedrático de Direito Constitucional na Universidade de Santiago de Compostela, levanta a possibilidade de o conflito estar a aproximar-se do fim.
Situa simbolicamente em 21 de Dezembro de 2016 – data em que o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu «claramente que Marrocos não tem soberania sobre o Sahara Ocidental e não pode concluir tratados que incluam este território» – o início desta nova dinâmica. Outro factor que a veio reforçar foi a escolha, em Agosto de 2017, de «Horst Köhler, ex-presidente da Alemanha, (…) como o novo Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU para o Sahara Ocidental». Segundo Ruiz Miguel, Köhler trouxe com ele uma outra visão do conflito: «1) a ocupação marroquina do Sahara Ocidental teve em vista a exploração económica do território para fazer negócios, principalmente com a União Europeia; 2) Marrocos entrou (...) na União Africana em Janeiro de 2017, aceitando a Carta da UA que obriga a respeitar a soberania dos seus Estados-membros ... entre os quais a República Saharaui, (…) com isto envolvendo a UE e a UA na gestão do conflito do Sahara Ocidental».
Ainda outro factor impulsionador foi «a resolução 2414 do Conselho de Segurança, de 27 de Abril de 2018» que impôs a redução do mandato da MINURSO e «representou uma reviravolta na política seguida pelo Conselho desde 2008». E enquanto Marrocos escrevia cartas aos membros do Conselho de Segurança, Köhler encontrava-se «com John Bolton, o Conselheiro de Segurança Nacional do presidente Donald Trump», um homem que conhece bem o processo do Sahara Ocidental já que foi o braço direito de James Baker quando este exerceu o cargo que agora é desempenhado por Köhler.
Finalmente, a indiferença demonstrada pelo Conselho de Segurança às iniciativas intimidatórias de Rabat, culminando com as declarações de 15 de Agosto do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova que, numa nota para a imprensa divulgada pela Sputnik, escreveu: «Notamos com satisfação que o enviado do Secretário-geral da ONU, o ex-presidente alemão Sr. Köhler, está a promover o processo de paz relançando as negociações directas sem pré-condições entre os dois protagonistas com a participação dos vizinhos Argélia e Mauritânia como observadores».
A terminar Ruiz Miguel deixa várias perguntas em aberto:
  1. «Que posição assumirá a diplomacia do novo Presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez Pérez-Castejón?
  2. «A nova invasão de imigrantes permitida pelas autoridades marroquinas foi a tentativa de pressionar a Espanha a apoiar Marrocos neste novo cenário?
  3. «A França vai apoiar desta vez o Makhzen opondo-se aos EUA, Rússia ... e Alemanha (pátria de Köhler)?
  4. «Será que o Makhzen vai conseguir impedir a retomada das negociações directas entre Marrocos e a Frente POLISARIO para resolver de uma vez por todas o conflito no Sahara Ocidental?»
Veremos as respostas que os intervenientes nos darão no futuro próximo.

Boletim nº 64 - Agosto 2018

ACORDO UE-MARROCOS: «VIRAR AS COSTAS À JUSTIÇA»

A União Europeia (UE) e Marrocos chegaram a um novo entendimento sobre as pescas que insiste em ignorar as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), agora de uma forma claramente intencional.

Acordo veementemente condenado

A partir do momento em que o TJUE sentenciou a ilegalidade dos acordos de pesca com Marrocos que incluíssem as águas territoriais do Sahara Ocidental, as classes dirigentes da UE puseram-se em marcha para contornar essa dimensão ilegal do acordo. O Conselho Europeu tinha até ao dia 14 de Julho, data em que entraria em vigor um novo protocolo, para ultrapassar este obstáculo.
Marrocos e a UE haviam acordado desde o início do processo de negociação, em Abril deste ano, que o Sahara Ocidental fosse explicitamente referido no âmbito geográfico do Acordo e do novo Protocolo de aplicação.
Em edição anterior referimos algumas das diligências que os funcionários da UE desenvolveram, sabendo-se a desconfiança, os receios, de quem acompanha estes processos quanto ao seu resultado final. E sinais disso não nos faltaram. Em 13 de Julho três eurodeputados escreveram uma carta «com carácter de urgência» às mais altas instâncias da UE alertando para o facto de o navio Bente, com pavilhão holandês, estar a transportar para o porto alemão de Bremen produtos do Sahara Ocidental embarcados em El Aaiún. Os eurodeputados diziam-se «preocupados por esta evolução, pois ela vai implicar uma violação directa das recentes decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o acordo comercial UE-Marrocos de 21 de Dezembro de 2016 (C-104/16) e o acordo de pesca de 27 de Fevereiro de 2018 (C-266116), invalidados pela inclusão nessas convenções do território saharauí ocupado».
Em 20 de Julho a Comissão tornou pública a «Declaração conjunta da UE e do Reino de Marrocos sobre o fim das negociações para um novo acordo no sector da pesca», onde reafirma que «as duas partes concordaram assim sobre as disposições e melhorias introduzidas nestes textos, a fim de maximizar os benefícios para as populações locais nas áreas abrangidas, de acordo com os princípios da gestão sustentável dos recursos haliêuticos e da equidade».
A Frente POLISARIO reagiu de imediato. «A Frente POLISARIO toma nota da decisão tomada hoje pelo Conselho da União Europeia de assinar uma adenda ao Acordo de Associação UE-Marrocos, destinado a aplicar-se ao território do Sahara Ocidental, e condena veementemente esta decisão». E lembra: «Após os acórdãos do TJUE de 2016 e 2018» ficou claro que «um acordo celebrado entre a União Europeia e Marrocos não pode ser aplicado ao território do Sahara Ocidental. Para se candidatar a este território, é necessário um acto separado, com base no consentimento do representante do povo saharauí.
«Dias depois destas decisões judiciais, a Frente POLISARIO dirigiu-se aos líderes políticos europeus para permitir a conclusão de tal acordo com o único e legítimo representante do povo saharauí.
«No entanto, a Comissão Europeia, com o mandato do Conselho, rejeitou qualquer contacto com a Frente e limitou-se a tomar nota das duras manobras de Marrocos, o poder militar que ocupa o território.
«Portanto, a UE vira as costas à justiça para proteger os interesses políticos e financeiros a curto prazo e dificulta os esforços de paz do enviado pessoal do Secretário-geral das Nações Unidas para o Sahara Ocidental, o Sr. Horst Köehler, optando pela continuação de um conflito internacional que pesa sobre a estabilidade e a segurança na região e prolonga por mais anos o sofrimento do povo saharauí».
E conclui: «No futuro imediato, a Frente POLISARIO pede ao Parlamento Europeu que assuma todas as suas responsabilidades e rejeite esta proposta ilegal da Comissão. O parlamento, um órgão democrático, é um representante institucional da lei e deve condenar a deriva da Comissão.
«Diante desta cruel tentativa de impor o desvio, a distorção e iludir os julgamentos do TJUE, a Frente POLISARIO não terá alternativa senão contestar esta decisão perante o TJUE».
Nalguns países europeus houve reacções de desagrado por esta opção política da UE. No Reino Unido, questionado por parlamentares da oposição, o Secretário de Estado para o Norte de África e o Médio Oriente reafirmou que o RU aceita e respeita as decisões emanadas do TJUE, tendo o Ministério dos Negócios Estrangeiros confirmado que os produtos provenientes do Sahara Ocidental já vêm com uma identificação específica.
Em Espanha, a antiga potência colonizadora, um grupo de deputados pertencentes ao Intergrupo de Amigos do Sahara Ocidental dirigiu-se em 28 de Julho por carta ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, UE e Cooperação, Josep Borrell, para lhe pedir que não aceite o novo acordo de pesca, considerando que não respeita o acórdão do TJUE.
Segundo fontes da União Europeia, esta considera que é possível estender o acordo às águas territoriais do Sahara Ocidental desde que certas condições sejam satisfeitas, tais como beneficiar a população local e que esta seja consultada. Conforme explicaram à agência Europa Press, Marrocos comprometeu-se a organizar uma consulta «adequada» à população saharauí e a avaliar os efeitos sociais e económicos. A UE irá acompanhar ambos os procedimentos.
TJUE: Lembrar o já sabido

Ora acontece que em 19 de Julho, vésperas do anúncio do acordado entre a UE e Marrocos, o TJUE voltou a reiterar as suas decisões anteriores, excluindo categoricamente qualquer possibilidade de a UE incluir o Sahara Ocidental nos seus entendimentos com Marrocos. Esta decisão veio na sequência do recurso de Março de 2014 da Frente POLISARIO contra o acordo de pesca então assinado.
Mohamed Khaddad, interlocutor da POLISARIO junto da ONU, comentou: «Enquanto em Rabat os serviços da Comissão Europeia acreditam que estão autorizados a assinar um novo acordo com Marrocos para aplicá-lo à área marítima do Sahara Ocidental, a decisão de 19 de Julho de 2018 envia uma mensagem muito clara sobre a força do direito internacional, e que o seu atropelo não levará a lugar algum».
E concluiu: «Estamos a acompanhar a evolução do dossier, porque o acordo ainda não foi ratificado pelo Parlamento Europeu e, se este mecanismo de extensão do acordo for realmente por diante, apresentaremos um novo recurso aos Tribunais da União Europeia. Além disso, os nossos advogados estão actualmente a trabalhar no pedido de indemnização contra a Comissão, que decidimos fazer tendo em conta a obstinação europeia, e os danos reclamados ascendem a centenas de milhões de euros».
Entretanto, o diário britânico The Guardian, na sua edição de 11 de Julho, contava que, apesar das iras de Israel, o senado irlandês tinha aprovado um projecto-lei visando, na prática, banir a importação de produtos dos territórios palestinianos ocupados pelo exército de Telavive, abrindo caminho para que a Irlanda se torne o primeiro Estado europeu a impor um boicote a esses produtos. Quando o difícil processo legislativo estiver concluído será proibido o «comércio com, e o apoio económico a, colonatos ilegais em territórios considerados ocupados pelo direito internacional». Assim formulada, esta decisão contempla também o caso do Sahara Ocidental. E a mesma poderá ser um convite a outros países para seguirem o exemplo irlandês, segundo senadores citados pelo The Guardian.

 

KÖHLER NO SAHARA OCIDENTAL: «POR UM NOVO ESPÍRITO DE REALISMO E COMPROMISSO»

O Enviado Pessoal do Secretário-geral da ONU Horst Köhler realizou mais um périplo tendo visitado Argel (Argélia), Nouakchott (Mauritânia), Rabouni (Argélia) e Rabat (Marrocos), antes de desembarcar nos territórios do Sahara Ocidental ocupados por Marrocos.

Encontro Köhler - Ghali

Em 26 de Junho reuniu com o Presidente da República Árabe Saharauí Democrática e Secretário-geral da Frente POLISARIO, Brahim Ghali, nos acampamentos de refugiados. Na ocasião Köhler disse que o encontro tinha sido uma oportunidade para aprofundar os conhecimentos sobre os obstáculos à procura de uma solução para o problema saharauí. E voltou a reiterar que a redução para seis meses do mandato das Nações Unidas seria «susceptível de criar uma dinâmica e um modo de reflexão com um novo espírito, que pode conduzir, depois de mais negociações, a uma solução aceite por ambas as partes e eliminar um obstáculo ao processo de desenvolvimento da região do Norte de África como um todo».
Entre 28 de Junho e 1 de Julho esteve no Sahara Ocidental, na capital El Aaiún, em Smara e em Dakhla. Na capital encontrou-se com delegações de organizações saharauís de defesa dos direitos humanos. Primeiro com a ASVDH - Associação Saharauí de Vítimas de Violações Graves dos Direitos Humanos e depois com a CODESA - Colectivo de Defensores Saharauís dos Direitos Humanos. Além de Horst Köhler esteve igualmente presente Colin Stewart, o chefe da MINURSO, onde decorreram as reuniões. Ambas as organizações aproveitaram a oportunidade para passar em revista a situação dos DH no território e o papel nela desempenhado pelas forças de ocupação marroquinas.
Lembraram a Köhler e a Stewart a ausência das liberdades cívicas essenciais – a liberdade de associação e de expressão – a descriminação social e económica, e a completar o quadro, as prisões, a tortura.
Nada desta informação foi nova para os representantes das Nações Unidas. Logo no dia da chegada de Horst Köhler a El Aaiún as forças de segurança impuseram uma presença policial muito forte, instalando efectivos nos bairros e principais artérias da cidade. Segundo o correspondente do colectivo Equipe Media foram cercadas as casas de vários activistas e os seus ocupantes impedidos de sair.
Às 19 horas tiveram início as manifestações na Avenida Smara. Os manifestantes empunhavam bandeiras da RASD e reivindicavam o direito à autodeterminação e exigiam a protecção das Nações Unidas. As manifestações propagaram-se aos bairros e às ruas adjacentes e foram reprimidas pelas forças policiais.
Também os desempregados do grupo Al Kassem organizaram uma concentração a qual foi reprimida, resultando 7 pessoas feridas.
Numa manifestação no bairro de Nadi Lahma, um carro da polícia marroquina atropelou um manifestante saharauí - Ayoub El Ghan – o qual acabaria por falecer no hospital. O jovem de 16 anos é a 146.ª vítima da lista de mortes e feridos graves das ondas de protesto que agitam o Sahara Ocidental.
As manifestações prosseguiram um pouco por toda a cidade noite adentro e tiveram também lugar na cidade de Smara, no norte do território, igualmente visitada por Horst Köhler e a sua equipa.
Duas jornalistas saharauis, Zahara Essin e Khadi Essin, foram detidas no bairro de El Auda, juntamente com um jovem saharauí que procurou impedir a sua detenção. As jornalistas estavam a recolher imagens das manifestações dentro de uma viatura.
Köhler teve ainda a oportunidade de se encontrar com as autoridades locais e figuras do mundo dos negócios marroquinas.
Segundo o seu porta-voz, «durante as suas conversações, o Presidente Koehler sublinhou a importância de se avançar para uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável para o conflito, que assegure a autodeterminação do povo saharauí. Enfatizou a necessidade de um novo espírito de realismo e compromisso».

Boletim nº 63 - Julho 2018

BRUXELAS: RECORDAÇÕES DA CAUSA COLONIAL

Em 11 de Junho passado a Comissão Europeia divulgou a sua proposta de reformulação do acordo comercial com Marrocos para o adaptar à sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 21 de Dezembro de 2016. Mas, na prática, ignorou essa decisão judicial.


Tribunal de Justiça da UE (TJUE)

Recorde-se que nesse acórdão – como no de 27 de Fevereiro de 2018 - o TJUE define que o Sahara Ocidental não faz parte de Marrocos pelo que o território não pode ser abrangido por aquele acordo.
A proposta será agora enviada aos governos dos Estados membros e ao Parlamento Europeu para aprovação. O objecto da mesma são os protocolos nº 1 (acesso ao mercado da UE dos produtos agrícolas, simples ou transformados, pesca e produtos de pesca) e nº 4 (regras de origem).
Como se receava, a Comissão não atendeu à questão política central, presente na decisão judicial, a de que o Sahara Ocidental é um território não-autónomo que aguarda ainda a oportunidade de exercer o seu direito à autodeterminação.
Na sua análise o Western Sahara Resource Watch (WSRW) chama a atenção para alguns pontos que considera «altamente questionáveis».
Assim, em vez de aplicar o conceito “consentimento” como destacou o TJUE, a Comissão empreendeu uma “consulta”. E o conceito de “povo” do território foi substituído pelo de “população”. Ora «o Tribunal nunca sugeriu que a 'população' do Sahara Ocidental (que é totalmente diferente do 'povo') é relevante para o assunto», diz o WSRW.
De facto, «o quadro geral de um novo acordo foi iniciado com Marrocos sem qualquer contacto prévio com o povo do Sahara Ocidental». O que significa que «tendo em conta que a consulta fica aquém da exigência de obtenção de consentimento, a maioria dos grupos saharauís não foi sequer incluída no processo de auscultação». Ou seja, «apenas os grupos que foram registados pelo governo marroquino foram convidados a participar, o que exclui praticamente todos os grupos saharauís no território ocupado». Recordamos que 89 associações saharauís enviaram, em 3 de Fevereiro, uma carta à Comissão da UE rejeitando a metodologia seguida na renegociação do acordo com Marrocos sem a participação activa do seu representante político, a Frente POLISARIO.
Só mais tarde foi dada a conhecer a lista das entidades que a Comissão tinha contactado ou convidado. Esta lista mereceu também algumas chamadas de atenção da parte do WSRW.
Dos «actores políticos envolvidos» constam os «dois presidentes dos conselhos regionais do Sul» - a terminologia marroquina para designar os territórios ocupados do Sahara Ocidental e que a UE faz sua – e os dois «parlamentares originários do Sahara Ocidental». 
Mohamed Sidati
Igualmente incluído estava Mohamed Sidati, ministro delegado da F. POLISARIO para a Europa. O WSRW reconhece que em 5 de Fevereiro a Comissão teve uma reunião com Sidati mas que a mesma não estava integrada em nenhum processo de consulta, apesar do seu nome figurar na lista. Questionada pelo WSRW sobre qual tinha sido a agenda do encontro com o representante saharauí e se a mesma tinha sido antecipadamente comunicada à F. POLISARIO, a Comissão (ainda) não respondeu.
Quanto aos «parlamentares eleitos em eleições marroquinas no território ocupado representando partidos que defendem orgulhosamente a ocupação marroquina, de certeza que não representam o povo do território». O WSRW perguntou à Comissão se considera as eleições que Marrocos realiza no território que ocupa como legais, «mas não obteve resposta».
Da lista fazem igualmente parte vários grupos económicos entre os quais está a OCP, a companhia estatal marroquina que explora os fosfatos do Sahara Ocidental, embora a sentença do TJUE alerte no seu artigo 106.º que a questão dos benefícios de um acordo comercial é totalmente irrelevante como condição prévia para a sua legalidade.
O WSRW manifesta ainda a «sua surpresa» por ver o seu nome na lista das associações que rejeitaram tomar parte no processo de consulta pois nunca foi convidado para tal. E esclarece: «o WSRW foi na verdade convidado para um “encontro informal”. Mas o WSRW nunca foi solicitado a participar numa consulta formal que seria relatada ao Conselho e ao Parlamento europeus».
Aquando do encontro, em 17 de Maio, em que a Comissão do Comércio Externo do Parlamento Europeu convidou a Comissão, os eurodeputados ficaram a conhecer as linhas mestras sob as quais a proposta tinha sido construída. Como então deu conta um dos funcionários da CE presente nesse encontro, o novo acordo deveria incluir o Sahara Ocidental, as vantagens do mesmo deveriam ser redistribuídas pela «população abrangida» e ter uma referência ao processo de paz da ONU. Outro funcionário justificou o acordo invocando que «no acordo de associação não criamos obrigações nem impomos encargos ao Sahara Ocidental, às populações e ao povo do Sahara Ocidental – damos-lhes uma vantagem».
Os eurodeputados manifestaram a sua preocupação por esta leitura ignorar a sentença do TJUE e por os funcionários da Comissão terem utilizado a linguagem oficial marroquina para referir o Sahara Ocidental, «os territórios do sul». Como comentou no final um eurodeputado, «o espírito colonial europeu continua vivo em Bruxelas».
Nos princípios de Junho, a conferência interparlamentar organizada por 4 grupos do PE - os Socialistas e Democratas (S&D), a Aliança dos Democratas e dos Liberais pela Europa (ADLE), a Esquerda Unida Europeia/Esquerda Verde Nórdica (GUE/NGL) e os Verdes/Aliança Livre Europeia – sobre «A UE e o Sahara Ocidental: depois das sentenças do Tribunal Europeu de Justiça», exortou a UE e os seus Estados membros a tomarem «medidas imediatas» para respeitar a sentença do Tribunal e a contribuir para a resolução do conflito. Já antes os europarlamentares tinham defendido que a proposta da Comissão deveria ser submetida ao TJUE antes de subir ao PE «a fim de evitar qualquer instabilidade jurídica futura».
No mesmo sentido se pronunciou a Frente POLISARIO através de Mohamed Sidati. «A Comissão escolheu substituir o consentimento do povo saharauí por uma “consulta” e o povo do Sahara Ocidental pela “população local” constituída maioritariamente por colonos». A 16 de Junho interpôs um recurso perante o TJUE para a anulação da decisão do Conselho da UE de 16 de Abril autorizando a Comissão a negociar com Marrocos a extensão do acordo de pesca ao Sahara Ocidental. Ao anunciar esta iniciativa, Mohamed Khadad, membro do Secretariado Nacional da F. POLISARIO, sublinhou que «não só os rendimentos gerados por estes acordos têm permitido às forças marroquinas de ocupação financiar a sua política anexionista como a UE tem contribuído igualmente para esta política ao subvencionar directamente a implantação de infra-estruturas marroquinas em território saharauí ocupado».
Entretanto estava previsto recomeçarem em Bruxelas, neste final de Junho, as negociações UE-Marrocos sobre o novo acordo de pesca, negociações estas iniciadas em Abril passado em Rabat e que, segundo a agência EFE, «se limitaram às questões políticas, sem entrar nos temas estritamente da pesca». De acordo com observadores citados pela EFE «a parte política apresenta-se como a mais complicada devido ao facto de o novo acordo dever respeitar os termos da sentença do TJUE que estabeleceu que as águas territoriais do Sahara Ocidental não estão sob soberania marroquina. Marrocos, por sua vez, considera que a sua soberania sobre estas águas – onde são pescados mais de 90% das capturas da frota europeia – constitui uma “linha vermelha” que está fora de toda a discussão».
Segundo a imprensa marroquina, na reunião entre as partes preparatória do encontro de Bruxelas, Rabat teria duplicado o valor das licenças de pesca a cobrar à UE exigindo agora 800 milhões de dirham, o equivalente a 84 milhões de euros.

Boletim nº 62 - Junho 2018

RECURSOS NATURAIS

Nas análises ao colonialismo europeu de finais do séc. XIX, princípios do séc. XX, o saque dos recursos naturais dos territórios sujeitos à dominação colonial é um dos seus traços identificadores.




Ao entrarmos no último quartel do séc. XX, quando pensávamos que esse flagelo tinha sido finalmente derrotado, fomos confrontados com o relançamento desta velha prática europeia, agora através de países que tinham recentemente passado do estatuto de colónias para o de países soberanos. Em Novembro de 1975 Marrocos invade e ocupa o Sahara Ocidental e em Dezembro de 1975 a Indonésia invade e ocupa Timor-Leste. Em ambas as situações os novos ocupantes recorreram às mesmas políticas de que tinham sido vítimas: a imposição de uma máquina administrativa de dominação, a imposição de uma cultura com a sua língua, a marginalização e subalternização das populações locais, a imposição de uma omnipresente máquina repressiva e, claro!, a pilhagem dos seus recursos naturais. Por isto, o então dirigente da Resistência timorense e hoje Primeiro-ministro da República de Timor-Leste, Xanana Gusmão, perguntava em 27 de Julho de 1992 ao Comité de Descolonização da ONU: «Será que o colonialismo só tem esse significado quando é praticado pelos brancos? Ou o colonialismo é uma forma de dominação de um Povo sobre outro?»
O combate ao saque dos recursos naturais é hoje um dos principais terrenos de luta da Frente POLISARIO. A recente decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre o acordo de pescas UE-Marrocos, confirmando a sentença anterior sobre o acordo de produtos agrícolas, veio dar um novo impulso ao seu prosseguimento.
Ignacio Cembrero, um jornalista de referência nas questões do Magrebe, conta-nos o empenhamento de «Gilles Devers, advogado da Frente POLISARIO na Europa, [que] quer aproveitar o efeito de duas sentenças sucessivas do TJUE para pressionar um pouco mais Marrocos (…)».
Dentro desta campanha de denúncia do saque dos recursos o caso dos fosfatos é outro exemplo emblemático. 
NM Cherry Blossom
Em 13 de Abril de 2017 o navio NM Cherry Blossom, de bandeira neozelandesa, deixou El Aaiun com um carregamento de 50.000 toneladas de fosfato e ancorou em Port Elizabeth, na África do Sul, para se reabastecer. Alertadas pela Frente POLISARIO as autoridades sul-africanas apreenderam a carga e o navio, que ficou imobilizado naquele porto.
Após um longo processo litigioso, em 23 de Fevereiro deste ano o Supremo Tribunal de Justiça da África do Sul decidiu que a República Árabe Saharaui Democrática (RASD) é a proprietária de toda a carga do navio que estava destinada à Nova Zelândia.
O mesmo Tribunal respondeu favoravelmente ao pedido da Frente POLISARIO e concedeu um prazo de 30 dias para a venda do fosfato em hasta pública. Nos princípios de Maio o governo da RASD, em comunicado, congratulou-se pela venda do carregamento e anunciou que, no futuro, empreenderá acções similares noutros países contra empresas que comprem ilegalmente fosfato do Sahara Ocidental.
O representante da Frente POLISARIO na Austrália e Nova Zelândia, Kamel Fadel, disse à Reuters que «os fundos arrecadados com a venda serão transferidos para as autoridades saharauís que os poderão utilizar no futuro para localizar casos semelhantes».
Mas a Frente POLISARIO não está sozinha nesta luta. A associação Western Sahara Resource Watch (WSRW) tem sido uma parceira inestimável nesta difícil e dura batalha. No seu relatório de 2016 sobre o comércio mundial de fosfatos no Sahara Ocidental, alertava para a possibilidade de a companhia americana Innophos Holdings ser uma das compradoras chave do fosfato proveniente daquele território. Segundo a WSRW, «as compras não foram feitas directamente ao exportador marroquino (…) mas à companhia importadora de fertilizantes PotashCorp (hoje Nutrien). Este importador tem uma fábrica no interior da Innophos (…) com um pipeline transportando os derivados de fosfato da PotashCorp para a Innophos».
Este receio veio a ser confirmado pela própria Innophos Holdings no seu relatório de 3 de Abril de 2016, publicado pouco depois do daquela associação. «Estamos igualmente sujeitos a riscos decorrentes das condições sociais e políticas locais nas jurisdições de onde provém o mineral de fosfato que é a base das nossas actividades. O mineral de fosfato utilizado pela PCS [PostachCorp] para aprovisionar a nossa fábrica de Geismar, na Luisiana, em MGA [Merchant Grade Acid] é objecto destas condições políticas e sociais no Sahara Ocidental, onde a PCS se aprovisiona em mineral de fosfato, território que tem conhecido uma longa história de perturbações sociais e políticas. Se a PCS é incapaz de se aprovisionar em mineral de fosfato ou em quantidades suficientes, o nosso aprovisionamento em MGA será perturbado e a capacidade de fabricar os nossos produtos poderá ser seriamente afectada».
A WSRS lembra que desde 2010 já contactou a Innophos por diversas vezes sem nunca ter obtido uma resposta. «A ausência de resposta da Sociedade não passou despercebida aos vários dos seus antigos investidores: a Sociedade foi objecto de numerosos desinvestimentos. Uma longa análise de exclusão ética da empresa foi preparada pelo Conselho de Ética da Caixa de Pensões do governo norueguês em 2015. Pela mesma razão, a Sociedade foi igualmente expulsa da carteira de opções do Luxembourg Pension Fund e do Danske Bank, entre outros».
Mas o fosfato não é caso único. A WSRS cita também o exemplo da HeidelbergCement, que através de uma filial nos arredores de El Aaiún, a capital do Sahara Ocidental, explora uma cimenteira. «A fábrica é detida pela CIMAR [Cimentos de Marrocos], que por sua vez pertence à multinacional alemã via uma filial italiana, a Italcementi».
Tal como com a Innophos, a WSRS escreveu várias cartas à HeidelbergCement, assim como à sua filial Italcementi, perguntando se tinham autorização do representante do povo saharauí para operar no território ocupado. E tal como com a Innophos, não obteve qualquer resposta. 
 

ACORDO UE-MARROCOS: COMO “ILUDIR” A SENTENÇA DE UM TRIBUNAL

A partir da decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que colocou as águas territoriais do Sahara Ocidental fora do âmbito dos acordos de pesca entre a UE e Marrocos, ambas as partes se empenharam em encontrar uma solução que permita contornar a sentença do TJUE.

Fim à pesca ilegal!

No dia 16 de Abril o Conselho Europeu aprovou a outorga à Comissão Europeia do mandato para a negociação do novo acordo das pescas com Marrocos, a entrar em vigor em 14 de Julho próximo.
O jornal marroquino Telquel diz que só a Suécia e o Reino Unido – por razões diferentes - se abstiverem. Cita a Comissão Europeia que se afirma convencida de que é «possível estender os acordos bilaterais com Marrocos ao Sahara Ocidental sob certas condições». A Comissão estará, aliás, a preparar um relatório a submeter ao Conselho e onde integrará «”o consentimento das populações do Sahara Ocidental” ao novo acordo». E a ministra espanhola das pescas, Isabel García Tejerina, foi muito afirmativa: «As negociações levarão muito a sério a sentença do Tribunal».
Nada foi dito, porém, sobre que “populações do Sahara Ocidental” são estas nem que metodologia irá ser seguida para obter o seu “consentimento”.
A voz discordante neste discurso veio da Suécia onde um deputado do Partido Democrático dirigiu uma pergunta ao Ministro do Comércio e da União Europeia a pedir esclarecimentos sobre o mandato concedido à Comissão para renegociar o acordo. Quem respondeu, no entanto, foi o Ministro dos Assuntos Rurais, Sven-Erik Bucht, que defendeu que a Frente POLISARIO, enquanto legítimo representante do povo saharauí, deveria ser consultada sobre qualquer acordo que incluísse as águas territoriais do Sahara Ocidental.
No dia 20 de Abril realizou-se a primeira reunião de trabalho em Rabat no âmbito destas negociações. Na véspera do encontro o Ministro dos Negócios Estrangeiros marroquino, Nasser Bourita, voltou a frisar que «a integridade territorial e a unidade nacional de Marrocos não são objecto de negociação ou de compromisso», neste e em todos os acordos que envolvam o país.
Por sua vez, e segundo a agência SPS, a Frente POLISARIO recordou em comunicado que «o Tribunal de Justiça da União Europeia sentenciou por duas vezes que Marrocos não tem soberania sobre o Sahara Ocidental» e que, portanto, o território não pode ser incluído nos acordos internacionais sem o «consentimento do povo saharauí, expresso pelo seu representante reconhecido pelas Nações Unidas, a Frente POLISARIO».
Em 17 de Maio a Comissão de Comércio do Parlamento Europeu realizou um debate sobre o estado das negociações. Sobre ele, o Representante da Frente POLISARIO junto da UE, Mohamed Sidati, divulgou uma declaração onde afirma valorizar «a tomada firme e responsável de posições por parte dos membros da Comissão de Comércio em defesa da União Europeia e da legalidade internacional, solicitando à Comissão Europeia que seja respeitado rigorosamente o Estado de direito pelos membros da Comissão», mas notando «com preocupação a intenção delineada durante as discussões (...) de estender» os acordos «com Marrocos ao Sahara Ocidental Ocupado. É evidente que os procedimentos seguidos visam evitar as sentenças emanadas do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Procedendo deste modo, as instituições europeias são arrastadas para o saque ilegal dos recursos naturais do Sahara Ocidental, o que constitui uma abordagem arriscada».
«Além disso, a Comissão Europeia optou por substituir o consentimento do povo saharauí pelo chamado "processo de consulta" e substituiu o povo do Sahara Ocidental pela "população local", onde a população de colonos marroquinos constitui a maioria».
E lembra: «O povo saharauí nada ganha com a exploração e exportação dos seus recursos naturais contra o seu consentimento. (…). Os alegados benefícios locais, referidos pela Comissão, em acordos negociados e aplicados com a potência de ocupação, excluem claramente o povo saharauí, incluindo a parte que vive no território ocupado do Sahara Ocidental».
Em Março passado interrogámo-nos aqui se, face à decisão do TJUE, o Conselho Europeu iria optar pelo direito internacional ou pelos interesses comerciais. Hoje já sabemos a resposta.